QUADRA DESTE 31/12 III

A noite do último dia

do ano que então passaria:

- opaca melancolia

do passo que empacaria.

QUADRA DESTE 31/12 II

A tarde do último dia

do ano que então correria

cinza corresponderia

à protração que ocorria.

QUADRA DESTE 31/12

A manhã do último dia

do ano que então poderia

claro esplendor contraria

um tempo que não podia.

QUINTILHA QUADRADA

da prisão da forma
a forma da prisão

[a quadra

que esquadra

palavras

enquadra

sua lavra]

DUPLA SEXTILHA REFLEXA

[o vácuo

inócuo

que acuo

é fátuo

recuo

e mútuo]


{do vácuo

inócuo

e mútuo

eu fátuo

picuo

recuos}

QUADRA PERSPECTIVA

um passado pela frente


[ao fim de um ano no hospício

véspera do próximo pior

enfim me dou fictício

à espera de um bom anterior]

QUADRA JUIZ-FORANA XXI

[minha mãe

minhas tias

placas-mãe

confiarias?...]

DESAMBIENTAL

num condomínio horizontal

A parede

lustriverde

do vizinho

se furacou

à faca-cão.

Chamam "poda"

a operação

que esfuracou

o meu sertão

particular.

(chamo "phoda"

a obrigação

que esburacou

um meu bordão

vocabular)

QUADRA DA ESCALA INTELIGÍVEL

Um sol de bilhões de anos

brilha sobre seres de algumas horas.


Essa discrepância cabe pequena

no espaço entre as orelhas.

POEMA ÓBVIO

A vida
é luta.

A vida
é bruta.

É vida
que lida

e lida
labuta.

A vida
disputa

a vida
que chuta.

Partida
chicuta

crescida
minuta

seguida
biruta

fugida
ferida

é vida
parida

de gruta.

A vida
se escuta;

se é vida
ouvida

permuta
colhida.

A vida
imputa

condutas;

se é vida
devida

desfruta
cicutas...

EM FRENTE À TEVÊ XXX

Do centro do café
com leite no sofá

pra dentro da tevê
(deleite ali e acá)

desfoco a atenção
(um pouco por você)

in loco, sim e não
tampouco de antemão:

- no hiato do que até
de fato espaçará

(entre o cristalino
e o cristal líquido)

olhos de furacão
caolhos, sim e não...

SEXTILHA DA PODA

O luto das flores

de folhas nos galhos

de um tronco vergado

ao ponto das dores


é o facão vil de um braço firme.


(seu fruto no espaço)

QUADRA DE ENCHENTE

[a chuva

(a chula)

inunda

imunda]

CONSTATAÇÕES MINERAIS

a partir da predação de (sic) Zizi


Da contemplação regular

dos vários bichos coabitantes
no meu lugar-cosmo de nichos

(forros, recantos
telhados, lixos

carros, triciclos
caminhos mistos

e a terra chã
do verde subindo)

tiro basicamente o seguinte
entendimento, por conseguinte

de fatos singularmente animais:

1. cães invejam gatos
porque têm muros caninos;

2. gatos invejam pardais
porque são falcões sem asas;

3. pardais invejam cães
porque a gaiola é dourada.

...

(4. quanto às moscas, aranhas
formigas, caramujos

montão a engolir sapos
de cobras e lagartos

eu passo, ignorante
dos subcujos adiante

na cadeia alimentar)

...

[a todos invejo mais
por vê-los assim a respeito

com respeito outrossim

(ao lhes ser somenos afim
com despeito, ademais)]

DA IDENTIDADE REVELADA

de uma preta gata


No One
From Nowhere

um fantasma no muro
seus dois verdes crepúsculos

lucilando do escuro
algo feixe de músculos

(soubemos outro dia)

quem diria? Por Ísis, Zizi
atendia - em casa vizinha:

- egípcia, quem diria?
Deusa-rainha

fazendo de princesinha
(da Vandecira)

no lado de cá da vida!...

...

[mas eu sabia
(sempre intuíra)

de sua harmonia
a origem divina]