domingo, 31 de maio de 2015

REVISITA 60: MEMÓRIA DE ABRIL

Meu já tão amor, tome esta rosa como lembrança
daquela tarde distraída, encostada e entreaberta
em que fui atenção tua, molhando os teus lábios
num caminho qualquer cruzando os meus  passos

onde dadas as mãos ficamos, o olhar úmido boiando
dados os braços, as pernas, a anaconda que tornamos
a esticar devagar o tempo, amar as sestas, as sextas
sábados, domingos, feriados - dias úteis quanto santos:

- na celebração do que desanda facilmente
se negligentes achamos
que um réptil dura cem anos;

- na busca de flores sumidas entre os pêlos
que comungamos
num jardim eterno de cuidados.

30/03/1997

sábado, 30 de maio de 2015

CEDIÇO

Antes daquilo
parecer isto

(e parecendo
tê-lo esquecido)

fica a contento
sê-lo partindo...

REVISITA 59: BAILARINA

Que papéis nos rondam
no palco das coisas alheias?

Da vida trapezista só peço
teu olhar de bailarina

que enviesado me apruma
(e faz com que sigo)

direito ao longo dos dias...

30/03/1997

quinta-feira, 28 de maio de 2015

POLÍTICO

O invólucro
que te envolve

sobrelucro
contingente

(sobretudo)

indigente
ante a gente

te devolve
a este mundo

granítico
como dele

(sobretudo)

REVISITA 58: SILENCIOSAMENTE

Por sobre a neve opaca
de tantas horas confinadas

retidas em brancura gélida
fantasmagórica

deito olhar longínquo
por ti agasalhado da noite fria:

- pela presença cálida
fresca e luminosa

dos teus ires e vires
pelos cantos da memória...

01/03/1997

domingo, 24 de maio de 2015

sábado, 23 de maio de 2015

UM VELHO AMIGO

o que se esgueira

Rato ou ratoeira

o abismo espreita
qualquer colheita.

O abismo espreita
quem dele esqueça.

O abismo espreita
se cai da mesa

(a vida estreita
despenhadeira).

Repare. Veja
(senão mereça)

sua redondeza
abraçadeira

(em volta a mesma)

de natureza
fingida e besta.

REVISITA 57: À NOITE

À procura de um caminho, perco-me à noite
Entre vias que distraem e atalhos que enganam;
Dos impulsos caprichosos, sequioso permaneço
O desejo suspenso em encruzilhadas infinitas...

Dos rastros de sonhos desvanecidos, mal chega o dia
Maldigo as idas sem vindas, tão exaurida a busca, e exaustiva;
E na vigília que perdura, ao marcar a hora lenta
Paraliso a procura, a minha procura à tua procura...

Contudo, uma vez vivo, se insisto e acredito
Que o que ignoro e tu desvias esconde as pedras exatas
O chão inequívoco das certezas que não virão

Na inutilidade de tentar, seguro permanecerei:

- pois se invólucros sonhamos, e a noite é finita
seguirei te buscando e me perdendo, vez que sempre chega o dia...

08/07/1996

sexta-feira, 22 de maio de 2015

MAYA

all bubbles

Trabalhas

falhas, talhas
relhas, cilhas
quilhas, olhas
hulhas, bolhas.

bolhas. bolhas.

Muralhas

calhas, valhas
gelhas, ilhas
colhas, júlias
bolhas, bolhas

bolhas, bolhas.

Baralhas

alhas, quelhas
milhas, molhas
rolhas, tulhas
bolhas, bolhas

bolhas, bolhas...

Farfalhas

malhas, telhas
pilhas, silhas
tílias, folhas
grólias bolhas

bolhas, bolhas

bolhas, bolhas!...

Gargalhas

palhas, celhas, bilhas
solhas, trolhas, bulhas
bolhas, bolhas, bolhas

bolhas, bolhas, bolhas

bolhas, bolhas, bolhas!!!...

***

[caralhas

elhas - dálias, lélias
filhas, velhas, polhas

pulhas, bolhas

bolha]

quarta-feira, 20 de maio de 2015

REVISITA 56: ACORDO

... se por acaso
ou descuido imprevisto
a contabilidade dos momentos dissonantes não bater
não se inquiete:

- momento virá em que os modos distintos
humores contrários
então fundidos
temperados
encerrarão nossos lábios
num beijo.

21/05/1996

REPROVAS?

À prova
de cola

a prova

aprova,
decola,
descora:

1. aprovas?

2. decoras?

3. escoras?

4. descolas
de escolas?...

terça-feira, 19 de maio de 2015

ENTRE O ALMOÇO E O CAFÉ

... basta distraí-la
num cochilo - a vida

(a tida e presente)

para que a lembrança
numa estranha dança

cochiche à pestana

sua história ausente...

REVISITA 55: SEM TÍTULO

De um tempo que não te vejo, veio esta névoa
A turvar um olhar cansado de te faltar;
Sonolência de almoços, de sentidos entorpecidos,
De tardes mal digeridas, tanta a minha saudade!...

Vivo um sono irritado, letargia impaciente
Da tua ausência de um leito demente de tantos sonhos!...
Onde, por vezes medonhos, acordados ficávamos
De um medo paralítico, tanto o medo de acordar!...

Agora que estás não estando, para lá de horizontes,
Muito além de azuis quentes e negrores estrelados,
A névoa árida em que acordado turvo
Cochila pesada a minha saudade...

Mas até quando, por quanto tempo
Cansado de te faltar, almoço e tanto me entorpeço?

Respondo que provisório - espero!
Pois se cruzo as tardes indigesto,
É da ânsia de afogar, demente entre beijos,
A paralisia da tua ausência:

- o monstro acordado medonho
que paira por trás desta névoa...

02/05/1996

segunda-feira, 18 de maio de 2015

DÉJÀ VU

Do dia de ontem
no dia de hoje

que arde recém
(destarte refém)

no que vem à noite

do quanto houve
até que me contem

pressinto os poréns
(ressinto-os também)

sábado, 9 de maio de 2015

REVISITA 54: SECRETÁRIA

Nesta manhã sonolenta, preguiçosa
Uma luz branca pousa sobre a mesa.
Luz da memória, sobrevinda entre poeiras
De tua ausência, presente nos cantos da sala.

Das fotografias que a luz dispõe sobre a mesa
Guardo suave o lume de tua natureza, contida.
A promessa de retorno que fizeste, espera
Calmamente
Retida na imagem à frente, sobre a mesa
Colorida dos vestidos e sorrisos que refaz agora.

Das letras que alinhavo neste instante
Vem um desejo além dessa luz matutina
Além dessa mesa empoeirada
Dos cantos da sala
De fotos que simulam jardins:

- Se quieto fico, e mais passe devagar a hora
se ao tempo deixo contar os minutos
certamente os passos que te levaram
em segundos te trarão de volta!...

29/04/1996

SOBRE UM ASSOMBRO QUE SE REPETE

... essa frescura, tão sorridente
quão prematura

da punctura (mas reincidente)
de novas curvas

põe em alturas impenitentes
pra mais um tombo

um velho lombo
sobrevivente

sobre os escombros
de tanta gente

- e dando de ombros
de ombros somente!...

quinta-feira, 7 de maio de 2015

REVISITA 53: O TEU SORRISO

O sonho que sonho sorri
Branco um sonho de dentes perfeitos.

27/04/1996

DO ANALFABETISMO EMOCIONAL

fragmento pouco esclarecedor

... tua leitura teima
em toda sentença

ver o pé da letra

(tua leitura teima
o que então contempla:

- um sentido besta);

tua leitura teima
sempre uma presença

que inexiste a mesma;

tua leitura teima
no que desconhece

de própria e alheia

[tal leitura teima
no que desmerece

sua feitura plena];

tua leitura queima
o que a vista almeja:

- antes suspendê-la...