o sol reflexo em Roland Barthes
"NOITE. Todo estado que suscita no sujeito a metáfora da obscuridade (afetiva, intelectiva, existencial) na qual ele se debate ou se apazigua.
1. Vivencio sucessivamente duas noites, uma boa, outra ruim. Sirvo-me, para dizê-lo, de uma distinção mística: estar a oscuras (estar às escuras) pode acontecer, sem que haja carência, porque estou privado da luz das causas e dos fins; estar en tinieblas (estar nas trevas) acontece-me quando sou cegado pelo apego às coisas e pela desordem que daí provém.
Na maior parte das vezes, estou na obscuridade mesma do meu desejo; não sei o que ele quer, o próprio bem é para mim um mal, tudo ecoa, vivo numa roda-viva: estoy en tinieblas. Mas, às vezes, também, é uma outra Noite: sozinho, em posição de meditação (é talvez um papel que me atribuo?), penso no outro calmamente, tal como é; suspendo toda interpretação; entro na noite do sem sentido; o desejo continua a vibrar (a obscuridade é transluminosa), mas não quero apoderar-me de nada; é a Noite do não-lucro, do dispêndio sutil, invisível: estoy a oscuras: estou ali, sentado simplesmente e pacificamente no interior negro do amor.
2. A segunda noite envolve a primeira, o Obscuro ilumina a Treva: 'E a noite estava obscura e iluminava a noite.' [S. João da Cruz] Não procuro sair do impasse amoroso pela Decisão, pelo Domínio, pela Separação, pela Oblação, etc., em suma, pelo gesto. Apenas substituo uma noite pela outra. 'Obscurecer esta obscuridade, eis a porta de toda maravilha.' [Tao Te King]"
Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 259-260.
quinta-feira, 26 de julho de 2007
quarta-feira, 25 de julho de 2007
NA PORTA DA GELADEIRA
Não, não posso
Me esquecer
Do cotidiano
Te escrever
Seqüências de sílabas
Apropriadas - palavrinhas
Bem-medidas, sentenças
(máximas entre mínimas)
Que aliviem as rotinas
Ditas ácidas, corrosivas
Íntimas dos cotovelos;
Rosários de continhas
Bombons, balinhas - enlevos
Que adociquem dias inteiros
(se nublados os cinzeiros
de mal-viver passageiro...)
Me esquecer
Do cotidiano
Te escrever
Seqüências de sílabas
Apropriadas - palavrinhas
Bem-medidas, sentenças
(máximas entre mínimas)
Que aliviem as rotinas
Ditas ácidas, corrosivas
Íntimas dos cotovelos;
Rosários de continhas
Bombons, balinhas - enlevos
Que adociquem dias inteiros
(se nublados os cinzeiros
de mal-viver passageiro...)
quarta-feira, 18 de julho de 2007
segunda-feira, 16 de julho de 2007
QUATRO CONSTATAÇÕES E UM PEDIDO
Será sempre assim:
- Você principiando nãos
eu finalizando sins.
***
Será sempre um cabo-de-guerra:
- Você me puxando pra vida
eu te descansando dela.
***
Baby, tenho uma cartola
De prosa em poesia:
- Dela, tudo jorra
(mas é você quem tira).
***
Será sempre assim:
- Do crepúsculo à aurora
eu te matando um leão
(por hora).
***
Baby não, não vá embora:
- Se for, não me carregue
o coração na sacola.
- Você principiando nãos
eu finalizando sins.
***
Será sempre um cabo-de-guerra:
- Você me puxando pra vida
eu te descansando dela.
***
Baby, tenho uma cartola
De prosa em poesia:
- Dela, tudo jorra
(mas é você quem tira).
***
Será sempre assim:
- Do crepúsculo à aurora
eu te matando um leão
(por hora).
***
Baby não, não vá embora:
- Se for, não me carregue
o coração na sacola.
sábado, 14 de julho de 2007
AMANHÃ CEDO
Anoiteceu - finalmente
Aconteceu - do dia derradeiro
Desmaiar - do meu cansaço
De Romeu - a esperar
A hora - o momento
De renovar - a tempo
(de respirar)
O desejo
(íntegro, primeiro)
(na aurora
deste desdobramento)
De ver você chegar.
Aconteceu - do dia derradeiro
Desmaiar - do meu cansaço
De Romeu - a esperar
A hora - o momento
De renovar - a tempo
(de respirar)
O desejo
(íntegro, primeiro)
(na aurora
deste desdobramento)
De ver você chegar.
À TUA ESPERA
Blocos de granito
Como leves guizos: o presente
Comprimido em segundos
Parecem minutos
(horas a fio
no fundo do rio)
Em câmara lenta; a vida
(modorrenta alegria)
Ainda vale a pena
Mesmo agonia:
- Antes antever-te
verde na doceria
que tardiamente
feita noutro dia...
Como leves guizos: o presente
Comprimido em segundos
Parecem minutos
(horas a fio
no fundo do rio)
Em câmara lenta; a vida
(modorrenta alegria)
Ainda vale a pena
Mesmo agonia:
- Antes antever-te
verde na doceria
que tardiamente
feita noutro dia...
sexta-feira, 13 de julho de 2007
quinta-feira, 12 de julho de 2007
JUSTO ANTES DA AURORA
Acordei (às cinco)
Dum sono sem sonho:
- Pesado e confuso, contudo
desperto ágil o segundo;
Opaco, súbito o sinto
Intransponível aquela ponte
Para além da velha fonte
Desta escuridão invencível;
Não importa saber que avança
A madrugada na lenta dança
Granítica de minha ânsia:
- O tempo não anda, contradiz
a esperança de quanto mais dia
aponta (e alivia), menos significa...
Dum sono sem sonho:
- Pesado e confuso, contudo
desperto ágil o segundo;
Opaco, súbito o sinto
Intransponível aquela ponte
Para além da velha fonte
Desta escuridão invencível;
Não importa saber que avança
A madrugada na lenta dança
Granítica de minha ânsia:
- O tempo não anda, contradiz
a esperança de quanto mais dia
aponta (e alivia), menos significa...
domingo, 8 de julho de 2007
ANGRA
A capela, branca
(hermeticamente fechada)
Aninhada à sombra d'água
(vista da estrada)
Vela, delicada
A sagrada fissão das partículas
Em partículas menores, pequeninas
Melhores se menores ainda
Miudinhas
Mínimas
Ínfimas
Não fossem íntimas
Da criação divina - a maior energia
(menores que piores
a depender da perspectiva)
(hermeticamente fechada)
Aninhada à sombra d'água
(vista da estrada)
Vela, delicada
A sagrada fissão das partículas
Em partículas menores, pequeninas
Melhores se menores ainda
Miudinhas
Mínimas
Ínfimas
Não fossem íntimas
Da criação divina - a maior energia
(menores que piores
a depender da perspectiva)
sábado, 7 de julho de 2007
RECADO DISTRAÍDO
Amorzinho ido
(se mais distante
impossível suportar):
- Cê tá demorando
e eu esperando
de tanto suspirar
e de tanto suspirar
enfim descanso
de costas para o mar
e de costas para o mar
sonho Paris, com a França
com Cascais, Lisboa e Viana
e a Cintra de Eça
[com Brasília, que é minha
(que era), sonho mais ainda]
conosco em vigília
dupla ilha a estibordo
doutro ido lugar...
(se mais distante
impossível suportar):
- Cê tá demorando
e eu esperando
de tanto suspirar
e de tanto suspirar
enfim descanso
de costas para o mar
e de costas para o mar
sonho Paris, com a França
com Cascais, Lisboa e Viana
e a Cintra de Eça
[com Brasília, que é minha
(que era), sonho mais ainda]
conosco em vigília
dupla ilha a estibordo
doutro ido lugar...
PARATY IV
O fim-de-semana
Sacana, te entope as veias
Cavando fundo as areias
De tuas ruas perfeitas;
Nada bucólica, portanto
A Paraty outrora agora
Tão cheia de gentes
Vazando afluentes
[seu rio apodrecido
naturalmente conta
(com certa pompa)
este presente ido]
Sacana, te entope as veias
Cavando fundo as areias
De tuas ruas perfeitas;
Nada bucólica, portanto
A Paraty outrora agora
Tão cheia de gentes
Vazando afluentes
[seu rio apodrecido
naturalmente conta
(com certa pompa)
este presente ido]
TRINDADE
Pinças verdes
De mata, cinzas
De pedra, fechadas
Num braço de mar
Decepado da água;
Pseudopraia abraçada
Sem aconchego, fria
Enseada; mórbido
Desejo de baixo nevoeiro
Por entre as pinças
Deste enorme caranguejo...
De mata, cinzas
De pedra, fechadas
Num braço de mar
Decepado da água;
Pseudopraia abraçada
Sem aconchego, fria
Enseada; mórbido
Desejo de baixo nevoeiro
Por entre as pinças
Deste enorme caranguejo...
sexta-feira, 6 de julho de 2007
PARATY III
Nada demais:
- Tua ausência repetida, conhecida
já destas pedras, certamente
que amarias;
Ademais, nada que escrever
Terá muito a ver com olhos
Bem-postos aqui:
- Sem ti
pouco há Paraty.
- Tua ausência repetida, conhecida
já destas pedras, certamente
que amarias;
Ademais, nada que escrever
Terá muito a ver com olhos
Bem-postos aqui:
- Sem ti
pouco há Paraty.
PARATY II
Paraty morreu
De morte antiga:
- Pacata, perdeu-se
reveses atrás;
Ressuscitou, um dia
Museum
Empalhada vila
(diferente de Goyaz
que respira ainda)
De morte antiga:
- Pacata, perdeu-se
reveses atrás;
Ressuscitou, um dia
Museum
Empalhada vila
(diferente de Goyaz
que respira ainda)
quinta-feira, 5 de julho de 2007
TRÊS DE JULHO
Hoje, a saudade
Virou-se, tempestade
Seca, arenosa, traiçoeira
Vendetta - da tua ausência.
Virou-se, tempestade
Seca, arenosa, traiçoeira
Vendetta - da tua ausência.
PARATY
Retas, simétricas
Perpendiculares
(particulares)
As pedras de Paraty;
Ruas sem curvas
Salgadas, a areia turva
Lavada do mar-mangue
Que cristaliza, exangue
A vila dos parasitas;
Estranha, pequena e larga Paraty
Exata: nada das tortuosas vias
Que fiz de Goyaz, lá em cima...
Perpendiculares
(particulares)
As pedras de Paraty;
Ruas sem curvas
Salgadas, a areia turva
Lavada do mar-mangue
Que cristaliza, exangue
A vila dos parasitas;
Estranha, pequena e larga Paraty
Exata: nada das tortuosas vias
Que fiz de Goyaz, lá em cima...
terça-feira, 3 de julho de 2007
FÉ CIRÚRGICA NA RODA DA FORTUNA
Confio no amor
No seu operar interior
(retórica das vísceras)
Acredito poder o amor
Operar o tempo a seu favor
(glória das orquídeas)
Sinto de fato o amor
Operar o pensamento sem dor
(estória das primícias)
E quando acontece do amor
Operar no espaço exterior
(vitória das valquírias)
Saiba que não é doce
Nem amargo
Nem estreito
Nem largo
O percorrido a percorrer:
- Apenas filme já visto
por outro viver.
No seu operar interior
(retórica das vísceras)
Acredito poder o amor
Operar o tempo a seu favor
(glória das orquídeas)
Sinto de fato o amor
Operar o pensamento sem dor
(estória das primícias)
E quando acontece do amor
Operar no espaço exterior
(vitória das valquírias)
Saiba que não é doce
Nem amargo
Nem estreito
Nem largo
O percorrido a percorrer:
- Apenas filme já visto
por outro viver.
MÃE
Tuas coisas
Quase barrocas, e solenes
Católicas, apostólicas
Humanas
São remotas, primogênitas
Do amor mais antigo
Da alma deste filho
(teu só menino)
Tão próximo, e longínquo
Dúbio sentimento:
- Quente, frio
alheio, marinheiro
pinheiro andarilho
sempre contigo...
Quase barrocas, e solenes
Católicas, apostólicas
Humanas
São remotas, primogênitas
Do amor mais antigo
Da alma deste filho
(teu só menino)
Tão próximo, e longínquo
Dúbio sentimento:
- Quente, frio
alheio, marinheiro
pinheiro andarilho
sempre contigo...
segunda-feira, 2 de julho de 2007
RODOVIÁRIA
As gentes desta encruzilhada
Queimada, engordurada
De esperas angustiadas
(de chegadas indiferentes)
Não aguardam como antes
(pacientes, deselegantes)
Pelo momento em seguida
Suspenso dessa lida:
- Antes passam, navegantes
por sobre rodas-gigantes
até a próxima parada
(paraíso distante
uma polegada
de mapa)
Queimada, engordurada
De esperas angustiadas
(de chegadas indiferentes)
Não aguardam como antes
(pacientes, deselegantes)
Pelo momento em seguida
Suspenso dessa lida:
- Antes passam, navegantes
por sobre rodas-gigantes
até a próxima parada
(paraíso distante
uma polegada
de mapa)
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