"Não sabemos o que é que faz o calor e a claridade. Não podemos fixar a hora em que o mistério se tornou claro o bastante para se enunciar como um problema. Mas que diferença faz? Quer ela venha do sofrimento, quer venha da alegria, todo homem tem na vida essa hora de luz, a hora em que ele compreende subitamente sua própria mensagem, a hora em que o conhecimento, iluminando a paixão, desvenda ao mesmo tempo as regras e a monotonia do Destino, o momento verdadeiramente sintético em que o malogro decisivo, propiciando a consciência do irracional, se torna ainda assim o sucesso do pensamento. É aí que se situa o diferencial do conhecimento, o fluxo newtoniano que nos permite perceber como o espírito surge da ignorância, a inflexão do gênio humano na curva descrita pelo progresso da vida. A coragem intelectual consiste em manter vivo e ativo esse instante do conhecimento nascente, em fazer dele a fonte inexaurível de nossa intuição e em desenhar, com a história subjetiva de nossos erros e equívocos, o modelo objetivo de uma vida melhor e mais clara."
Gaston Bachelard, A intuição do instante. Tradução de Antonio de Padua Danesi. Campinas: Verus, 2007, pp. 12-13.
quinta-feira, 20 de dezembro de 2007
sexta-feira, 14 de dezembro de 2007
MOVIMENTOS
O branco no chão
encanta o vão
acima;
e qualquer linha
(expectativa acerca
do que seria
a coisa sem cercas)
cercaria
a ida.
A ida, come a vida.
***
Brisa. Ida. A vida
com aquela oblíqua
luz que a tudo abriga
(obriga)
obscurece, à vista
a vinda.
encanta o vão
acima;
e qualquer linha
(expectativa acerca
do que seria
a coisa sem cercas)
cercaria
a ida.
A ida, come a vida.
***
Brisa. Ida. A vida
com aquela oblíqua
luz que a tudo abriga
(obriga)
obscurece, à vista
a vinda.
quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
TORPEDO XVI
... caí num buraco /
escuro /
cheio de saudade /
e tudo /
mas amanhã, saio /
metade /
porque hoje, lasso /
açoite, tarde /
da noite - te aguardo...
06/12/07, às 20:10:01
escuro /
cheio de saudade /
e tudo /
mas amanhã, saio /
metade /
porque hoje, lasso /
açoite, tarde /
da noite - te aguardo...
06/12/07, às 20:10:01
segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
TORPEDO XV
... à tarde /
a mente arde /
tua lembrança: /
a que me lança /
a um lugar /
junto a mar /
em Marte /
(tanta a ânsia
de amar-te...)
05/12/07, às 17:54:22
a mente arde /
tua lembrança: /
a que me lança /
a um lugar /
junto a mar /
em Marte /
(tanta a ânsia
de amar-te...)
05/12/07, às 17:54:22
quarta-feira, 5 de dezembro de 2007
TORPEDOS XVI
... se só medida, a vida /
métrica, pontual /
esférica, gradual /
termina pura disciplina /
torcida /
que desatina, afinal... /
03/12/07, às 20:06:11
***
... agridoce /
destino /
neste teu inverno /
cíclico /
guarde meu terno /
carinho /
até flores /
reabrirem doces /
o caminho...
04/12/07, às 11:11:47
métrica, pontual /
esférica, gradual /
termina pura disciplina /
torcida /
que desatina, afinal... /
03/12/07, às 20:06:11
***
... agridoce /
destino /
neste teu inverno /
cíclico /
guarde meu terno /
carinho /
até flores /
reabrirem doces /
o caminho...
04/12/07, às 11:11:47
segunda-feira, 3 de dezembro de 2007
TORPEDOS XV
O amor, quem sabe /
o que dele há de vir /
além do perfeito experimento /
do idílico tormento /
que nos trouxe até aqui?...
28/11/07, às 15:53:21
***
... a minha boca /
louca /
é uma rosca /
a te girar /
no ar /
girar /
o ar /
girar, girar, girar /
pra te deixar /
sem ar...
28/11/07, às 17:04:39
o que dele há de vir /
além do perfeito experimento /
do idílico tormento /
que nos trouxe até aqui?...
28/11/07, às 15:53:21
***
... a minha boca /
louca /
é uma rosca /
a te girar /
no ar /
girar /
o ar /
girar, girar, girar /
pra te deixar /
sem ar...
28/11/07, às 17:04:39
segunda-feira, 26 de novembro de 2007
SUPERMERCADO
As vistas deste mundo
Entorpecem a retina; e se não fosse
A noite descer rotina
Tal promessa luzidia, eu diria
É aquela que eterniza;
À vista deste mundo
O que bem vem é lucro; e se não fosse
O vaivém rubro de tudo
As marés enluaradas, eu diria
São delírios de convés;
Este mundo, à vista
De graça insignifica; e se não fosse
Parcelada a questão vivida
A resposta encontrada, eu diria
Reforça toda mentira...
Entorpecem a retina; e se não fosse
A noite descer rotina
Tal promessa luzidia, eu diria
É aquela que eterniza;
À vista deste mundo
O que bem vem é lucro; e se não fosse
O vaivém rubro de tudo
As marés enluaradas, eu diria
São delírios de convés;
Este mundo, à vista
De graça insignifica; e se não fosse
Parcelada a questão vivida
A resposta encontrada, eu diria
Reforça toda mentira...
domingo, 25 de novembro de 2007
DA SABEDORIA
Como se soubesse
O que aconteceria
Ao dia - como se teceria
A superfície contida
Movediça, do poderia
Do talvez, do deveria
Das nuanças do quereria:
- Andanças da vontade
que mal sacia, verdade
que mentira, houvesse
uma tarde a escolher
como se poder
saber o que seria
evitasse - o pôr-da-vida...
O que aconteceria
Ao dia - como se teceria
A superfície contida
Movediça, do poderia
Do talvez, do deveria
Das nuanças do quereria:
- Andanças da vontade
que mal sacia, verdade
que mentira, houvesse
uma tarde a escolher
como se poder
saber o que seria
evitasse - o pôr-da-vida...
TORPEDO XIV
... talvez a melancolia /
venha do que se quereria /
se poderia /
deveria /
alternativa à alternativa /
de brilhar o dia...
23/11/07, às 08:18:36
venha do que se quereria /
se poderia /
deveria /
alternativa à alternativa /
de brilhar o dia...
23/11/07, às 08:18:36
sábado, 24 de novembro de 2007
TORPEDO XIII
... meu amor, hoje /
explodiu cores /
meio assim: /
do azul-cedo /
ao tardo-vermelho /
tudo que vi /
foi contínuo carmim...
22/11/07, às 20:29:22
explodiu cores /
meio assim: /
do azul-cedo /
ao tardo-vermelho /
tudo que vi /
foi contínuo carmim...
22/11/07, às 20:29:22
TORPEDOS XIV
... da casa dos teus sonhos /
alegres ou medonhos /
sou vizinho, colorido /
pintor das paredes /
do teu músculo cardíaco...
22/11/07, às 10:46:27
***
... um fragmento /
poeira cósmica /
de que sou feito /
só por ti próxima /
pulsa perfeito...
22/11/07, às 11:07:10
***
São quatro sílabas /
sete letras /
nesta língua alvissareira /
que aproxima e serpenteia: /
e o mistério /
que nos medeia...
22/11/07, às 11:28:25
***
Baby, beijos /
molhados, certeiros /
zelosos carteiros /
do maior dos desejos: /
a perfeita indecência /
talvez de joelhos...
22/11/07, às 20:01:33
alegres ou medonhos /
sou vizinho, colorido /
pintor das paredes /
do teu músculo cardíaco...
22/11/07, às 10:46:27
***
... um fragmento /
poeira cósmica /
de que sou feito /
só por ti próxima /
pulsa perfeito...
22/11/07, às 11:07:10
***
São quatro sílabas /
sete letras /
nesta língua alvissareira /
que aproxima e serpenteia: /
e o mistério /
que nos medeia...
22/11/07, às 11:28:25
***
Baby, beijos /
molhados, certeiros /
zelosos carteiros /
do maior dos desejos: /
a perfeita indecência /
talvez de joelhos...
22/11/07, às 20:01:33
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
SEMPRE A VERDADE
Apesar da volta
Duma umidade remota
Não embaço
A verdade, embora
Saiba torta a possibilidade
De verdades - por trás de portas.
A secura de antes
Desacomodava a vontade
De saber que nada, nada
Entre o pó e a jornada
Seriamente atrapalhava
O bom andamento do que andava.
Apesar desta umidade
De remota idade
Não embaço.
Duma umidade remota
Não embaço
A verdade, embora
Saiba torta a possibilidade
De verdades - por trás de portas.
A secura de antes
Desacomodava a vontade
De saber que nada, nada
Entre o pó e a jornada
Seriamente atrapalhava
O bom andamento do que andava.
Apesar desta umidade
De remota idade
Não embaço.
TORPEDOS XIII
De esquetes, maquetes /
deste sonho concreto /
dum reto Prometeu /
(transtornado Romeu) /
brotam poemeus /
pros olhos teus...
21/11/07, às 10:51:18
***
... sopra um vento /
doce, adentro /
num momento /
presente do tempo: /
teus sussurros /
intramuros /
de cuidados noturnos...
21/11/07, às 21:17:27
***
Das folhas secas /
da memória obesa /
de história /
e certezas /
uma em falta /
não faz falta: /
a vida sem ti /
natimorta...
21/11/07, às 21:58:11
deste sonho concreto /
dum reto Prometeu /
(transtornado Romeu) /
brotam poemeus /
pros olhos teus...
21/11/07, às 10:51:18
***
... sopra um vento /
doce, adentro /
num momento /
presente do tempo: /
teus sussurros /
intramuros /
de cuidados noturnos...
21/11/07, às 21:17:27
***
Das folhas secas /
da memória obesa /
de história /
e certezas /
uma em falta /
não faz falta: /
a vida sem ti /
natimorta...
21/11/07, às 21:58:11
terça-feira, 20 de novembro de 2007
TORPEDO XII
... fim de aula /
e agora /
toda a calma /
intercede /
(quase ascese) /
em teu favor /
meu tão amor...
19/11/07, às 11:13:52
e agora /
toda a calma /
intercede /
(quase ascese) /
em teu favor /
meu tão amor...
19/11/07, às 11:13:52
sábado, 17 de novembro de 2007
TORPEDOS XII
... estou doente de saudade /
não é gripe, é amizade /
um amor compartilhado /
para sempre ter-se ao lado...
13/11/07, às 10:07:02
***
... caindo /
a tarde /
sinto /
(não é tarde) /
que a vontade /
de falar-te /
(minto: /
de beijar-te /
o sorriso) /
me invade...
14/11/07, às 18:00:47
***
... um sono macio /
(de sonho infindo) /
abraça a memória /
da aurora contigo...
16/11/07, às 09:54:12
não é gripe, é amizade /
um amor compartilhado /
para sempre ter-se ao lado...
13/11/07, às 10:07:02
***
... caindo /
a tarde /
sinto /
(não é tarde) /
que a vontade /
de falar-te /
(minto: /
de beijar-te /
o sorriso) /
me invade...
14/11/07, às 18:00:47
***
... um sono macio /
(de sonho infindo) /
abraça a memória /
da aurora contigo...
16/11/07, às 09:54:12
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
TORPEDO XI
Do poente à aurora /
veio, imenso, agora /
cor de triste flor de outrora /
sem o amor da rosa /
sem tua essência cheirosa!...
11/11/07, às 12:50:14
veio, imenso, agora /
cor de triste flor de outrora /
sem o amor da rosa /
sem tua essência cheirosa!...
11/11/07, às 12:50:14
terça-feira, 13 de novembro de 2007
TORPEDOS XI
... e aí, o que fazer /
quando por dentro bater /
o que se quer esquecer /
só por um dia - a ver?...
29/10/07, às 18:21:07
***
... da tarde, a luz clara /
a ti não se compara /
que a tua, perfumada /
rosada inunda a sala!...
31/10/07, às 17:08:03
***
... o céu escurece /
no que resplandece /
(musgo contrastante) /
saudoso, errante...
07/11/07, às 17:01:18
quando por dentro bater /
o que se quer esquecer /
só por um dia - a ver?...
29/10/07, às 18:21:07
***
... da tarde, a luz clara /
a ti não se compara /
que a tua, perfumada /
rosada inunda a sala!...
31/10/07, às 17:08:03
***
... o céu escurece /
no que resplandece /
(musgo contrastante) /
saudoso, errante...
07/11/07, às 17:01:18
segunda-feira, 12 de novembro de 2007
TORPEDO X
... assim, de saudade /
o tempo, alimento /
até o momento /
de tarde, comê-lo...
26/10/07, às 14:39:03
o tempo, alimento /
até o momento /
de tarde, comê-lo...
26/10/07, às 14:39:03
domingo, 11 de novembro de 2007
TORPEDOS X
... por que poemeus /
curtos, longos - todos teus /
se felizes os horóscopos /
penam, pedregosos /
em tão fecundo solo?...
25/10/07, às 10:35:22
***
... cultive doce o teu desejo /
desde cedo, pra mais tarde /
que prometo, sem alarde /
vorazmente atendê-lo...
25/10/07, às 10:52:12
***
... vou te beijar muito, muito /
da luz, ardejar oculto /
logo após o crepúsculo...
25/10/07, às 16:01:58
curtos, longos - todos teus /
se felizes os horóscopos /
penam, pedregosos /
em tão fecundo solo?...
25/10/07, às 10:35:22
***
... cultive doce o teu desejo /
desde cedo, pra mais tarde /
que prometo, sem alarde /
vorazmente atendê-lo...
25/10/07, às 10:52:12
***
... vou te beijar muito, muito /
da luz, ardejar oculto /
logo após o crepúsculo...
25/10/07, às 16:01:58
TORPEDO IX
... na refrega /
que a vida entrega /
de bandeja à vela /
sem serventia /
(imóvel calmaria) /
tua alquimia /
soprar-me-ia...
19/10/07, às 20:21:58
que a vida entrega /
de bandeja à vela /
sem serventia /
(imóvel calmaria) /
tua alquimia /
soprar-me-ia...
19/10/07, às 20:21:58
Novembro
... tempo de correria, de falta de tempo; tempo de torpedos - curtos, condensados de amor imenso e espesso, (tomara que) docemente contundentes. A seguir, uma revoada deles.
segunda-feira, 29 de outubro de 2007
Outra palavra de Riobaldo
"Senhor, sei? O senhor vá pondo seu perceber. A gente vive repetido, o repetido, e, escorregável, num mim minuto, já está empurrado noutro galho. Acertasse eu com o que depois sabendo fiquei, para de lá de tantos assombros... Um está sempre no escuro, só no último derradeiro é que clareiam a sala. Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia."
João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 64.
João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 64.
sábado, 20 de outubro de 2007
Palavra de Riobaldo Tatarana
"Confiança - o senhor sabe - não se tira das coisas feitas ou perfeitas; ela rodeia é o quente da pessoa."
João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 56.
João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 56.
sexta-feira, 19 de outubro de 2007
TORPEDOS IX
... se o tempo, cinza /
arma tempestade /
noutro clima, basta /
amorosidade...
18/10/07, às 16:49:25
***
... torpedos, inda que tardios /
tardos vingarão, enquanto /
de encanto vário travestidos /
livrarem do estio o coração...
18/10/07, às 19:53:20
***
... minutos ganham asas /
e segundos, em brasa /
juntos desaparecem /
(de paixões que adolescem) /
nas cadeiras desta sala...
18/10/07, às 21:34:26
arma tempestade /
noutro clima, basta /
amorosidade...
18/10/07, às 16:49:25
***
... torpedos, inda que tardios /
tardos vingarão, enquanto /
de encanto vário travestidos /
livrarem do estio o coração...
18/10/07, às 19:53:20
***
... minutos ganham asas /
e segundos, em brasa /
juntos desaparecem /
(de paixões que adolescem) /
nas cadeiras desta sala...
18/10/07, às 21:34:26
TORPEDO VIII
... estranha - a distância /
tão breve - inda leve /
mas que arranha - se se mexe /
as entranhas da saudade que não cede...
15/10/07, às 14:52:14
tão breve - inda leve /
mas que arranha - se se mexe /
as entranhas da saudade que não cede...
15/10/07, às 14:52:14
segunda-feira, 15 de outubro de 2007
TORPEDOS VIII
... entre papéis e processos /
te imagino, do avesso /
teu desalinho atento /
(centrado, ordeiro) /
sem tempo de um beijo...
09/10/07, às 11:03:04
***
... logo a noite virá /
abraçada contigo /
se este azul-mar /
desmaiar - apesar /
de lindo...
11/10/07, às 17:32:08
te imagino, do avesso /
teu desalinho atento /
(centrado, ordeiro) /
sem tempo de um beijo...
09/10/07, às 11:03:04
***
... logo a noite virá /
abraçada contigo /
se este azul-mar /
desmaiar - apesar /
de lindo...
11/10/07, às 17:32:08
segunda-feira, 8 de outubro de 2007
TORPEDOS VII
Já que mágico /
o encontro extático /
de torpedo e alvo /
diga-me algo /
do sorriso que não vejo /
por trás desse desejo...
05/10/07, às 08:33:44
***
... como você não responde /
(ocupada sei lá onde) /
destempero aqui insone /
destratando o telefone...
05/10/07, às 09:20:14
***
... mas logo me arrependo /
do mau jeito anterior /
sonhando noutro momento /
merecer o teu favor...
05/10/07, às 09:27:37
o encontro extático /
de torpedo e alvo /
diga-me algo /
do sorriso que não vejo /
por trás desse desejo...
05/10/07, às 08:33:44
***
... como você não responde /
(ocupada sei lá onde) /
destempero aqui insone /
destratando o telefone...
05/10/07, às 09:20:14
***
... mas logo me arrependo /
do mau jeito anterior /
sonhando noutro momento /
merecer o teu favor...
05/10/07, às 09:27:37
sábado, 6 de outubro de 2007
PURGATÓRIO
Há sons
Bem bons
No vasto sertão inaudito
(das aves das serras-do-paraíso)
Entre os ouvidos.
Outros, silencio:
- Porque penados, perdidos
no vão quebrado dos ruídos
(sobre o pescoço rouco
de moucos olhos doídos)
Bem bons
No vasto sertão inaudito
(das aves das serras-do-paraíso)
Entre os ouvidos.
Outros, silencio:
- Porque penados, perdidos
no vão quebrado dos ruídos
(sobre o pescoço rouco
de moucos olhos doídos)
TODO SENTIDO
o sono, é uma almofada
de alfinetes sem dentes
por onde, desafundada
levanto saias de gentes
de alfinetes sem dentes
por onde, desafundada
levanto saias de gentes
TORPEDOS VI
Quando paro /
e dou conta de mim /
o teu abraço /
é o que vem, assim /
o que enlaço /
da memória, enfim...
03/10/07, às 20:11:50
***
Não saem assim /
teus sinais de mim: /
- táteis, olfativas /
palatáveis, auditivas /
as cores deste sonho /
embalam o meu sono...
04/10/07, às 10:41:38
e dou conta de mim /
o teu abraço /
é o que vem, assim /
o que enlaço /
da memória, enfim...
03/10/07, às 20:11:50
***
Não saem assim /
teus sinais de mim: /
- táteis, olfativas /
palatáveis, auditivas /
as cores deste sonho /
embalam o meu sono...
04/10/07, às 10:41:38
quinta-feira, 4 de outubro de 2007
BRAKE
Parou tudo aqui
Por um remanso
(primeiro plano)
Num canto criado mudo:
- Modo de dizer que descanso
hipotético
deslocado
(já precário, cariado
incompleto)
de vez em quando
(anteprojeto)
ali, no mundo...
Por um remanso
(primeiro plano)
Num canto criado mudo:
- Modo de dizer que descanso
hipotético
deslocado
(já precário, cariado
incompleto)
de vez em quando
(anteprojeto)
ali, no mundo...
terça-feira, 2 de outubro de 2007
DA PRIMEIRA CHUVA
O cheiro desprendido
Que rompeu o estio
Quase tardiamente
Foi de sempre - emergido
Mágico, entranha
Básico, estranha
Experiência do incompreendido
Anteprimeiro sentido.
Que rompeu o estio
Quase tardiamente
Foi de sempre - emergido
Mágico, entranha
Básico, estranha
Experiência do incompreendido
Anteprimeiro sentido.
domingo, 30 de setembro de 2007
TORPEDO VII
... amorzinho /
(assim, inho /
porque doce, quando amargo /
e suave, apaixonado)/
sigo um beijo, beijinho /
todo carinho...
às 11:08:23
(assim, inho /
porque doce, quando amargo /
e suave, apaixonado)/
sigo um beijo, beijinho /
todo carinho...
às 11:08:23
sábado, 29 de setembro de 2007
TORPEDO VI
Acordei feliz: /
- impregnado /
absorvido /
saturado /
constituído /
(da mente aos sentidos) /
por tudo que te diz respeito.
às 10:36:10
- impregnado /
absorvido /
saturado /
constituído /
(da mente aos sentidos) /
por tudo que te diz respeito.
às 10:36:10
sexta-feira, 28 de setembro de 2007
TORPEDO V
Este, embora torpedo /
publicá-lo, devo: /
- já que tão contido desejo /
ao ponto de desdizê-lo /
no que revela segredo...
às 13:25:40
publicá-lo, devo: /
- já que tão contido desejo /
ao ponto de desdizê-lo /
no que revela segredo...
às 13:25:40
segunda-feira, 24 de setembro de 2007
TORPEDO III
... o dia passa /
e tal dança - de palavras /
mal descansa /
(vez precária) /
desta saudade - fatigada...
às 11:13:44
e tal dança - de palavras /
mal descansa /
(vez precária) /
desta saudade - fatigada...
às 11:13:44
FÊNIX
Eu estou mudando.
Você está mudando.
E essas mudanças, assim
Informadas uma da outra
Fecundam-se, cuidadosas
Idiossincrasias - uma e outra.
Eu estou (me) aproximando.
Você está (se) aproximando.
E essas aproximações, assim
Mais próximas uma e outra
Contemplam-se, amorosas
Epifanias - uma da outra.
(afinando a sintonia
a seguir tentativa)
Você está mudando.
E essas mudanças, assim
Informadas uma da outra
Fecundam-se, cuidadosas
Idiossincrasias - uma e outra.
Eu estou (me) aproximando.
Você está (se) aproximando.
E essas aproximações, assim
Mais próximas uma e outra
Contemplam-se, amorosas
Epifanias - uma da outra.
(afinando a sintonia
a seguir tentativa)
quarta-feira, 19 de setembro de 2007
AFTER (JUST) LOVE
... súbita, numa alegre radiância
derramada dos teus olhos, nos teus lábios instantânea
disparavas
metralhada
uma risada
de si cheia, sereia, quase gargalhada
do fundo da garganta duma satisfação plena...
e sereno, esse riso
- gozo duplicado, replicado, repetido -
todo me abria, num átimo, em abismo
por onde subiam os grotões do paraíso.
***
(e agora, como vivo
com teu eco infinito?
essa música, toda tua
que sentidos capitula
recativando o ouvido?...)
terça-feira, 18 de setembro de 2007
Porque sou tão teu mistério
"Julieta: Romeu! Romeu! Por que você é Romeu? Negue seu pai e renuncie ao nome; se não quiser, basta jurar-me amor, e eu deixarei de ser a Capuleto.
Romeu (à parte): Devo ouvir mais ou devo responder?
Julieta: O que é um Montéquio? Não é mão, nem pé, ou braço, ou rosto, ou qualquer outra parte de um homem: seja outro nome! Nome? O que há num nome? O que chamamos rosa não cheiraria tão doce em outro nome? Assim, Romeu, se fosse um não-Romeu, não perderia a querida perfeição sem o seu nome. Jogue fora o seu Montéquio, fique comigo, inteirinha!
Romeu: Peguei você na palavra! Eu não fui batizado, meu nome é Amor, não sei quem é Romeu.
Julieta: Que homem é você, na noite oculto, que assim penetra em meu segredo?"
William Shakespeare, "Romeu e Julieta". Em Retrato do amor quando jovem: Dante, Shakespeare, Sheridan, Goethe. Projeto e tradução de Décio Pignatari. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 142-143.
Romeu (à parte): Devo ouvir mais ou devo responder?
Julieta: O que é um Montéquio? Não é mão, nem pé, ou braço, ou rosto, ou qualquer outra parte de um homem: seja outro nome! Nome? O que há num nome? O que chamamos rosa não cheiraria tão doce em outro nome? Assim, Romeu, se fosse um não-Romeu, não perderia a querida perfeição sem o seu nome. Jogue fora o seu Montéquio, fique comigo, inteirinha!
Romeu: Peguei você na palavra! Eu não fui batizado, meu nome é Amor, não sei quem é Romeu.
Julieta: Que homem é você, na noite oculto, que assim penetra em meu segredo?"
William Shakespeare, "Romeu e Julieta". Em Retrato do amor quando jovem: Dante, Shakespeare, Sheridan, Goethe. Projeto e tradução de Décio Pignatari. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 142-143.
segunda-feira, 17 de setembro de 2007
TAQUICARDIA
Se andarmos apartados
Tropeçando encrespados
Paralelos pelas vias
Incluídas nos tratados
Que firmamos nos cansaços
Da estrada que trilhamos
Andemos! Soframos! E se pararmos
(num intervalo solar desses
desse tamanho descaso com as estrelas)
E pensarmos (ao menos) em mudar
Duas feridas (a menos) de lugar
Que possamos
Manter atados
Teus reclamos
A meus atalhos
(na saúde da doença
da alegria na tristeza)
Até que aprendamos
A amar nos desencontros
O mistério que nós somos
Quando entre(nos)cruzamos...
Tropeçando encrespados
Paralelos pelas vias
Incluídas nos tratados
Que firmamos nos cansaços
Da estrada que trilhamos
Andemos! Soframos! E se pararmos
(num intervalo solar desses
desse tamanho descaso com as estrelas)
E pensarmos (ao menos) em mudar
Duas feridas (a menos) de lugar
Que possamos
Manter atados
Teus reclamos
A meus atalhos
(na saúde da doença
da alegria na tristeza)
Até que aprendamos
A amar nos desencontros
O mistério que nós somos
Quando entre(nos)cruzamos...
domingo, 16 de setembro de 2007
Sobre precisar e (não) bestializar
"O sonho é muito importante, sem ele a gente não sai do canto. Todo ser humano precisa de um pouco de loucura, ou cai na rotina. Fernando Pessoa já dizia: 'sem a loucura, o que é o homem? Uma besta sadia.'"
Ariano Suassuna, XIII Bienal do Livro do Rio de Janeiro, sexta-feira última.
Ariano Suassuna, XIII Bienal do Livro do Rio de Janeiro, sexta-feira última.
SONHO DE DOMINGO
Hoje, se acordado
Doce e vago, ao teu lado
Vigília ou preguiça - tanto faria
Se claro dia, ou nublado
Se cedo ou tarde, da noitinha
Cansado, bem mal-dormida
(entre amores cultivados)
Se - do tempo e do espaço
Recentes de deuses de passado
Decente, num hiato celestial
Eu pudesse ter contado
Afinal com a luz, a paz matinal
Do teu sorriso - meu branco mundo estival...
Doce e vago, ao teu lado
Vigília ou preguiça - tanto faria
Se claro dia, ou nublado
Se cedo ou tarde, da noitinha
Cansado, bem mal-dormida
(entre amores cultivados)
Se - do tempo e do espaço
Recentes de deuses de passado
Decente, num hiato celestial
Eu pudesse ter contado
Afinal com a luz, a paz matinal
Do teu sorriso - meu branco mundo estival...
sábado, 15 de setembro de 2007
PARA (MELHOR) ATRAVESSARES A MADRUGADA
poema ruim, mas necessário
Quando medo e presunção
Travestidos de razão
Ameaçarem tua paixão
(pela vida
que jurei, faria
valer a pena ser vivida)
Ao encontrarem-se no portão
Da noite que só atraiçoa os enganos
Confortáveis - aos quais nos apegamos
Tristes e covardes
[noite contrária
à luta fútil - e diária
sob luz opaca, que brilha
(inútil turmalina)
sobre a fina simplística de uma lógica
ofuscada porque temerosa (por nada...)],
Lembre-se de um abraço
Morno e lasso, estreito e largo - sempre ao alcance
Dos teus braços - num relance
Permanente, por tudo confiante
Noutras horas iguais
De pouco tempo atrás...
Quando medo e presunção
Travestidos de razão
Ameaçarem tua paixão
(pela vida
que jurei, faria
valer a pena ser vivida)
Ao encontrarem-se no portão
Da noite que só atraiçoa os enganos
Confortáveis - aos quais nos apegamos
Tristes e covardes
[noite contrária
à luta fútil - e diária
sob luz opaca, que brilha
(inútil turmalina)
sobre a fina simplística de uma lógica
ofuscada porque temerosa (por nada...)],
Lembre-se de um abraço
Morno e lasso, estreito e largo - sempre ao alcance
Dos teus braços - num relance
Permanente, por tudo confiante
Noutras horas iguais
De pouco tempo atrás...
sexta-feira, 14 de setembro de 2007
quinta-feira, 13 de setembro de 2007
VIDA ANIMAL
Neste tormento seco, poeirento
Sem risco real, que se apresente
A contento, migração anual
Não há (vê-se), ascendente
Aparentemente um movimento
Que do centro se sustente.
Por onde venham, retraídas
E floresçam, compreendidas
Palavras sem gravidade.
Onde ensejos, ou vontades
Que destravem felicidades
Não passem necessidade.
Por uma pista, uma saída
(trilha, passarela, escadaria)
Um louva-deus que sobreviva
A este clima...
(porque discreto, teu mal-estar
devora-me, exatamente
ao descasalar...)
Sem risco real, que se apresente
A contento, migração anual
Não há (vê-se), ascendente
Aparentemente um movimento
Que do centro se sustente.
Por onde venham, retraídas
E floresçam, compreendidas
Palavras sem gravidade.
Onde ensejos, ou vontades
Que destravem felicidades
Não passem necessidade.
Por uma pista, uma saída
(trilha, passarela, escadaria)
Um louva-deus que sobreviva
A este clima...
(porque discreto, teu mal-estar
devora-me, exatamente
ao descasalar...)
terça-feira, 11 de setembro de 2007
BREU REFLEXO
Há muita luz em todo lugar.
Luz a mais, demais
Pra quem quer enxergar.
[como na noite sem lua
(sem hora pra terminar)
escura, escura, escura
(que perfura todo lugar)]
Luz a mais, demais
Pra quem quer enxergar.
[como na noite sem lua
(sem hora pra terminar)
escura, escura, escura
(que perfura todo lugar)]
domingo, 9 de setembro de 2007
SOB O SOL QUE ME ABRIGA
Os demônios que me fitam
(dos ipês que amarelam)
Fritam sob o sol
(meu cáustico amigo)
Do Planalto Central.
O céu que me abriga
Acolhe a caminhada
Noite e dia; e de madrugada
(a lua dourada)
Amarela as flores das sacadas...
(o que me lembra, quando perdido
da seca certeza que me amolda
carcaça, cachola e espírito:
- eu não desisto do que sinto)
(dos ipês que amarelam)
Fritam sob o sol
(meu cáustico amigo)
Do Planalto Central.
O céu que me abriga
Acolhe a caminhada
Noite e dia; e de madrugada
(a lua dourada)
Amarela as flores das sacadas...
(o que me lembra, quando perdido
da seca certeza que me amolda
carcaça, cachola e espírito:
- eu não desisto do que sinto)
sábado, 8 de setembro de 2007
VISITA
A luz do sol que entra
Beija-me suave o rosto à direita
Numa carícia morna e doce, a trazer-me
Um sopro de ti até aqui
[ao que sigo pensando
e penso sentindo (muito)
à flor de mim...]
Beija-me suave o rosto à direita
Numa carícia morna e doce, a trazer-me
Um sopro de ti até aqui
[ao que sigo pensando
e penso sentindo (muito)
à flor de mim...]
sexta-feira, 7 de setembro de 2007
DA RECUSA A VIVER MORTO (DE RAZÃO)
Às vezes - muito menos que devia
Que poderia - raramente tendo em vista
Os reveses pela vida
Estou quieto - descansando
Numa fímbria - uma brisa
À sombra do cotidiano
Por um momento - num trecho
Quase plano
Da lida comigo mesmo.
Nesse descanso de momento
Quase plano, eu repenso - dispenso
Pensar inteiro o intenso - viciado
Em réguas e compassos deformados;
Fico esquecido das quadrilhas
Das arruaças demoníacas
Em piso cartesiano;
De assembléias e intrigas
Nas praças e esquinas
Do covil do crânio;
E das ações, maquinações
Que a razão urde e resfria
E amiúde ardente, justifica...
***
(neste trecho-argila em pó
com sorte - demasiado humano
por um momento forte - arcano
eu só te amo:
- tão pleno
e perfeito
o quanto...)
Que poderia - raramente tendo em vista
Os reveses pela vida
Estou quieto - descansando
Numa fímbria - uma brisa
À sombra do cotidiano
Por um momento - num trecho
Quase plano
Da lida comigo mesmo.
Nesse descanso de momento
Quase plano, eu repenso - dispenso
Pensar inteiro o intenso - viciado
Em réguas e compassos deformados;
Fico esquecido das quadrilhas
Das arruaças demoníacas
Em piso cartesiano;
De assembléias e intrigas
Nas praças e esquinas
Do covil do crânio;
E das ações, maquinações
Que a razão urde e resfria
E amiúde ardente, justifica...
***
(neste trecho-argila em pó
com sorte - demasiado humano
por um momento forte - arcano
eu só te amo:
- tão pleno
e perfeito
o quanto...)
quarta-feira, 5 de setembro de 2007
SOMA ZERO
Nada significa nada.
Não importa o que se faça
Estoura - e afoga-se - manada.
(numa linguagem que você entende:
- qual a demanda
se o que se oferta
é inversamente?)
Não importa o que se faça
Estoura - e afoga-se - manada.
(numa linguagem que você entende:
- qual a demanda
se o que se oferta
é inversamente?)
domingo, 2 de setembro de 2007
A NATUREZA DA DOR
Entre o presente emparedado
E o espaço além de alargado
Entre acima o azul curvado
E o fino cinzeiro abaixo
Entre o claro dia, absolutamente claro
(e belo, e bom, e justo - à frente e ao lado)
E a noite sem lua interior
Ressinto.
(e quase lamento
estar tão vivo)
E o espaço além de alargado
Entre acima o azul curvado
E o fino cinzeiro abaixo
Entre o claro dia, absolutamente claro
(e belo, e bom, e justo - à frente e ao lado)
E a noite sem lua interior
Ressinto.
(e quase lamento
estar tão vivo)
sábado, 1 de setembro de 2007
MONITORAMENTO
De mim, eu mesmo
Hei de ser experimento
(tubo, ácido, sujeito
a um astuto objeto)
No tocante ao descenso
Ao dantesco inferno, à meia-luz
(sem tácito despertar / o interno desespero)
Deste quase consolo poético:
- Dos contornos etéreos
de um horizonte fatigado
que malgrado se reduz
à parede de um quarto
de sonhos aéreos, pintado
azul e claro, o fundo amarelo
descascado severo, e repintado
quando verde assim o quero...
(porque de mim mesmo
fênix renasço, do ocaso
sempre experimento)
Hei de ser experimento
(tubo, ácido, sujeito
a um astuto objeto)
No tocante ao descenso
Ao dantesco inferno, à meia-luz
(sem tácito despertar / o interno desespero)
Deste quase consolo poético:
- Dos contornos etéreos
de um horizonte fatigado
que malgrado se reduz
à parede de um quarto
de sonhos aéreos, pintado
azul e claro, o fundo amarelo
descascado severo, e repintado
quando verde assim o quero...
(porque de mim mesmo
fênix renasço, do ocaso
sempre experimento)
quarta-feira, 29 de agosto de 2007
TORPEDOS V
... poemas, disseste /
escrevo de estrelas, a oeste /
de ti, quando leito /
deito-te a leste...
27/08/07, às 19:10:23
***
Meus dedos ardem, secos /
avessos sentimentos /
se anseiam, exilados /
teus cabelos perfumados /
do desejo de meus pêlos...
28/08/07, às 11:07:03
***
... não demoro, juro /
neste vôo noturno /
quieto e fecundo...
28/08/07, às 20:05:06
escrevo de estrelas, a oeste /
de ti, quando leito /
deito-te a leste...
27/08/07, às 19:10:23
***
Meus dedos ardem, secos /
avessos sentimentos /
se anseiam, exilados /
teus cabelos perfumados /
do desejo de meus pêlos...
28/08/07, às 11:07:03
***
... não demoro, juro /
neste vôo noturno /
quieto e fecundo...
28/08/07, às 20:05:06
sexta-feira, 24 de agosto de 2007
TORPEDOS IV
A lembrança do brilho /
de teus olhos lindos /
acompanha o estio /
tecido de tua ausência: /
- ciência da seca /
que desfio...
23/08/07, às 20:59:41
***
... o ocaso da distância /
é o ocaso da ânsia /
de te viver /
(sem tardança /
de muito querer...)
23/08/07, às 21:31:51
***
... já vai, neste dia /
boa parte da travessia /
à outra margem, a metade /
mais minha desta vida...
às 14:29:03
de teus olhos lindos /
acompanha o estio /
tecido de tua ausência: /
- ciência da seca /
que desfio...
23/08/07, às 20:59:41
***
... o ocaso da distância /
é o ocaso da ânsia /
de te viver /
(sem tardança /
de muito querer...)
23/08/07, às 21:31:51
***
... já vai, neste dia /
boa parte da travessia /
à outra margem, a metade /
mais minha desta vida...
às 14:29:03
quarta-feira, 22 de agosto de 2007
TORPEDO II
... as horas correm ligeiras /
quando encantado, desperto /
das tuas graças perfeitas /
meu sonho de amor eterno...
às 11:08:02
quando encantado, desperto /
das tuas graças perfeitas /
meu sonho de amor eterno...
às 11:08:02
quinta-feira, 16 de agosto de 2007
TORPEDOS III
... mais beijos /
que desejo alheios /
à tortura alegre que percebo /
brotar ausente do tempo /
ágil dos teus dedos...
às 14:20:52
***
... o desespero /
do desejo /
com que te amo /
é o sôfrego /
doido manso /
deste asilo /
céu florido /
que te recanto...
às 14:42:01
que desejo alheios /
à tortura alegre que percebo /
brotar ausente do tempo /
ágil dos teus dedos...
às 14:20:52
***
... o desespero /
do desejo /
com que te amo /
é o sôfrego /
doido manso /
deste asilo /
céu florido /
que te recanto...
às 14:42:01
sexta-feira, 10 de agosto de 2007
O AVESSO
Instaurou-se, anunciado
(indevidamente previsto
desmedido e calculado)
O pesadelo.
Contudo, dele me afasto
(pelo que me aguardo
do que segue ao fardo)
O necessário.
(indevidamente previsto
desmedido e calculado)
O pesadelo.
Contudo, dele me afasto
(pelo que me aguardo
do que segue ao fardo)
O necessário.
quarta-feira, 8 de agosto de 2007
TORPEDOS II
... meu momento /
de silêncio /
é teu tempo /
(adensamento) /
por dentro...
07/08/07, às 09:33:51
***
Como assim pedaços /
sensíveis ao olfato /
(por ti perfumado) /
soltas ao acaso /
quando aqui sofro /
agruras do trabalho?...
07/08/07, às 17:53:18
de silêncio /
é teu tempo /
(adensamento) /
por dentro...
07/08/07, às 09:33:51
***
Como assim pedaços /
sensíveis ao olfato /
(por ti perfumado) /
soltas ao acaso /
quando aqui sofro /
agruras do trabalho?...
07/08/07, às 17:53:18
segunda-feira, 6 de agosto de 2007
TORPEDO
... às vezes, a saudade que bem sinto /
o bom senso atropela, o equilíbrio /
e me deixa o coração em desatino /
a errar mil vezes o caminho...
às 20:59:52
o bom senso atropela, o equilíbrio /
e me deixa o coração em desatino /
a errar mil vezes o caminho...
às 20:59:52
UM AMIGO
O que mais fundo sinto
Que vem do fundo do abismo
Que habito - mas sempre desabituo
De conviver comigo
É como se fosse parente
Ausente de presentes tecidos
Cotidianamente - repetidos
E rotineiramente revistos;
Mas que me abraça, terno
Com todos seus finos espinhos
Rubros cosendo perfurações
Dos botões de que me visto:
- Um velho camareiro, discreto
com segredos de toucador...
Que vem do fundo do abismo
Que habito - mas sempre desabituo
De conviver comigo
É como se fosse parente
Ausente de presentes tecidos
Cotidianamente - repetidos
E rotineiramente revistos;
Mas que me abraça, terno
Com todos seus finos espinhos
Rubros cosendo perfurações
Dos botões de que me visto:
- Um velho camareiro, discreto
com segredos de toucador...
sábado, 4 de agosto de 2007
DESCUIDO
Um segundo, é o bastante
Um instante surdo, lancinante
Para que desmorone
(num minuto insone)
O importante;
Para que o castelo de cartas
(desamassadas, relidas)
Das escadarias douradas
Até a divina morada (tardia)
Desabe - numa jogada.
[Deliberada ou distraída, não esqueçamos:
o mal opera nos interstícios da atenção.]
Um instante surdo, lancinante
Para que desmorone
(num minuto insone)
O importante;
Para que o castelo de cartas
(desamassadas, relidas)
Das escadarias douradas
Até a divina morada (tardia)
Desabe - numa jogada.
[Deliberada ou distraída, não esqueçamos:
o mal opera nos interstícios da atenção.]
TORPEDOS
Ouço o tempo algoz /
De ausência da tua voz /
Esvair-se dia /
Pela noite que aproxima...
20/06/07, às 16:41:24
***
... entre as coxas /
quentes /
que repousas /
rente /
àquele que (te) deseja /
tenazmente...
20/06/07, às 16:58:33
***
A manhã em flor /
Não rompeu ainda /
Mas a rubra iminência /
De tua doce presença /
Já perfuma o dia...
15/07/07, às 05:25:26
De ausência da tua voz /
Esvair-se dia /
Pela noite que aproxima...
20/06/07, às 16:41:24
***
... entre as coxas /
quentes /
que repousas /
rente /
àquele que (te) deseja /
tenazmente...
20/06/07, às 16:58:33
***
A manhã em flor /
Não rompeu ainda /
Mas a rubra iminência /
De tua doce presença /
Já perfuma o dia...
15/07/07, às 05:25:26
quarta-feira, 1 de agosto de 2007
REFLUXO
Certos afetos
(por sentimentos obsoletos)
Têm momentos (tetos)
De reta obediência absoluta
(sem luta)
À gravidade de fatos
Escassos de esperança
(rasos sem tardança):
- Dessa mecânica celestial
[ao fim da qual, em geral
não é tão má, nem (a mim) igual
a consciência da normalidade
como orgânica finalidade]
o que me cola ao chão
é menos daí
que daqui então...
(por sentimentos obsoletos)
Têm momentos (tetos)
De reta obediência absoluta
(sem luta)
À gravidade de fatos
Escassos de esperança
(rasos sem tardança):
- Dessa mecânica celestial
[ao fim da qual, em geral
não é tão má, nem (a mim) igual
a consciência da normalidade
como orgânica finalidade]
o que me cola ao chão
é menos daí
que daqui então...
quinta-feira, 26 de julho de 2007
"E a noite iluminava a noite"
o sol reflexo em Roland Barthes
"NOITE. Todo estado que suscita no sujeito a metáfora da obscuridade (afetiva, intelectiva, existencial) na qual ele se debate ou se apazigua.
1. Vivencio sucessivamente duas noites, uma boa, outra ruim. Sirvo-me, para dizê-lo, de uma distinção mística: estar a oscuras (estar às escuras) pode acontecer, sem que haja carência, porque estou privado da luz das causas e dos fins; estar en tinieblas (estar nas trevas) acontece-me quando sou cegado pelo apego às coisas e pela desordem que daí provém.
Na maior parte das vezes, estou na obscuridade mesma do meu desejo; não sei o que ele quer, o próprio bem é para mim um mal, tudo ecoa, vivo numa roda-viva: estoy en tinieblas. Mas, às vezes, também, é uma outra Noite: sozinho, em posição de meditação (é talvez um papel que me atribuo?), penso no outro calmamente, tal como é; suspendo toda interpretação; entro na noite do sem sentido; o desejo continua a vibrar (a obscuridade é transluminosa), mas não quero apoderar-me de nada; é a Noite do não-lucro, do dispêndio sutil, invisível: estoy a oscuras: estou ali, sentado simplesmente e pacificamente no interior negro do amor.
2. A segunda noite envolve a primeira, o Obscuro ilumina a Treva: 'E a noite estava obscura e iluminava a noite.' [S. João da Cruz] Não procuro sair do impasse amoroso pela Decisão, pelo Domínio, pela Separação, pela Oblação, etc., em suma, pelo gesto. Apenas substituo uma noite pela outra. 'Obscurecer esta obscuridade, eis a porta de toda maravilha.' [Tao Te King]"
Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 259-260.
"NOITE. Todo estado que suscita no sujeito a metáfora da obscuridade (afetiva, intelectiva, existencial) na qual ele se debate ou se apazigua.
1. Vivencio sucessivamente duas noites, uma boa, outra ruim. Sirvo-me, para dizê-lo, de uma distinção mística: estar a oscuras (estar às escuras) pode acontecer, sem que haja carência, porque estou privado da luz das causas e dos fins; estar en tinieblas (estar nas trevas) acontece-me quando sou cegado pelo apego às coisas e pela desordem que daí provém.
Na maior parte das vezes, estou na obscuridade mesma do meu desejo; não sei o que ele quer, o próprio bem é para mim um mal, tudo ecoa, vivo numa roda-viva: estoy en tinieblas. Mas, às vezes, também, é uma outra Noite: sozinho, em posição de meditação (é talvez um papel que me atribuo?), penso no outro calmamente, tal como é; suspendo toda interpretação; entro na noite do sem sentido; o desejo continua a vibrar (a obscuridade é transluminosa), mas não quero apoderar-me de nada; é a Noite do não-lucro, do dispêndio sutil, invisível: estoy a oscuras: estou ali, sentado simplesmente e pacificamente no interior negro do amor.
2. A segunda noite envolve a primeira, o Obscuro ilumina a Treva: 'E a noite estava obscura e iluminava a noite.' [S. João da Cruz] Não procuro sair do impasse amoroso pela Decisão, pelo Domínio, pela Separação, pela Oblação, etc., em suma, pelo gesto. Apenas substituo uma noite pela outra. 'Obscurecer esta obscuridade, eis a porta de toda maravilha.' [Tao Te King]"
Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 259-260.
quarta-feira, 25 de julho de 2007
NA PORTA DA GELADEIRA
Não, não posso
Me esquecer
Do cotidiano
Te escrever
Seqüências de sílabas
Apropriadas - palavrinhas
Bem-medidas, sentenças
(máximas entre mínimas)
Que aliviem as rotinas
Ditas ácidas, corrosivas
Íntimas dos cotovelos;
Rosários de continhas
Bombons, balinhas - enlevos
Que adociquem dias inteiros
(se nublados os cinzeiros
de mal-viver passageiro...)
Me esquecer
Do cotidiano
Te escrever
Seqüências de sílabas
Apropriadas - palavrinhas
Bem-medidas, sentenças
(máximas entre mínimas)
Que aliviem as rotinas
Ditas ácidas, corrosivas
Íntimas dos cotovelos;
Rosários de continhas
Bombons, balinhas - enlevos
Que adociquem dias inteiros
(se nublados os cinzeiros
de mal-viver passageiro...)
quarta-feira, 18 de julho de 2007
segunda-feira, 16 de julho de 2007
QUATRO CONSTATAÇÕES E UM PEDIDO
Será sempre assim:
- Você principiando nãos
eu finalizando sins.
***
Será sempre um cabo-de-guerra:
- Você me puxando pra vida
eu te descansando dela.
***
Baby, tenho uma cartola
De prosa em poesia:
- Dela, tudo jorra
(mas é você quem tira).
***
Será sempre assim:
- Do crepúsculo à aurora
eu te matando um leão
(por hora).
***
Baby não, não vá embora:
- Se for, não me carregue
o coração na sacola.
- Você principiando nãos
eu finalizando sins.
***
Será sempre um cabo-de-guerra:
- Você me puxando pra vida
eu te descansando dela.
***
Baby, tenho uma cartola
De prosa em poesia:
- Dela, tudo jorra
(mas é você quem tira).
***
Será sempre assim:
- Do crepúsculo à aurora
eu te matando um leão
(por hora).
***
Baby não, não vá embora:
- Se for, não me carregue
o coração na sacola.
sábado, 14 de julho de 2007
AMANHÃ CEDO
Anoiteceu - finalmente
Aconteceu - do dia derradeiro
Desmaiar - do meu cansaço
De Romeu - a esperar
A hora - o momento
De renovar - a tempo
(de respirar)
O desejo
(íntegro, primeiro)
(na aurora
deste desdobramento)
De ver você chegar.
Aconteceu - do dia derradeiro
Desmaiar - do meu cansaço
De Romeu - a esperar
A hora - o momento
De renovar - a tempo
(de respirar)
O desejo
(íntegro, primeiro)
(na aurora
deste desdobramento)
De ver você chegar.
À TUA ESPERA
Blocos de granito
Como leves guizos: o presente
Comprimido em segundos
Parecem minutos
(horas a fio
no fundo do rio)
Em câmara lenta; a vida
(modorrenta alegria)
Ainda vale a pena
Mesmo agonia:
- Antes antever-te
verde na doceria
que tardiamente
feita noutro dia...
Como leves guizos: o presente
Comprimido em segundos
Parecem minutos
(horas a fio
no fundo do rio)
Em câmara lenta; a vida
(modorrenta alegria)
Ainda vale a pena
Mesmo agonia:
- Antes antever-te
verde na doceria
que tardiamente
feita noutro dia...
sexta-feira, 13 de julho de 2007
quinta-feira, 12 de julho de 2007
JUSTO ANTES DA AURORA
Acordei (às cinco)
Dum sono sem sonho:
- Pesado e confuso, contudo
desperto ágil o segundo;
Opaco, súbito o sinto
Intransponível aquela ponte
Para além da velha fonte
Desta escuridão invencível;
Não importa saber que avança
A madrugada na lenta dança
Granítica de minha ânsia:
- O tempo não anda, contradiz
a esperança de quanto mais dia
aponta (e alivia), menos significa...
Dum sono sem sonho:
- Pesado e confuso, contudo
desperto ágil o segundo;
Opaco, súbito o sinto
Intransponível aquela ponte
Para além da velha fonte
Desta escuridão invencível;
Não importa saber que avança
A madrugada na lenta dança
Granítica de minha ânsia:
- O tempo não anda, contradiz
a esperança de quanto mais dia
aponta (e alivia), menos significa...
domingo, 8 de julho de 2007
ANGRA
A capela, branca
(hermeticamente fechada)
Aninhada à sombra d'água
(vista da estrada)
Vela, delicada
A sagrada fissão das partículas
Em partículas menores, pequeninas
Melhores se menores ainda
Miudinhas
Mínimas
Ínfimas
Não fossem íntimas
Da criação divina - a maior energia
(menores que piores
a depender da perspectiva)
(hermeticamente fechada)
Aninhada à sombra d'água
(vista da estrada)
Vela, delicada
A sagrada fissão das partículas
Em partículas menores, pequeninas
Melhores se menores ainda
Miudinhas
Mínimas
Ínfimas
Não fossem íntimas
Da criação divina - a maior energia
(menores que piores
a depender da perspectiva)
sábado, 7 de julho de 2007
RECADO DISTRAÍDO
Amorzinho ido
(se mais distante
impossível suportar):
- Cê tá demorando
e eu esperando
de tanto suspirar
e de tanto suspirar
enfim descanso
de costas para o mar
e de costas para o mar
sonho Paris, com a França
com Cascais, Lisboa e Viana
e a Cintra de Eça
[com Brasília, que é minha
(que era), sonho mais ainda]
conosco em vigília
dupla ilha a estibordo
doutro ido lugar...
(se mais distante
impossível suportar):
- Cê tá demorando
e eu esperando
de tanto suspirar
e de tanto suspirar
enfim descanso
de costas para o mar
e de costas para o mar
sonho Paris, com a França
com Cascais, Lisboa e Viana
e a Cintra de Eça
[com Brasília, que é minha
(que era), sonho mais ainda]
conosco em vigília
dupla ilha a estibordo
doutro ido lugar...
PARATY IV
O fim-de-semana
Sacana, te entope as veias
Cavando fundo as areias
De tuas ruas perfeitas;
Nada bucólica, portanto
A Paraty outrora agora
Tão cheia de gentes
Vazando afluentes
[seu rio apodrecido
naturalmente conta
(com certa pompa)
este presente ido]
Sacana, te entope as veias
Cavando fundo as areias
De tuas ruas perfeitas;
Nada bucólica, portanto
A Paraty outrora agora
Tão cheia de gentes
Vazando afluentes
[seu rio apodrecido
naturalmente conta
(com certa pompa)
este presente ido]
TRINDADE
Pinças verdes
De mata, cinzas
De pedra, fechadas
Num braço de mar
Decepado da água;
Pseudopraia abraçada
Sem aconchego, fria
Enseada; mórbido
Desejo de baixo nevoeiro
Por entre as pinças
Deste enorme caranguejo...
De mata, cinzas
De pedra, fechadas
Num braço de mar
Decepado da água;
Pseudopraia abraçada
Sem aconchego, fria
Enseada; mórbido
Desejo de baixo nevoeiro
Por entre as pinças
Deste enorme caranguejo...
sexta-feira, 6 de julho de 2007
PARATY III
Nada demais:
- Tua ausência repetida, conhecida
já destas pedras, certamente
que amarias;
Ademais, nada que escrever
Terá muito a ver com olhos
Bem-postos aqui:
- Sem ti
pouco há Paraty.
- Tua ausência repetida, conhecida
já destas pedras, certamente
que amarias;
Ademais, nada que escrever
Terá muito a ver com olhos
Bem-postos aqui:
- Sem ti
pouco há Paraty.
PARATY II
Paraty morreu
De morte antiga:
- Pacata, perdeu-se
reveses atrás;
Ressuscitou, um dia
Museum
Empalhada vila
(diferente de Goyaz
que respira ainda)
De morte antiga:
- Pacata, perdeu-se
reveses atrás;
Ressuscitou, um dia
Museum
Empalhada vila
(diferente de Goyaz
que respira ainda)
quinta-feira, 5 de julho de 2007
TRÊS DE JULHO
Hoje, a saudade
Virou-se, tempestade
Seca, arenosa, traiçoeira
Vendetta - da tua ausência.
Virou-se, tempestade
Seca, arenosa, traiçoeira
Vendetta - da tua ausência.
PARATY
Retas, simétricas
Perpendiculares
(particulares)
As pedras de Paraty;
Ruas sem curvas
Salgadas, a areia turva
Lavada do mar-mangue
Que cristaliza, exangue
A vila dos parasitas;
Estranha, pequena e larga Paraty
Exata: nada das tortuosas vias
Que fiz de Goyaz, lá em cima...
Perpendiculares
(particulares)
As pedras de Paraty;
Ruas sem curvas
Salgadas, a areia turva
Lavada do mar-mangue
Que cristaliza, exangue
A vila dos parasitas;
Estranha, pequena e larga Paraty
Exata: nada das tortuosas vias
Que fiz de Goyaz, lá em cima...
terça-feira, 3 de julho de 2007
FÉ CIRÚRGICA NA RODA DA FORTUNA
Confio no amor
No seu operar interior
(retórica das vísceras)
Acredito poder o amor
Operar o tempo a seu favor
(glória das orquídeas)
Sinto de fato o amor
Operar o pensamento sem dor
(estória das primícias)
E quando acontece do amor
Operar no espaço exterior
(vitória das valquírias)
Saiba que não é doce
Nem amargo
Nem estreito
Nem largo
O percorrido a percorrer:
- Apenas filme já visto
por outro viver.
No seu operar interior
(retórica das vísceras)
Acredito poder o amor
Operar o tempo a seu favor
(glória das orquídeas)
Sinto de fato o amor
Operar o pensamento sem dor
(estória das primícias)
E quando acontece do amor
Operar no espaço exterior
(vitória das valquírias)
Saiba que não é doce
Nem amargo
Nem estreito
Nem largo
O percorrido a percorrer:
- Apenas filme já visto
por outro viver.
MÃE
Tuas coisas
Quase barrocas, e solenes
Católicas, apostólicas
Humanas
São remotas, primogênitas
Do amor mais antigo
Da alma deste filho
(teu só menino)
Tão próximo, e longínquo
Dúbio sentimento:
- Quente, frio
alheio, marinheiro
pinheiro andarilho
sempre contigo...
Quase barrocas, e solenes
Católicas, apostólicas
Humanas
São remotas, primogênitas
Do amor mais antigo
Da alma deste filho
(teu só menino)
Tão próximo, e longínquo
Dúbio sentimento:
- Quente, frio
alheio, marinheiro
pinheiro andarilho
sempre contigo...
segunda-feira, 2 de julho de 2007
RODOVIÁRIA
As gentes desta encruzilhada
Queimada, engordurada
De esperas angustiadas
(de chegadas indiferentes)
Não aguardam como antes
(pacientes, deselegantes)
Pelo momento em seguida
Suspenso dessa lida:
- Antes passam, navegantes
por sobre rodas-gigantes
até a próxima parada
(paraíso distante
uma polegada
de mapa)
Queimada, engordurada
De esperas angustiadas
(de chegadas indiferentes)
Não aguardam como antes
(pacientes, deselegantes)
Pelo momento em seguida
Suspenso dessa lida:
- Antes passam, navegantes
por sobre rodas-gigantes
até a próxima parada
(paraíso distante
uma polegada
de mapa)
sábado, 30 de junho de 2007
sexta-feira, 29 de junho de 2007
DEZESSEIS DIAS MAIS
Deste lado do mar
Predomina, obsequioso
Um silêncio - amoroso
Que saberia esperar.
Um silêncio, educado
Compulsivo a respeito:
- De asas ao relento
esquecido do vento.
Mal cabe meu, cioso
Tal anjo formoso
Brioso de tudo:
- Mudo, sentado
(por caber esperar)
deste lado do mar.
Predomina, obsequioso
Um silêncio - amoroso
Que saberia esperar.
Um silêncio, educado
Compulsivo a respeito:
- De asas ao relento
esquecido do vento.
Mal cabe meu, cioso
Tal anjo formoso
Brioso de tudo:
- Mudo, sentado
(por caber esperar)
deste lado do mar.
quinta-feira, 28 de junho de 2007
"Dias eleitos"
uma saudade ainda alegre, com a ajuda de Roland Barthes
"FESTA. O sujeito amoroso vive todos os encontros com o ser amado como uma festa.
1. Festa é aquilo que esperamos. O que espero da presença prometida é uma soma inaudita de prazeres, um festim; jubilo como a criança que ri ao ver aquela cuja simples presença anuncia e significa uma plenitude de satisfações: vou ter diante de mim, para mim, a 'fonte de todos os bens'.
'Vivo dias tão bem aventurados como aqueles que Deus reserva a seus eleitos; e venha o que vier, não poderei dizer que as alegrias, as mais puras alegrias da vida, não as terei eu experimentado.' [Werther]
2. 'Naquela noite - tremo ao dizê-lo! - apertava-a em meus braços, estreitamente cerrada contra meu peito, cobria de beijos sem fim seus lábios que murmuravam palavras de amor, e meus olhos se afogavam na embriaguez dos dela! Deus! seria eu digno de punição por ainda agora experimentar uma celeste felicidade ao me lembrar daquelas ardentes alegrias, revivê-las no mais profundo de meu ser!' [Werther]
A Festa, para o Amante, o Lunar, é uma jubilação, não uma explosão: gozo o jantar, a conversa, o carinho, a promessa clara do prazer: 'uma arte de viver por sobre o abismo'.
(E acaso nada significa, para você, ser a festa de alguém?)"
Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 197-198.
"FESTA. O sujeito amoroso vive todos os encontros com o ser amado como uma festa.
1. Festa é aquilo que esperamos. O que espero da presença prometida é uma soma inaudita de prazeres, um festim; jubilo como a criança que ri ao ver aquela cuja simples presença anuncia e significa uma plenitude de satisfações: vou ter diante de mim, para mim, a 'fonte de todos os bens'.
'Vivo dias tão bem aventurados como aqueles que Deus reserva a seus eleitos; e venha o que vier, não poderei dizer que as alegrias, as mais puras alegrias da vida, não as terei eu experimentado.' [Werther]
2. 'Naquela noite - tremo ao dizê-lo! - apertava-a em meus braços, estreitamente cerrada contra meu peito, cobria de beijos sem fim seus lábios que murmuravam palavras de amor, e meus olhos se afogavam na embriaguez dos dela! Deus! seria eu digno de punição por ainda agora experimentar uma celeste felicidade ao me lembrar daquelas ardentes alegrias, revivê-las no mais profundo de meu ser!' [Werther]
A Festa, para o Amante, o Lunar, é uma jubilação, não uma explosão: gozo o jantar, a conversa, o carinho, a promessa clara do prazer: 'uma arte de viver por sobre o abismo'.
(E acaso nada significa, para você, ser a festa de alguém?)"
Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 197-198.
quarta-feira, 27 de junho de 2007
INEXPRIMÍVEL GOYAZ V
Isto é, de fato
O que fazes comigo:
- As pazes no paraíso
deste quarto ninho
(a despeito de cucas
pererês e mulas
passados sem cabeça)
O que fazes comigo:
- As pazes no paraíso
deste quarto ninho
(a despeito de cucas
pererês e mulas
passados sem cabeça)
terça-feira, 26 de junho de 2007
INEXPRIMÍVEL GOYAZ IV
Meu amor, qualquer besteira
Bananeira em flor
Com que perfumo teus ouvidos
De carinhos
Bumerangue vem
E me abre - verbo inverso
Em caminhos...
Bananeira em flor
Com que perfumo teus ouvidos
De carinhos
Bumerangue vem
E me abre - verbo inverso
Em caminhos...
segunda-feira, 25 de junho de 2007
EXCÊNTRICA LIRA
Teus verdes campos elíseos
Mentais, são quase apolíneos
Por soprarem ventos alísios
Beijando benignos cílios;
Meus abismos, são precipícios
Interrompidos beirando doídos
O ridículo caído de paixão
Dionisíaco boqueirão; todavia
Toda vez que em ti habita
A tempestuosa ira de entornar
Meu rio ao mar, já à deriva
Um barco interior de calmaria
(vontade alísia do beijar elíseo)
Nos avisa de atracar, de amar...
Mentais, são quase apolíneos
Por soprarem ventos alísios
Beijando benignos cílios;
Meus abismos, são precipícios
Interrompidos beirando doídos
O ridículo caído de paixão
Dionisíaco boqueirão; todavia
Toda vez que em ti habita
A tempestuosa ira de entornar
Meu rio ao mar, já à deriva
Um barco interior de calmaria
(vontade alísia do beijar elíseo)
Nos avisa de atracar, de amar...
sábado, 23 de junho de 2007
ANIVERSÁRIO
Meu amor, teus anos
Não parecem assim tanto
Tempo que passou quanto
Momentos que se pensou
E desses pensamentos
(quando dão a contento)
Vem sempre a impressão
(pelo sim e pelo não)
Que teu coração talvez
(talvez mais de uma vez)
Por eles correu incógnito:
- Pois óbvio o que se tece
se o contrário apetece
(o desapercebido
entretanto vivido)
Não parecem assim tanto
Tempo que passou quanto
Momentos que se pensou
E desses pensamentos
(quando dão a contento)
Vem sempre a impressão
(pelo sim e pelo não)
Que teu coração talvez
(talvez mais de uma vez)
Por eles correu incógnito:
- Pois óbvio o que se tece
se o contrário apetece
(o desapercebido
entretanto vivido)
sexta-feira, 22 de junho de 2007
quarta-feira, 20 de junho de 2007
INEXPRIMÍVEL GOYAZ III
Somos duas
Crianças adultas
Repassando estórias:
- Trocas de pedrinhas
em vidraças coloridas
(farpas, entrelinhas
que se quebram sozinhas)
Crianças adultas
Repassando estórias:
- Trocas de pedrinhas
em vidraças coloridas
(farpas, entrelinhas
que se quebram sozinhas)
terça-feira, 19 de junho de 2007
INEXPRIMÍVEL GOYAZ II
Por que tudo que dizes
Assim, de chofre
Açoite
Ao vento, à sorte
Perfura, assim
Meu norte
(itinerário de um destino só)?...
Assim, de chofre
Açoite
Ao vento, à sorte
Perfura, assim
Meu norte
(itinerário de um destino só)?...
segunda-feira, 18 de junho de 2007
INEXPRIMÍVEL GOYAZ I
Não sei
(mesmo, não sei)
O que da sombra fresca
A tua doce presença
(alfazema)
Esquenta
Em mim.
(mesmo, não sei)
O que da sombra fresca
A tua doce presença
(alfazema)
Esquenta
Em mim.
domingo, 17 de junho de 2007
FREQÜENTE
Por que sinto
E ressinto
[aqui, contigo, ali
dormindo, acordado
pensativo (por acaso)
vivo]
A mesma coisa boa
Repetida à toa
Quando tua coxa
Roça meu sonho eterno de menino?...
E ressinto
[aqui, contigo, ali
dormindo, acordado
pensativo (por acaso)
vivo]
A mesma coisa boa
Repetida à toa
Quando tua coxa
Roça meu sonho eterno de menino?...
sábado, 16 de junho de 2007
A FADA DAS LOUÇAS
apareceu por aqui. Ali
enquanto eu sonhava
(com flocos de goiabada)
as panelas do meu amor inteiro
dançaram da pia ao escorredor
num ato perfeito
(de caseiro esplendor)
enquanto eu sonhava
(com flocos de goiabada)
as panelas do meu amor inteiro
dançaram da pia ao escorredor
num ato perfeito
(de caseiro esplendor)
sexta-feira, 15 de junho de 2007
Inexprimível amor
sobre outra impossibilidade, novamente Roland Barthes
"ESCREVER. Engodos, debates e impasses provocados pelo desejo de 'exprimir' o sentimento amoroso numa 'criação' (particularmente de escrita).
1. Dois mitos poderosos nos fizeram acreditar que o amor podia, devia se sublimar em criação estética: o mito socrático (amar serve para 'engendrar uma multiplicidade de belos e magníficos discursos') e o mito romântico (produzirei uma obra imortal escrevendo minha paixão).
Entretanto, Werther, que antes desenhava abundantemente e bem, não pode fazer o retrato de Carlota (mal pode esboçar-lhe a silhueta que é precisamente o que, dela, o capturou). 'Perdi... a força sagrada, vivificante, com a qual criava mundos ao meu redor.'
2. 'La pleine lune d'automne,
Tout le long de la nuit
J'ai fait les cent pas autour de l'étang.'
[À lua cheia de outono, / Ao longo de toda a noite / Perambulei ao redor da represa.]
Nenhuma indireta mais eficaz, para dizer a tristeza, do que este 'ao longo de toda a noite'. E se eu, também, tentasse?
'Ce matin d'été, beau temps sur le golfe,
Je suis sorti
Cueillir une glycine.'
[Nesta manhã de verão, bom tempo no golfo, / Saí / Para colher uma glicínia.]
ou:
'Ce matin d'été, beau temps sur le golfe,
Je suis resté longtemps à ma table,
Sans rien faire.'
[Nesta manhã de verão, bom tempo no golfo, / Fiquei durante muito tempo à mesa, / Sem fazer nada.]
ou ainda:
'Ce matin, beau temps sur le golfe,
Je suis resté immobile
A penser à l'absent.'
[Nesta manhã, bom tempo no golfo, / Fiquei imóvel / Pensando no ausente.]
De um lado, é não dizer nada, de outro, é dizer demais: impossível ajustar. Minhas ânsias de expressão oscilam entre o denso haikai, resumindo uma enorme situação, e um grande carregamento de banalidades. Sou ao mesmo tempo grande demais e fraco demais para a escrita: estou ao lado dela, que é sempre rigorosa, violenta, indiferente ao eu infantil que a solicita. O amor tem decerto um pacto com minha linguagem (que o mantém), mas não pode alojar-se em minha escrita.
3. Não posso me escrever. Quem seria este eu que se escreveria? À medida que entrasse na escrita, a escrita o esvaziaria, o tornaria vão; produzir-se-ia uma degradação progressiva, na qual a imagem do outro seria, também ela, pouco a pouco envolvida (escrever sobre alguma coisa é corromper esta coisa), abominação cuja conclusão não poderia deixar de ser: para quê? O que bloqueia a escrita amorosa, é a ilusão de expressividade: escritor, ou considerando-me tal, continuo a me enganar sobre os efeitos da linguagem: ignoro que a palavra 'sofrimento' não exprime nenhum sofrimento e que, por conseguinte, empregá-la, não apenas significa nada comunicar, mas ainda, e bem depressa, irritar (sem falar no ridículo). Alguém deveria me ensinar que não se pode escrever sem fazer o luto da própria 'sinceridade' (sempre o mito de Orfeu: não se virar). O que a escrita exige, e que nenhum amante lhe pode conceder sem dilaceramento, é que ele sacrifique um pouco de seu Imaginário, e que assegure assim, através de sua língua, a assunção de um pouco de real. Tudo o que eu poderia produzir, no melhor dos casos, seria uma escrita do Imaginário; e, para isso, eu teria que renunciar ao Imaginário da escrita - me deixar laborar por minha língua, sofrer as injustiças (as injúrias) que ela não deixará de infligir à dupla Imagem do amante e de seu outro.
A linguagem do Imaginário não seria nada mais do que a utopia da linguagem; linguagem perfeitamente original, paradisíaca, linguagem de Adão, linguagem 'natural, isenta de deformação ou de ilusão, espelho tímido de nossos sentidos, linguagem sensual (die sensualische Sprache)': 'Na linguagem sensual, todos os espíritos conversam entre si, não têm necessidade de nenhuma outra linguagem, pois é a linguagem da natureza.'
4. Querer escrever o amor é afrontar o atoleiro da linguagem: esta região desesperada em que a linguagem é ao mesmo tempo muito e muito pouco, excessiva (pela expansão ilimitada do eu, pela submersão emotiva) e pobre (pelos códigos mediante os quais o amor a rebaixa e reduz). Diante da morte de seu filho-criança, para escrever (nem que fossem farrapos de escrita), Mallarmé se submete à divisão parental:
Mère, pleure
Moi, je pense
[Mãe, chora / Eu, eu penso]
Mas a relação amorosa fez de mim um sujeito atópico, indiviso: sou meu próprio filho: sou ao mesmo tempo pai e mãe (de mim mesmo, do outro): como poderia dividir o trabalho?
5. Saber que não escrevemos para o outro, saber que essas coisas que vou escrever jamais me farão amado de quem amo, saber que a escrita não compensa nada, não sublima nada, que ela está precisamente ali onde você não está - é o começo da escrita."
Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 157-161.
"ESCREVER. Engodos, debates e impasses provocados pelo desejo de 'exprimir' o sentimento amoroso numa 'criação' (particularmente de escrita).
1. Dois mitos poderosos nos fizeram acreditar que o amor podia, devia se sublimar em criação estética: o mito socrático (amar serve para 'engendrar uma multiplicidade de belos e magníficos discursos') e o mito romântico (produzirei uma obra imortal escrevendo minha paixão).
Entretanto, Werther, que antes desenhava abundantemente e bem, não pode fazer o retrato de Carlota (mal pode esboçar-lhe a silhueta que é precisamente o que, dela, o capturou). 'Perdi... a força sagrada, vivificante, com a qual criava mundos ao meu redor.'
2. 'La pleine lune d'automne,
Tout le long de la nuit
J'ai fait les cent pas autour de l'étang.'
[À lua cheia de outono, / Ao longo de toda a noite / Perambulei ao redor da represa.]
Nenhuma indireta mais eficaz, para dizer a tristeza, do que este 'ao longo de toda a noite'. E se eu, também, tentasse?
'Ce matin d'été, beau temps sur le golfe,
Je suis sorti
Cueillir une glycine.'
[Nesta manhã de verão, bom tempo no golfo, / Saí / Para colher uma glicínia.]
ou:
'Ce matin d'été, beau temps sur le golfe,
Je suis resté longtemps à ma table,
Sans rien faire.'
[Nesta manhã de verão, bom tempo no golfo, / Fiquei durante muito tempo à mesa, / Sem fazer nada.]
ou ainda:
'Ce matin, beau temps sur le golfe,
Je suis resté immobile
A penser à l'absent.'
[Nesta manhã, bom tempo no golfo, / Fiquei imóvel / Pensando no ausente.]
De um lado, é não dizer nada, de outro, é dizer demais: impossível ajustar. Minhas ânsias de expressão oscilam entre o denso haikai, resumindo uma enorme situação, e um grande carregamento de banalidades. Sou ao mesmo tempo grande demais e fraco demais para a escrita: estou ao lado dela, que é sempre rigorosa, violenta, indiferente ao eu infantil que a solicita. O amor tem decerto um pacto com minha linguagem (que o mantém), mas não pode alojar-se em minha escrita.
3. Não posso me escrever. Quem seria este eu que se escreveria? À medida que entrasse na escrita, a escrita o esvaziaria, o tornaria vão; produzir-se-ia uma degradação progressiva, na qual a imagem do outro seria, também ela, pouco a pouco envolvida (escrever sobre alguma coisa é corromper esta coisa), abominação cuja conclusão não poderia deixar de ser: para quê? O que bloqueia a escrita amorosa, é a ilusão de expressividade: escritor, ou considerando-me tal, continuo a me enganar sobre os efeitos da linguagem: ignoro que a palavra 'sofrimento' não exprime nenhum sofrimento e que, por conseguinte, empregá-la, não apenas significa nada comunicar, mas ainda, e bem depressa, irritar (sem falar no ridículo). Alguém deveria me ensinar que não se pode escrever sem fazer o luto da própria 'sinceridade' (sempre o mito de Orfeu: não se virar). O que a escrita exige, e que nenhum amante lhe pode conceder sem dilaceramento, é que ele sacrifique um pouco de seu Imaginário, e que assegure assim, através de sua língua, a assunção de um pouco de real. Tudo o que eu poderia produzir, no melhor dos casos, seria uma escrita do Imaginário; e, para isso, eu teria que renunciar ao Imaginário da escrita - me deixar laborar por minha língua, sofrer as injustiças (as injúrias) que ela não deixará de infligir à dupla Imagem do amante e de seu outro.
A linguagem do Imaginário não seria nada mais do que a utopia da linguagem; linguagem perfeitamente original, paradisíaca, linguagem de Adão, linguagem 'natural, isenta de deformação ou de ilusão, espelho tímido de nossos sentidos, linguagem sensual (die sensualische Sprache)': 'Na linguagem sensual, todos os espíritos conversam entre si, não têm necessidade de nenhuma outra linguagem, pois é a linguagem da natureza.'
4. Querer escrever o amor é afrontar o atoleiro da linguagem: esta região desesperada em que a linguagem é ao mesmo tempo muito e muito pouco, excessiva (pela expansão ilimitada do eu, pela submersão emotiva) e pobre (pelos códigos mediante os quais o amor a rebaixa e reduz). Diante da morte de seu filho-criança, para escrever (nem que fossem farrapos de escrita), Mallarmé se submete à divisão parental:
Mère, pleure
Moi, je pense
[Mãe, chora / Eu, eu penso]
Mas a relação amorosa fez de mim um sujeito atópico, indiviso: sou meu próprio filho: sou ao mesmo tempo pai e mãe (de mim mesmo, do outro): como poderia dividir o trabalho?
5. Saber que não escrevemos para o outro, saber que essas coisas que vou escrever jamais me farão amado de quem amo, saber que a escrita não compensa nada, não sublima nada, que ela está precisamente ali onde você não está - é o começo da escrita."
Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 157-161.
quarta-feira, 6 de junho de 2007
NÃO ESCREVO
Porque vivo
(indefeso)
O avesso
Do avesso do avesso
Toda vez que arremedo
A vida literária que desejo
(e desconheço)
(indefeso)
O avesso
Do avesso do avesso
Toda vez que arremedo
A vida literária que desejo
(e desconheço)
sexta-feira, 1 de junho de 2007
O CHÃO SAGRADO
acerca de um sonho caro, e ameaçado
São oitocentos metros quadrados
riscados em cerrado de sonhos coalhado
dos outros; o retângulo aeroporto
do já alto vôo que encetamos abraçados.
Qual castelo? Imaginamos, enlevados
o canto íntimo de um ao outro, renovado
aço místico finíssimo redobrado ao infinito:
- espada samurai de cortes sem coágulos.
Que espaço? Da tertúlia generosa dos portões
abertos ao eterno encontro; dos cuidados
mutuamente cultivados, extensíveis
flores aos convidados; e do silêncio
enfim mais caro - amorosamente tecido
rítmico na alcova dos carinhos...
22/05/05
São oitocentos metros quadrados
riscados em cerrado de sonhos coalhado
dos outros; o retângulo aeroporto
do já alto vôo que encetamos abraçados.
Qual castelo? Imaginamos, enlevados
o canto íntimo de um ao outro, renovado
aço místico finíssimo redobrado ao infinito:
- espada samurai de cortes sem coágulos.
Que espaço? Da tertúlia generosa dos portões
abertos ao eterno encontro; dos cuidados
mutuamente cultivados, extensíveis
flores aos convidados; e do silêncio
enfim mais caro - amorosamente tecido
rítmico na alcova dos carinhos...
22/05/05
terça-feira, 29 de maio de 2007
VINTE DE MAIO
O perfeito raro, avesso
De todo temporário pesadelo
(verborrágica ventania)
Ao contrário, mal descrevo
(sussurra a brisa):
- Trata-se de nada, nada mesmo
além de muito, muito beijo
(num enlace benfazejo)
com fundo de piaf e aznavour
em dueto por um detour
contudo sereno; nada mesmo além
de estar-se nisso muito bem
a dois, há muitos; porque conosco
estão cada mil de nós
anos juntos
(tantos, vezes mudos
refazendo mundos)
De todo temporário pesadelo
(verborrágica ventania)
Ao contrário, mal descrevo
(sussurra a brisa):
- Trata-se de nada, nada mesmo
além de muito, muito beijo
(num enlace benfazejo)
com fundo de piaf e aznavour
em dueto por um detour
contudo sereno; nada mesmo além
de estar-se nisso muito bem
a dois, há muitos; porque conosco
estão cada mil de nós
anos juntos
(tantos, vezes mudos
refazendo mundos)
Romance/Drama
o elusivo em Sheherazade, por Roland Barthes
"DRAMA. O sujeito amoroso não pode escrever ele mesmo seu romance de amor. Apenas uma forma muito arcaica poderia recolher o acontecimento que ele declama sem poder contar.
1. Nas cartas que envia ao amigo, Werther conta ao mesmo tempo os acontecimentos de sua vida e os efeitos de sua paixão; mas é a literatura que comanda essa mistura. Pois, se eu, pessoalmente, escrevo um diário, pode-se desconfiar que esse diário relate acontecimentos no sentido próprio do termo. Os acontecimentos da vida amorosa são tão fúteis que só acedem à escrita através de um imenso esforço: desanimamos de escrever o que, ao ser escrito, denuncia sua própria vacuidade: 'Encontrei X... em companhia de Y...', 'Hoje, X... não me telefonou', 'X... estava de mau humor', etc.: quem aí reconheceria uma história? O acontecimento, ínfimo, existe apenas através de seu ressoar, enorme: Diário de minhas ressonâncias (de minhas mágoas, minhas alegrias, minhas interpretações, minhas razões, minhas veleidades): quem entenderia alguma coisa? Apenas o Outro poderia escrever meu romance.
2. Como Narrativa (Romance, Paixão), o amor é uma história que se cumpre, no sentido sagrado: é um programa, que deve ser cumprido. Para mim, ao contrário, essa história já aconteceu; pois o único acontecimento é o rapto de que fui objeto, e cujas conseqüências repito (infrutiferamente). O enamoramento é um drama, se concordarmos em devolver a essa palavra o sentido arcaico que Nietzsche lhe dá: 'O drama antigo tinha em vista grandes cenas declamatórias, o que excluía a ação (esta acontecia antes ou depois da cena).' O rapto amoroso (puro momento hipnótico) acontece antes do discurso e atrás do proscênio da consciência: o 'acontecimento' amoroso é de ordem hierática: é minha própria lenda local, minha pequena história sagrada que declamo para mim mesmo, e essa declamação de um fato consumado (congelado, embalsamado, apartado de todo fazer) é o discurso amoroso."
Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 133-134.
"DRAMA. O sujeito amoroso não pode escrever ele mesmo seu romance de amor. Apenas uma forma muito arcaica poderia recolher o acontecimento que ele declama sem poder contar.
1. Nas cartas que envia ao amigo, Werther conta ao mesmo tempo os acontecimentos de sua vida e os efeitos de sua paixão; mas é a literatura que comanda essa mistura. Pois, se eu, pessoalmente, escrevo um diário, pode-se desconfiar que esse diário relate acontecimentos no sentido próprio do termo. Os acontecimentos da vida amorosa são tão fúteis que só acedem à escrita através de um imenso esforço: desanimamos de escrever o que, ao ser escrito, denuncia sua própria vacuidade: 'Encontrei X... em companhia de Y...', 'Hoje, X... não me telefonou', 'X... estava de mau humor', etc.: quem aí reconheceria uma história? O acontecimento, ínfimo, existe apenas através de seu ressoar, enorme: Diário de minhas ressonâncias (de minhas mágoas, minhas alegrias, minhas interpretações, minhas razões, minhas veleidades): quem entenderia alguma coisa? Apenas o Outro poderia escrever meu romance.
2. Como Narrativa (Romance, Paixão), o amor é uma história que se cumpre, no sentido sagrado: é um programa, que deve ser cumprido. Para mim, ao contrário, essa história já aconteceu; pois o único acontecimento é o rapto de que fui objeto, e cujas conseqüências repito (infrutiferamente). O enamoramento é um drama, se concordarmos em devolver a essa palavra o sentido arcaico que Nietzsche lhe dá: 'O drama antigo tinha em vista grandes cenas declamatórias, o que excluía a ação (esta acontecia antes ou depois da cena).' O rapto amoroso (puro momento hipnótico) acontece antes do discurso e atrás do proscênio da consciência: o 'acontecimento' amoroso é de ordem hierática: é minha própria lenda local, minha pequena história sagrada que declamo para mim mesmo, e essa declamação de um fato consumado (congelado, embalsamado, apartado de todo fazer) é o discurso amoroso."
Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 133-134.
sexta-feira, 25 de maio de 2007
DE VOLTA
Estou no centro.
Caminhei até aqui
Por dentro, de ti
Alternância do momento.
Não vi - inda não vejo
A contento um roteiro - da estrada
(eu exposto em movimento)
Teu mapa, poderoso sinaleiro
Do sinto-mesmo-o-centro:
- Mas não importa menos
se sinto-o agora, que o tenho
vento da aurora; se em ti
estive outrora, e a demora
valeu a tempo...
Caminhei até aqui
Por dentro, de ti
Alternância do momento.
Não vi - inda não vejo
A contento um roteiro - da estrada
(eu exposto em movimento)
Teu mapa, poderoso sinaleiro
Do sinto-mesmo-o-centro:
- Mas não importa menos
se sinto-o agora, que o tenho
vento da aurora; se em ti
estive outrora, e a demora
valeu a tempo...
sexta-feira, 18 de maio de 2007
PINE TREE
Não ir a qualquer lugar
(nem devagar)
Estabelece-se norma
Deste penar
Que pena!, pena leve
(de frango, de pato, de lebre)
Breve seja!, que do santo
O barro se foi
Pena máxima: dói
Um pouco saber de novo
Que disposto ser amoroso
Resto de modo
Remoto, removido
De qualquer outro...
(nem devagar)
Estabelece-se norma
Deste penar
Que pena!, pena leve
(de frango, de pato, de lebre)
Breve seja!, que do santo
O barro se foi
Pena máxima: dói
Um pouco saber de novo
Que disposto ser amoroso
Resto de modo
Remoto, removido
De qualquer outro...
domingo, 13 de maio de 2007
"Que fazer?"
no diálogo suspenso com Sheherazade, um fragmento de Roland Barthes
"CONDUTA. Figura deliberativa: o sujeito amoroso se coloca, com angústia, problemas, na maior parte das vezes fúteis, de conduta: diante de tal alternativa, que fazer? Como agir?
1. Devo continuar? Wilhelm, amigo de Werther, é o homem da Moral, ciência certa das condutas. Esta moral é de fato uma lógica: ou isto ou aquilo; se escolho (se marco) isto, então, de novo, isto ou aquilo: e assim por diante, até que, dessa cascata de alternativas, surja enfim um ato puro - puro de todo arrependimento, de todo tremor. Amas Carlota: ou tens alguma esperança, e então ages; ou não tens nenhuma, e então renuncias. Tal é o discurso do sujeito 'sadio': ou, ou. Mas o sujeito amoroso responde (é o que faz Werther): tento me esgueirar entre os dois membros da alternativa: quer dizer: não tenho nenhuma esperança, mas mesmo assim... Ou ainda: escolho obstinadamente não escolher; escolho a deriva: continuo.
2. Minhas angústias de conduta são fúteis, cada vez mais fúteis, ao infinito. Se o outro, incidentalmente ou negligentemente, me dá o número do telefone de um lugar onde posso encontrá-lo a tais horas, desespero imediatamente: devo ou não devo telefonar? (De nada serviria alguém me dizer que posso telefonar para ele - sentido objetivo, razoável, da mensagem -, pois é precisamente com esta permissão que não sei o que fazer.)
É fútil o que aparentemente não tem, não terá conseqüência. Mas, para mim, sujeito amoroso, tudo o que é novo, tudo o que desarranja, é recebido, não sob a forma de um fato, mas sob a forma de um signo que é preciso interpretar. Do ponto de vista amoroso, o fato torna-se conseqüente porque se transforma imediatamente em signo: é o signo, não o fato, que é conseqüente (por seu ressoar). Se o outro me deu esse novo número de telefone, de que isso era signo? Seria um convite para usá-lo imediatamente, por prazer, ou apenas se fosse o caso, por necessidade? Minha resposta será ela própria um signo, que o outro interpretará fatalmente, desencadeando assim, entre ele e eu, uma tumultuosa contradança de imagens. Tudo significa: com esta proposição, prendo-me, enleio-me no cálculo, impeço-me de gozar.
Às vezes, à força de deliberar sobre 'nada' (no dizer do mundo), esgoto-me; tento então, num sobressalto, voltar, tal como um afogado que bate com o calcanhar no solo marinho, a uma decisão espontânea (a espontaneidade: grande sonho, paraíso, poder, gozo): pois bem, telefone para ele, já que você está com vontade! Mas o recurso é vão: o tempo amoroso não permite alinhar o impulso e o ato, fazê-los coincidir: não sou o homem dos pequenos 'acting-out'; minha loucura é temperada, não é visível; é imediatamente que tenho medo das conseqüências, de qualquer conseqüência: é meu medo - minha deliberação - que é 'espontâneo'.
3. O carma é o encadeamento (desastroso) das ações (de suas causas e de seus efeitos). O budista quer se retirar do carma; quer suspender o jogo da causalidade; quer ausentar os signos, ignorar a questão prática: que fazer? Eu, eu não cesso de me colocá-la e suspiro por esta suspensão do carma que é o nirvana. Do mesmo modo, as situações que, por sorte, não me impõem nenhuma responsabilidade de conduta, por mais dolorosas que sejam, são recebidas com uma espécie de paz; sofro, mas pelo menos nada tenho que decidir; a máquina amorosa (imaginário) move-se aqui por si só, sem mim; como um operário da era eletrônica, ou como o estúpido do fundo da classe, basta-me estar ali: o carma (a máquina, a aula) rumoreja diante de mim, mas sem mim. Na própria infelicidade, posso, por um brevíssimo momento, arrumar para mim um pequeno recanto de preguiça."
Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 75-78.
"CONDUTA. Figura deliberativa: o sujeito amoroso se coloca, com angústia, problemas, na maior parte das vezes fúteis, de conduta: diante de tal alternativa, que fazer? Como agir?
1. Devo continuar? Wilhelm, amigo de Werther, é o homem da Moral, ciência certa das condutas. Esta moral é de fato uma lógica: ou isto ou aquilo; se escolho (se marco) isto, então, de novo, isto ou aquilo: e assim por diante, até que, dessa cascata de alternativas, surja enfim um ato puro - puro de todo arrependimento, de todo tremor. Amas Carlota: ou tens alguma esperança, e então ages; ou não tens nenhuma, e então renuncias. Tal é o discurso do sujeito 'sadio': ou, ou. Mas o sujeito amoroso responde (é o que faz Werther): tento me esgueirar entre os dois membros da alternativa: quer dizer: não tenho nenhuma esperança, mas mesmo assim... Ou ainda: escolho obstinadamente não escolher; escolho a deriva: continuo.
2. Minhas angústias de conduta são fúteis, cada vez mais fúteis, ao infinito. Se o outro, incidentalmente ou negligentemente, me dá o número do telefone de um lugar onde posso encontrá-lo a tais horas, desespero imediatamente: devo ou não devo telefonar? (De nada serviria alguém me dizer que posso telefonar para ele - sentido objetivo, razoável, da mensagem -, pois é precisamente com esta permissão que não sei o que fazer.)
É fútil o que aparentemente não tem, não terá conseqüência. Mas, para mim, sujeito amoroso, tudo o que é novo, tudo o que desarranja, é recebido, não sob a forma de um fato, mas sob a forma de um signo que é preciso interpretar. Do ponto de vista amoroso, o fato torna-se conseqüente porque se transforma imediatamente em signo: é o signo, não o fato, que é conseqüente (por seu ressoar). Se o outro me deu esse novo número de telefone, de que isso era signo? Seria um convite para usá-lo imediatamente, por prazer, ou apenas se fosse o caso, por necessidade? Minha resposta será ela própria um signo, que o outro interpretará fatalmente, desencadeando assim, entre ele e eu, uma tumultuosa contradança de imagens. Tudo significa: com esta proposição, prendo-me, enleio-me no cálculo, impeço-me de gozar.
Às vezes, à força de deliberar sobre 'nada' (no dizer do mundo), esgoto-me; tento então, num sobressalto, voltar, tal como um afogado que bate com o calcanhar no solo marinho, a uma decisão espontânea (a espontaneidade: grande sonho, paraíso, poder, gozo): pois bem, telefone para ele, já que você está com vontade! Mas o recurso é vão: o tempo amoroso não permite alinhar o impulso e o ato, fazê-los coincidir: não sou o homem dos pequenos 'acting-out'; minha loucura é temperada, não é visível; é imediatamente que tenho medo das conseqüências, de qualquer conseqüência: é meu medo - minha deliberação - que é 'espontâneo'.
3. O carma é o encadeamento (desastroso) das ações (de suas causas e de seus efeitos). O budista quer se retirar do carma; quer suspender o jogo da causalidade; quer ausentar os signos, ignorar a questão prática: que fazer? Eu, eu não cesso de me colocá-la e suspiro por esta suspensão do carma que é o nirvana. Do mesmo modo, as situações que, por sorte, não me impõem nenhuma responsabilidade de conduta, por mais dolorosas que sejam, são recebidas com uma espécie de paz; sofro, mas pelo menos nada tenho que decidir; a máquina amorosa (imaginário) move-se aqui por si só, sem mim; como um operário da era eletrônica, ou como o estúpido do fundo da classe, basta-me estar ali: o carma (a máquina, a aula) rumoreja diante de mim, mas sem mim. Na própria infelicidade, posso, por um brevíssimo momento, arrumar para mim um pequeno recanto de preguiça."
Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 75-78.
sábado, 12 de maio de 2007
CACHORRINHO
Face (colada) ao aço
Mudo do teu muro opaco
(liso ar-condicionado
hirto e gasto)
Descanso e medito
(mal, que o frio é real)
Sobre asas e barbatanas
Sobre penas e escamas
Dos caminhos que não sigo
Por tomá-los quebradiços:
- Aquém, circunscrito
a um além mortiço
(da precisa impotência
da impaciência, ilustrativo)
Mudo do teu muro opaco
(liso ar-condicionado
hirto e gasto)
Descanso e medito
(mal, que o frio é real)
Sobre asas e barbatanas
Sobre penas e escamas
Dos caminhos que não sigo
Por tomá-los quebradiços:
- Aquém, circunscrito
a um além mortiço
(da precisa impotência
da impaciência, ilustrativo)
domingo, 6 de maio de 2007
NUMA TARDE CAINDO DE DOMINGO
Cansaço.
Silêncio.
Um suspiro entediado
(consigo mesmo)
Traga o ar seco
O quarto
O tempo
Da vitória do Flamengo.
(e por dentro
do colapso do pensamento
o sentimento que ressente
momento tão recente
perde-o seguidamente - vácuo no vão
dum átimo indiferente)
Silêncio.
Um suspiro entediado
(consigo mesmo)
Traga o ar seco
O quarto
O tempo
Da vitória do Flamengo.
(e por dentro
do colapso do pensamento
o sentimento que ressente
momento tão recente
perde-o seguidamente - vácuo no vão
dum átimo indiferente)
terça-feira, 1 de maio de 2007
DO AMOR LOUCO DE JUÍZO
Onde estiveste
Agora, há pouco?
A tua mente, que parece
Que fugia ao corpo?
Quis segui-las - a ti menos
Que tua suspensão reflexiva
De momento - porque sentimentos
Adensam, rotineiros, perspectivas
De novo descabidas; e eu primeiro
Queria subida, por inteiro
A colina pensativa da tua fantasia
Tranqüila - para ali, de cima
(numa conversa que não termina
a madrugada atravessada linda)
Ver nada que cansa
Que desgasta
Que acaba ainda...
Agora, há pouco?
A tua mente, que parece
Que fugia ao corpo?
Quis segui-las - a ti menos
Que tua suspensão reflexiva
De momento - porque sentimentos
Adensam, rotineiros, perspectivas
De novo descabidas; e eu primeiro
Queria subida, por inteiro
A colina pensativa da tua fantasia
Tranqüila - para ali, de cima
(numa conversa que não termina
a madrugada atravessada linda)
Ver nada que cansa
Que desgasta
Que acaba ainda...
segunda-feira, 30 de abril de 2007
GÁSTRICA
O agora absoluto abarca tudo
Desta barca ora sem fundo;
Estrutura, circunstância, o mundo
Todo junto
Num impulso redondo, bojudo
De engolir-te viva, comigo
Comido no mesmo bolo
Encorpado de saliva
Duma carícia infinda, extraída
Suada maresia, à deriva
Na noite desatada; e de dia
Nessa barca que abarcaria
A vida digerida, antiácida drogaria
Eu em ti acordaria...
Desta barca ora sem fundo;
Estrutura, circunstância, o mundo
Todo junto
Num impulso redondo, bojudo
De engolir-te viva, comigo
Comido no mesmo bolo
Encorpado de saliva
Duma carícia infinda, extraída
Suada maresia, à deriva
Na noite desatada; e de dia
Nessa barca que abarcaria
A vida digerida, antiácida drogaria
Eu em ti acordaria...
domingo, 29 de abril de 2007
PLANALTO ABISSAL
Plana a verticalidade
Da possibilidade
De felicidade.
A verticalidade vertiginosa
Do que verdadeiramente importa
Do mundo lá fora
Interiorizo cerrado
Horizontalizada. Chapada
De eterna florada. Assim:
- O hálito vertical
dum abismo que se deita
talvez precocemente
numa espiral entorpecente
(algo impaciente
do cansaço economizado
de tão pouca visitação).
E então
- Qual dobrado precipício
vez colado a chão íntimo
precipite talvez cordas
que rotas lhe atravessem?
(e breves me levem
ao teu coração?...)
Da possibilidade
De felicidade.
A verticalidade vertiginosa
Do que verdadeiramente importa
Do mundo lá fora
Interiorizo cerrado
Horizontalizada. Chapada
De eterna florada. Assim:
- O hálito vertical
dum abismo que se deita
talvez precocemente
numa espiral entorpecente
(algo impaciente
do cansaço economizado
de tão pouca visitação).
E então
- Qual dobrado precipício
vez colado a chão íntimo
precipite talvez cordas
que rotas lhe atravessem?
(e breves me levem
ao teu coração?...)
sábado, 28 de abril de 2007
FANTASIA
Os dedos
Digitando tuas costas
São os mesmos
Delicados anjos pequenos
Por quem oras
A vir ligeiros
Quando gozas
(em pensamento
emulando-os terceiros)
Digitando tuas costas
São os mesmos
Delicados anjos pequenos
Por quem oras
A vir ligeiros
Quando gozas
(em pensamento
emulando-os terceiros)
sábado, 14 de abril de 2007
ÀS AVESSAS
Ela, secretamente
Mente, aberta à mente
Quando nega, prontamente
(como aleivosia do presente)
A curva ascendente
Da luz tênue, travessa
Que nos atravessa
Reta, obliquamente
A longa via deserta
Àquela estrela à vista:
- Carícia das dobras das fímbrias
do seu leito de sombras compridas...
Mente, aberta à mente
Quando nega, prontamente
(como aleivosia do presente)
A curva ascendente
Da luz tênue, travessa
Que nos atravessa
Reta, obliquamente
A longa via deserta
Àquela estrela à vista:
- Carícia das dobras das fímbrias
do seu leito de sombras compridas...
PASTORAL
Entre as sombras
Das poucas verdes
Folhas descendentes
Desta árvore antiga
Que se desdobra, amiga
E tortuosa, te abriga
Tuas sombras
(todas contundentes)
Confundem(-se)
(N)o presente.
Das poucas verdes
Folhas descendentes
Desta árvore antiga
Que se desdobra, amiga
E tortuosa, te abriga
Tuas sombras
(todas contundentes)
Confundem(-se)
(N)o presente.
sexta-feira, 13 de abril de 2007
Paraninfando II
(na formatura dos Cursos de Comunicação Social e de Ciências Contábeis do Centro Universitário de Brasília, ontem)
Cronometrei dois minutos e trinta segundos para esta fala; menos que o tempo de um político candidato a cargo eletivo, sem interrupção, num debate televisivo. Portanto, atenção!...
"Boa noite! Em primeiro lugar, gostaria de agradecer aos formandos desta noite pela oportunidade de estar aqui, na condição de seu paraninfo. Talvez seja esta a maior das honras para um professor que aprendeu a amar a sala de aula - representar seus colegas junto aos estudantes neste momento de júbilo e reconhecimento. Definitivamente, sou privilegiado por estar aqui representando os professores e professoras dos Cursos de Comunicação Social e de Ciências Contábeis do Centro Universitário de Brasília, professores e professoras tão competentes no desejo de ensinar quanto no que lhes cabe ensinar. Considero-me privilegiado porque sei das dificuldades enfrentadas pelo trabalho docente num mundo que parece negar, reiteradamente, a importância da verdadeira educação na formação de seres humanos integrais - seres críticos, capazes de pensar e agir com independência, e autônomos na medida em que reconhecem o caráter interdependente da vida social, ou seja, a responsabilidade de cada um para com todos nesta vida.
Nesse sentido, gostaria de aproveitar esta hora de celebração retribuindo um pouco do convite que me foi feito. Convido os formandos desta noite para uma pequena reflexão sobre um pequeno aspecto do papel da escola neste mundo em que vivemos. Dizem por aí que a escola mal prepara para a vida; que a escola, ingênua e idealista, na melhor das hipóteses teoricamente impraticável, ignora ou subestima as asperezas e as contradições do mundo real. Que ela, ao defender a possibilidade de um mundo melhor, termina despreparando seus estudantes para o mundo que está aí - o único lugar, afinal, no qual todos temos de sobreviver.
Como professor - melhor dizendo, como professor sobrevivente neste mundo real -, gostaria de sugerir a vocês a inversão desse argumento, inversão que resumo na seguinte tese: nunca, nunca como agora, este mundo em que vivemos tem precisado tanto da escola! Se quisermos um dia superar os males que nos afligem, que nos fazem desacreditar na possibilidade de uma vida bem vivida - isto é, uma vida próspera tanto material quanto eticamente -, teremos não de simplesmente levar este mundo que está aí para dentro da escola, como muitos defendem, mas sim de proceder metódica e persistentemente o contrário: trazer os valores da escola para este mundo; contaminá-lo daquele idealismo algo ingênuo, mas que hoje parece tão necessário.
Enfim, é o que venho aqui desejar, de coração, aos formandos desta noite. Até agora, vocês estiveram na escola; daqui em diante, carreguem a escola consigo, dentro de vocês, para dentro do mundo! Porque, cedo ou tarde, todos nós terminamos descobrindo, invariavelmente, que meramente sobreviver não é suficiente. Portanto, desejo que todos possam desejar uma vida plena, plenamente humana - a única vida que, verdadeiramente, vale a pena!...
Muito obrigado!"
Cronometrei dois minutos e trinta segundos para esta fala; menos que o tempo de um político candidato a cargo eletivo, sem interrupção, num debate televisivo. Portanto, atenção!...
"Boa noite! Em primeiro lugar, gostaria de agradecer aos formandos desta noite pela oportunidade de estar aqui, na condição de seu paraninfo. Talvez seja esta a maior das honras para um professor que aprendeu a amar a sala de aula - representar seus colegas junto aos estudantes neste momento de júbilo e reconhecimento. Definitivamente, sou privilegiado por estar aqui representando os professores e professoras dos Cursos de Comunicação Social e de Ciências Contábeis do Centro Universitário de Brasília, professores e professoras tão competentes no desejo de ensinar quanto no que lhes cabe ensinar. Considero-me privilegiado porque sei das dificuldades enfrentadas pelo trabalho docente num mundo que parece negar, reiteradamente, a importância da verdadeira educação na formação de seres humanos integrais - seres críticos, capazes de pensar e agir com independência, e autônomos na medida em que reconhecem o caráter interdependente da vida social, ou seja, a responsabilidade de cada um para com todos nesta vida.
Nesse sentido, gostaria de aproveitar esta hora de celebração retribuindo um pouco do convite que me foi feito. Convido os formandos desta noite para uma pequena reflexão sobre um pequeno aspecto do papel da escola neste mundo em que vivemos. Dizem por aí que a escola mal prepara para a vida; que a escola, ingênua e idealista, na melhor das hipóteses teoricamente impraticável, ignora ou subestima as asperezas e as contradições do mundo real. Que ela, ao defender a possibilidade de um mundo melhor, termina despreparando seus estudantes para o mundo que está aí - o único lugar, afinal, no qual todos temos de sobreviver.
Como professor - melhor dizendo, como professor sobrevivente neste mundo real -, gostaria de sugerir a vocês a inversão desse argumento, inversão que resumo na seguinte tese: nunca, nunca como agora, este mundo em que vivemos tem precisado tanto da escola! Se quisermos um dia superar os males que nos afligem, que nos fazem desacreditar na possibilidade de uma vida bem vivida - isto é, uma vida próspera tanto material quanto eticamente -, teremos não de simplesmente levar este mundo que está aí para dentro da escola, como muitos defendem, mas sim de proceder metódica e persistentemente o contrário: trazer os valores da escola para este mundo; contaminá-lo daquele idealismo algo ingênuo, mas que hoje parece tão necessário.
Enfim, é o que venho aqui desejar, de coração, aos formandos desta noite. Até agora, vocês estiveram na escola; daqui em diante, carreguem a escola consigo, dentro de vocês, para dentro do mundo! Porque, cedo ou tarde, todos nós terminamos descobrindo, invariavelmente, que meramente sobreviver não é suficiente. Portanto, desejo que todos possam desejar uma vida plena, plenamente humana - a única vida que, verdadeiramente, vale a pena!...
Muito obrigado!"
quarta-feira, 11 de abril de 2007
CASERNA
O fim da tarde que arde
Subitamente fria
É a hora e a vez (sombrias)
Da tua cavalaria;
Soberba, consciente
Condecorada ricamente
De certeza variada, repassada
Continuamente;
Uma linha compacta defensiva
A desfilar garbosamente
Contida - frente
A um desejo inocente, assim
Como se espelho perfilasse
No gargarejo - enfim
Assistindo ao cortejo (de mim)...
Subitamente fria
É a hora e a vez (sombrias)
Da tua cavalaria;
Soberba, consciente
Condecorada ricamente
De certeza variada, repassada
Continuamente;
Uma linha compacta defensiva
A desfilar garbosamente
Contida - frente
A um desejo inocente, assim
Como se espelho perfilasse
No gargarejo - enfim
Assistindo ao cortejo (de mim)...
terça-feira, 3 de abril de 2007
Mulher
Habita em mim uma dialética alma feminina, cheia de perguntas que nunca se encerram. Tenho dúvidas e certezas, choros contidos e sorrisos distribuídos. Não sei quantos sonhos invento ou quantos medos carrego. Sou vírgula, ponto final, reticências. Tenho entranhas que geraram vidas, fantasias que não aconteceram, cicatrizes abertas, desejos.
Meus olhos alcançam além do que permite a retina, os fatos chegam depois do que revela o meu sexto sentido, meu coração adoece a cada vez que me desencanto, e me despedaça, e me machuca. Sou a mão que bate, a voz rígida que ensina, mas sou o beijo que consola, que ameniza. E essa complexidade desgasta, corrói, violenta.
Mas há em mim força, coragem, mistério. Sirvo-me das máscaras que guardo para me transformar em tantas... Grito, choro, me arrependo, e depois consigo sorrir do meu próprio descontrole. Vivo ao extremo angústias e momentos bons. Carrego na face todos os sentimentos de uma só vez. E sei que sou feita de sensibilidade e contradições porque nasci mulher.
Ju
quarta-feira, 28 de março de 2007
RATO
Às vezes, gostaria de deixar um canto
Me observando.
O silêncio costurado num pano
Amordaçando, invisível
O ruído certeiro do tiro
(esburacando meu queijo suíço)
Fogo amigo.
Me observando.
O silêncio costurado num pano
Amordaçando, invisível
O ruído certeiro do tiro
(esburacando meu queijo suíço)
Fogo amigo.
sábado, 24 de março de 2007
SHEHERAZADE
Meus ouvidos roucos
De tanta escuta; de tanta
Palavra que desacostuma
O que de mim procura
A lua, pela rua larga
Da tua madrugada escura
Devoram, aos poucos
- Do cesto bem-disposto
que tua ousadia, contida
revira, conosco
As laranjas perfumadas
Que caem, silábicas
Dádivas, uma a uma
(úmida, pétala, regada)
Da tua boca
Abençoada...
De tanta escuta; de tanta
Palavra que desacostuma
O que de mim procura
A lua, pela rua larga
Da tua madrugada escura
Devoram, aos poucos
- Do cesto bem-disposto
que tua ousadia, contida
revira, conosco
As laranjas perfumadas
Que caem, silábicas
Dádivas, uma a uma
(úmida, pétala, regada)
Da tua boca
Abençoada...
sexta-feira, 23 de março de 2007
Novas tecnologias e possibilidades expressivas
artigo para o Esquina, jornal-laboratório
Somente há dois anos, na última edição do Fórum Social Mundial realizada em Porto Alegre, pude finalmente começar a perceber o alcance e profundidade dos múltiplos usos humanos das novas tecnologias. Após quase duas décadas envolvido com estudos sobre legislação e políticas de comunicação - regulamentação de mídias tradicionais e novas -, até então eu subestimava as perspectivas potencialmente revolucionárias da transição em curso: embora já reconhecesse o caráter estrutural de tais mudanças, em épocas de alegada desmobilização política a economia política por mim advogada tendia a absolutizar o que, das históricas desigualdades características de nossa sociedade, subsistiria na nova sociedade da informação. Não que a abordagem dos mecanismos de reprodução do poder dominante em novas condições não seja de importância fundamental; afinal, é da competência histórica do poder sua capacidade de bem reproduzir-se. Mas tal abordagem, se de fato histórica, tem de dar conta também dos aspectos insubordináveis das transformações sociais - aqueles elementos a princípio intratáveis que, uma vez fatores atuantes nas fissuras do real, abrem caminho para o (im)possível. Enfim, como indagou certo filósofo barbudo no século XIX, de que valeria compreender o mundo senão para transformá-lo?...
Assim, no turbilhão caleidoscópico de um evento extraordinário como aquele em Porto Alegre - o qual, diga-se de passagem, só se tornou possível com a mobilização dos novos movimentos sociais operando em rede -, meus olhos sofreram sua transição correspondente: ao invés de apenas procurarem o velho no novo, passaram a atentar cada vez mais para as particularidades do presente em rápida transformação.
Dali para cá, tenho procurado identificar nas novas tecnologias de comunicação - especialmente na Internet de incalculáveis implicações, conseqüências e possibilidades - as condições ditas materiais, objetivas, que permitiriam a um número crescente de seres humanos (segundo informações recentes, hoje ultrapassando um bilhão de indivíduos) reorganizarem, em graus variados e de diferentes maneiras, parte significativa de suas relações com o mundo; e ao longo desse processo, reciprocamente alterarem tais condições no sentido de uma superação acelerada, quantitativa e qualitativa, da velha ordem. Para além das discussões tornadas corriqueiras sobre a crise do jornalismo e seu impacto na formação dos novos profissionais - eixo temático do meu trabalho docente no UniCEUB -, gostaria de chamar atenção para um aspecto da transição menos discutido nas disciplinas que ministro: as novas tecnologias como veículos de possibilidades expressivas exponencialmente ampliadas, experimentadas integralmente como possibilidades comunicativas.
Aqui, refiro-me especificamente à expressão estética, cônscio de que, pelo menos desde Pierre Lévy, uma vasta literatura acadêmica e não-acadêmica tem se constituído sob a rubrica-tema da "cibercultura". À parte questões relacionadas à produção coletiva, arquitetura aberta, fim da autoria etc., neste rápido artigo desejo mencionar um tópico algo prosaico, que creio comum à maioria das pessoas, embora pouquíssimo valorizado: o novo alcance da dimensão íntima, afetiva, daquela expressão.
Por exemplo, no que respeita à expressão escrita, muitos de nós tentaram, em algum momento da vida, registrar impressões acerca tanto do que nos cerca quanto do que nos vai por dentro. Diários, poemas, comentários avulsos, diálogos íntimos freqüentemente tomados como infantis, pueris, costumavam ter antes o mesmo destino: o fundo da gaveta. Se dotados de qualidade literária - isto é, capazes de mobilizar afetivamente um número indeterminado de pessoas, entre outras implicações -, deles pouco se poderia saber, vez que, numa cultura onde o senso comum entendia o talento artístico como sobrenatural, os constrangimentos à divulgação eram consideráveis. Dessa forma, as aspirações de muitos a uma vida plenamente criativa encerravam-se prematuramente, assim como a perspectiva de interlocução em círculos afins e mais amplos.
E agora? Weblogs, sites, páginas pessoais decretam, segundo apocalípticos e integrados respectivamente, do fim da distinção entre o público e o privado ao florescimento de um cultivo ampliado da sensibilidade. O que antes não circulava encontra a oportunidade de se fazer conhecer muito além da experiência sensível, independentemente de instâncias (críticos, editoras etc.) sobre as quais a imensa maioria não tem controle. Se uma vez Jürgen Habermas definiu o século XVIII como "o século das cartas" - quando a explosão das correspondências pessoais deu partida à formação da esfera pública burguesa que posteriormente revolucionou o planeta -, o que amanhã dirão do século XXI, que se inicia com a promessa da expressão pessoal que enfim comunica - estética e afetivamente - de maneira irrestrita?
Somente há dois anos, na última edição do Fórum Social Mundial realizada em Porto Alegre, pude finalmente começar a perceber o alcance e profundidade dos múltiplos usos humanos das novas tecnologias. Após quase duas décadas envolvido com estudos sobre legislação e políticas de comunicação - regulamentação de mídias tradicionais e novas -, até então eu subestimava as perspectivas potencialmente revolucionárias da transição em curso: embora já reconhecesse o caráter estrutural de tais mudanças, em épocas de alegada desmobilização política a economia política por mim advogada tendia a absolutizar o que, das históricas desigualdades características de nossa sociedade, subsistiria na nova sociedade da informação. Não que a abordagem dos mecanismos de reprodução do poder dominante em novas condições não seja de importância fundamental; afinal, é da competência histórica do poder sua capacidade de bem reproduzir-se. Mas tal abordagem, se de fato histórica, tem de dar conta também dos aspectos insubordináveis das transformações sociais - aqueles elementos a princípio intratáveis que, uma vez fatores atuantes nas fissuras do real, abrem caminho para o (im)possível. Enfim, como indagou certo filósofo barbudo no século XIX, de que valeria compreender o mundo senão para transformá-lo?...
Assim, no turbilhão caleidoscópico de um evento extraordinário como aquele em Porto Alegre - o qual, diga-se de passagem, só se tornou possível com a mobilização dos novos movimentos sociais operando em rede -, meus olhos sofreram sua transição correspondente: ao invés de apenas procurarem o velho no novo, passaram a atentar cada vez mais para as particularidades do presente em rápida transformação.
Dali para cá, tenho procurado identificar nas novas tecnologias de comunicação - especialmente na Internet de incalculáveis implicações, conseqüências e possibilidades - as condições ditas materiais, objetivas, que permitiriam a um número crescente de seres humanos (segundo informações recentes, hoje ultrapassando um bilhão de indivíduos) reorganizarem, em graus variados e de diferentes maneiras, parte significativa de suas relações com o mundo; e ao longo desse processo, reciprocamente alterarem tais condições no sentido de uma superação acelerada, quantitativa e qualitativa, da velha ordem. Para além das discussões tornadas corriqueiras sobre a crise do jornalismo e seu impacto na formação dos novos profissionais - eixo temático do meu trabalho docente no UniCEUB -, gostaria de chamar atenção para um aspecto da transição menos discutido nas disciplinas que ministro: as novas tecnologias como veículos de possibilidades expressivas exponencialmente ampliadas, experimentadas integralmente como possibilidades comunicativas.
Aqui, refiro-me especificamente à expressão estética, cônscio de que, pelo menos desde Pierre Lévy, uma vasta literatura acadêmica e não-acadêmica tem se constituído sob a rubrica-tema da "cibercultura". À parte questões relacionadas à produção coletiva, arquitetura aberta, fim da autoria etc., neste rápido artigo desejo mencionar um tópico algo prosaico, que creio comum à maioria das pessoas, embora pouquíssimo valorizado: o novo alcance da dimensão íntima, afetiva, daquela expressão.
Por exemplo, no que respeita à expressão escrita, muitos de nós tentaram, em algum momento da vida, registrar impressões acerca tanto do que nos cerca quanto do que nos vai por dentro. Diários, poemas, comentários avulsos, diálogos íntimos freqüentemente tomados como infantis, pueris, costumavam ter antes o mesmo destino: o fundo da gaveta. Se dotados de qualidade literária - isto é, capazes de mobilizar afetivamente um número indeterminado de pessoas, entre outras implicações -, deles pouco se poderia saber, vez que, numa cultura onde o senso comum entendia o talento artístico como sobrenatural, os constrangimentos à divulgação eram consideráveis. Dessa forma, as aspirações de muitos a uma vida plenamente criativa encerravam-se prematuramente, assim como a perspectiva de interlocução em círculos afins e mais amplos.
E agora? Weblogs, sites, páginas pessoais decretam, segundo apocalípticos e integrados respectivamente, do fim da distinção entre o público e o privado ao florescimento de um cultivo ampliado da sensibilidade. O que antes não circulava encontra a oportunidade de se fazer conhecer muito além da experiência sensível, independentemente de instâncias (críticos, editoras etc.) sobre as quais a imensa maioria não tem controle. Se uma vez Jürgen Habermas definiu o século XVIII como "o século das cartas" - quando a explosão das correspondências pessoais deu partida à formação da esfera pública burguesa que posteriormente revolucionou o planeta -, o que amanhã dirão do século XXI, que se inicia com a promessa da expressão pessoal que enfim comunica - estética e afetivamente - de maneira irrestrita?
domingo, 18 de março de 2007
DOMINGUEIRA MENTAL
Um passeio ao passado acidentado dos temores
Adequado ao ocaso dos atores, de amores
Estirados de cansados desencontros
De sonhos oleosos de refregas
Dá-se por atalho forrado de cores
Que etéreas mitigaram dores
Colhidas flores - embora sabidas podres
Frutas fora de estação.
Um senão. Que nem corte tão íngreme
Nem por demais pedregoso
Comprometa um juízo
Este obtido penoso:
- Porque o bom retorno do retorno
faz-se adocicado dum acordo
estivado pelo tempo
(se da paixão, mau senhor
de mim não, por favor!...).
Adequado ao ocaso dos atores, de amores
Estirados de cansados desencontros
De sonhos oleosos de refregas
Dá-se por atalho forrado de cores
Que etéreas mitigaram dores
Colhidas flores - embora sabidas podres
Frutas fora de estação.
Um senão. Que nem corte tão íngreme
Nem por demais pedregoso
Comprometa um juízo
Este obtido penoso:
- Porque o bom retorno do retorno
faz-se adocicado dum acordo
estivado pelo tempo
(se da paixão, mau senhor
de mim não, por favor!...).
quarta-feira, 14 de março de 2007
sexta-feira, 9 de março de 2007
Estranha forma
Estranha essa minha forma de viver, que me faz pensar que estou condensando o tempo para resolver tudo depois. Na verdade, apenas deixo que ele passe matreiro e arraste consigo todas as chances, todas as oportunidades, todas as coerências e, quem sabe, para sempre.
Mais estranha é minha desambição de galgar caminhos que me não apontem apenas limites. Desejo estradas sortidas, condutoras, sedutoras. À frente, quero enxergar saídas e não bloqueios, flores e não apenas perfumes, sentir e não somente querer sentir.
Distante, vivo o inverso de tudo. Preparo-me para receber da vida o que ainda não lhe pedi. Espero o amanhã diferente, mesmo sabendo que nada virá. Sofro, antecipadamente, pela falta de tudo o que quero fazer porque sei que não o farei. E tenho saudade do tempo em que eu não era nada disso.
Ju
quarta-feira, 7 de março de 2007
TROIANA
Azuis e quentes
São os dias sem poentes
Que, pessoalmente
Assim, interiormente
Escondo em mim;
Contemporâneos doutras vezes
Alargados de repente
Tais buracos ascendentes
Consistem, gêiseres
Num presente à minha mente:
- Sem a noite que alterna
a caverna necessária
à malária descoberta
enfim; ainda que vera, ao fim
para além da vaporosa hera
desta bela, cálida quimera
a queda do trampolim...
São os dias sem poentes
Que, pessoalmente
Assim, interiormente
Escondo em mim;
Contemporâneos doutras vezes
Alargados de repente
Tais buracos ascendentes
Consistem, gêiseres
Num presente à minha mente:
- Sem a noite que alterna
a caverna necessária
à malária descoberta
enfim; ainda que vera, ao fim
para além da vaporosa hera
desta bela, cálida quimera
a queda do trampolim...
domingo, 4 de março de 2007
CORPORAL
Freqüente, penso
Tomar-se todo movimento
A esmo no presente
(independente, mesmo
de intenção que o movimente)
Por outro, alheio
Ao que se passa no momento;
Desloca-se, penso
Continuamente entendimento
(no vácuo entre o rabo fugidio
e a certeza do cabelo em desalinho)
Pelo tempo dividido de maneira
A esquecer de si o ocorrido;
Daí, o que em mim contraditório
Divórcio num hiato remanesce
(o fracasso permanente, a ser
um transitório sempre dever
que se esquece)
Incendeia, geleira carcomida
(do calo ralado à cabeceira)
A mente cuspida inteira
(desmedida dos pés à cabeça)...
Tomar-se todo movimento
A esmo no presente
(independente, mesmo
de intenção que o movimente)
Por outro, alheio
Ao que se passa no momento;
Desloca-se, penso
Continuamente entendimento
(no vácuo entre o rabo fugidio
e a certeza do cabelo em desalinho)
Pelo tempo dividido de maneira
A esquecer de si o ocorrido;
Daí, o que em mim contraditório
Divórcio num hiato remanesce
(o fracasso permanente, a ser
um transitório sempre dever
que se esquece)
Incendeia, geleira carcomida
(do calo ralado à cabeceira)
A mente cuspida inteira
(desmedida dos pés à cabeça)...
sábado, 3 de março de 2007
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007
SAÍDA DE QUINTA
Os sinais
Percebo iguais - acesos
Atalhos para o entendimento.
E se tais vejo
Tua sombra discretamente
Remover um dedo - serena
Meia-presença
De minha mente
Acalmo os nervos
Pretensos - e sento
Algo confortado
Na ampla poltrona do tempo parado.
E cotejo - silenciado
Aquela possibilidade
Longe de medonha
(pois conforme a vontade
rarefeita da imobilidade)
De ser verdade apenas isto:
- Se só peso
pensamentos
e despeço
sentimentos
(e de pensar mais sinto
muito! querida)
inexisto
o que existia...
Percebo iguais - acesos
Atalhos para o entendimento.
E se tais vejo
Tua sombra discretamente
Remover um dedo - serena
Meia-presença
De minha mente
Acalmo os nervos
Pretensos - e sento
Algo confortado
Na ampla poltrona do tempo parado.
E cotejo - silenciado
Aquela possibilidade
Longe de medonha
(pois conforme a vontade
rarefeita da imobilidade)
De ser verdade apenas isto:
- Se só peso
pensamentos
e despeço
sentimentos
(e de pensar mais sinto
muito! querida)
inexisto
o que existia...
domingo, 25 de fevereiro de 2007
EXPOSTO
Acima da média
Esta agonia - sem trégua
Sem aproximada medida
Ou régua - sem escala
Que reflita a rua larga atravessada
Avenida, quase infinita
Que tua ausência infinitiva
Enseja, desmedida
(sem qualquer perspectiva
da enregelada madrugada
amanhecer apenas fria)
Excita
A fina arritmia
Que lâmina, me fatia
Transparente
(sem qualquer anestesia)
Imprudente
Rente à vida...
Esta agonia - sem trégua
Sem aproximada medida
Ou régua - sem escala
Que reflita a rua larga atravessada
Avenida, quase infinita
Que tua ausência infinitiva
Enseja, desmedida
(sem qualquer perspectiva
da enregelada madrugada
amanhecer apenas fria)
Excita
A fina arritmia
Que lâmina, me fatia
Transparente
(sem qualquer anestesia)
Imprudente
Rente à vida...
terça-feira, 20 de fevereiro de 2007
Jardinagem
... vou entrar numa biblioteca sem fim, escolher poltrona confortável, sob luz adequada, sentar e aguardar com meus botões a coisa maturar. Por ti. Enquanto transitar entre pausas e leituras, corredores e estantes, esperar que a natureza cumpra o seu percurso; que o tempo faça o seu trabalho com o espaço necessário. Se houver por perto mesa, caneta e agenda do ano que se inicia, melhor, pois assim não rabiscarei o livro da hora que finda; em páginas nuas, antecipando o frescor do que não há ainda, tentarei mapear o caminho até o limite da alegria infinita de te saber. Não importa se na dor, na ausência, na chuva - pois pressinto a existência de algo neste vácuo cinza entre os dias que me lembra semente. Muda. Jardim...
Por ti, não há o que não valha a pena cultivar.
Por ti, não há o que não valha a pena cultivar.
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007
Cinzas
Quero de volta minha inocência, minhas crenças, a velha e boa mania de esperar pela melhor parte da história com a certeza de que chegará brevemente. Quero de novo acordar feliz, sem amargo na boca, sem me lembrar do que acabou de acontecer. Quero voltar a dormir.
Preciso sonhar com novos dias, viver novos amores, deixar que a vida se faça bela mais uma vez. Tenho cá dentro de mim um coração sofrido, castigado, quase inerte, que já não se ocupa em bater mais forte. E me ofusca. E despe dos meus olhos o brilho. E do meu sorriso, a lisura.
Os carnavais que outrora brinquei não se acabavam na quarta-feira e nada virava cinzas. Quero vestir, outra vez, fantasias. Quero sonhar, outra vez, todas as minhas eternas fantasias. Quero apagar da memória tudo o que aprendi nos últimos tempos. E voltar a ser feliz dentro do meu oportuno esquecimento.
Ju
Preciso sonhar com novos dias, viver novos amores, deixar que a vida se faça bela mais uma vez. Tenho cá dentro de mim um coração sofrido, castigado, quase inerte, que já não se ocupa em bater mais forte. E me ofusca. E despe dos meus olhos o brilho. E do meu sorriso, a lisura.
Os carnavais que outrora brinquei não se acabavam na quarta-feira e nada virava cinzas. Quero vestir, outra vez, fantasias. Quero sonhar, outra vez, todas as minhas eternas fantasias. Quero apagar da memória tudo o que aprendi nos últimos tempos. E voltar a ser feliz dentro do meu oportuno esquecimento.
Ju
domingo, 18 de fevereiro de 2007
Movimentos
Para correr mundo, construí asas. Colei-as nas costas, marcadas pelas cicatrizes de todas as quedas, mas já não havia ventos que me soprassem para tão longe. As asas apodreceram e caíram junto aos meus pés, que ainda suportavam o peso do corpo, do cansaço, da falta de ventos.
Se hoje sigo meu caminho correndo mundo em terra firme, não é somente pela ausência de asas. É por entender que os ventos jamais soprarão com a intensidade exata de que necessito. Mas meus pés haverão de acelerar os passos e me lançar mais longe; de me fazer demorar, se assim a vida pedir; e, quando for chegada a hora, interromper essa difícil caminhada.
Ju
Se hoje sigo meu caminho correndo mundo em terra firme, não é somente pela ausência de asas. É por entender que os ventos jamais soprarão com a intensidade exata de que necessito. Mas meus pés haverão de acelerar os passos e me lançar mais longe; de me fazer demorar, se assim a vida pedir; e, quando for chegada a hora, interromper essa difícil caminhada.
Ju
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007
Cidade dos sonhos
para mitigar a saudade da melhor cronista do mundo
Tenho amigos de infância que a vida se encarregou de deixar longe de mim. Venho do interior de Minas Gerais, de uma terra esquecida pelo tempo, onde o futuro ainda não aconteceu. Lá, meus amigos esperam por alguma coisa que nenhum deles sabe bem o que é, mas esperam. Indefinidamente.
Vim morar na capital do país e uma distância, muito mais que física, nos separou. Quando volto à minha cidadezinha, encontro-a exatamente como deixei. Os amigos também, quase iguais, não fosse o castigo dos anos. Para eles, vivo longe demais. Bem mais que os quatrocentos quilômetros marcados nas placas à beira da rodovia.
Para eles, moro na cidade dos sonhos. Chique. Os vizinhos que me dão bom dia são aqueles que os jornais exibem: deputados, senadores, ministros e o presidente da República. Acreditam que, por aqui, não vejo miséria: carros imponentes deslizam em asfaltos sem buracos nem lixos; o céu incomum é igualmente azul para todos; o verde abundante traz sempre a sensação de paz e conforto.
De certa forma, contribuo para manter a imagem que meus amigos formaram de Brasília. Quando vou até eles, levo fotos brilhantes que revelam o céu realmente azul, mas escondo que ele brilha menos para alguns. A arquitetura majestosa dissimula o contraste que eles não vêem. Melhor assim. Talvez o que aguardam seja exatamente isso: que os filhos ou netos cheguem até onde cheguei e testemunhem o futuro que eles só conseguiram ver pelas lentes da minha câmera.
Ju
11/07/06
Tenho amigos de infância que a vida se encarregou de deixar longe de mim. Venho do interior de Minas Gerais, de uma terra esquecida pelo tempo, onde o futuro ainda não aconteceu. Lá, meus amigos esperam por alguma coisa que nenhum deles sabe bem o que é, mas esperam. Indefinidamente.
Vim morar na capital do país e uma distância, muito mais que física, nos separou. Quando volto à minha cidadezinha, encontro-a exatamente como deixei. Os amigos também, quase iguais, não fosse o castigo dos anos. Para eles, vivo longe demais. Bem mais que os quatrocentos quilômetros marcados nas placas à beira da rodovia.
Para eles, moro na cidade dos sonhos. Chique. Os vizinhos que me dão bom dia são aqueles que os jornais exibem: deputados, senadores, ministros e o presidente da República. Acreditam que, por aqui, não vejo miséria: carros imponentes deslizam em asfaltos sem buracos nem lixos; o céu incomum é igualmente azul para todos; o verde abundante traz sempre a sensação de paz e conforto.
De certa forma, contribuo para manter a imagem que meus amigos formaram de Brasília. Quando vou até eles, levo fotos brilhantes que revelam o céu realmente azul, mas escondo que ele brilha menos para alguns. A arquitetura majestosa dissimula o contraste que eles não vêem. Melhor assim. Talvez o que aguardam seja exatamente isso: que os filhos ou netos cheguem até onde cheguei e testemunhem o futuro que eles só conseguiram ver pelas lentes da minha câmera.
Ju
11/07/06
domingo, 11 de fevereiro de 2007
DISTRAÇÃO ESPECULAR
Um silêncio uniforme de carteiro
(de agência interiorana de correio)
Embalando a vácuo o pensamento
No primeiro ar fresco da manhã
Atento o extravia ressentimento
Entre mim todavia e eu mesmo;
Por cedo encontrar-me ao relento
Na manhã do penúltimo aceno
À matéria obscura do universo:
- O que lá fora adentro
tenso imprime à hora
a definitiva pergunta
(na forma de verso
no verso da obra)
à infinita massa oriunda
de lama supostamente fecunda
perspectiva - a que indefinida perdura
(eternamente desconhecida)
outra coisa vivida.
(de agência interiorana de correio)
Embalando a vácuo o pensamento
No primeiro ar fresco da manhã
Atento o extravia ressentimento
Entre mim todavia e eu mesmo;
Por cedo encontrar-me ao relento
Na manhã do penúltimo aceno
À matéria obscura do universo:
- O que lá fora adentro
tenso imprime à hora
a definitiva pergunta
(na forma de verso
no verso da obra)
à infinita massa oriunda
de lama supostamente fecunda
perspectiva - a que indefinida perdura
(eternamente desconhecida)
outra coisa vivida.
quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007
(SER)ESTANDO
recordação de um dia perfeito
Sentado sobre a linha divisória de um instante
Fitando o azul branco no arvoredo verde-escuro
Entre o passado inconcluso e o futuro lusco-fusco
Estanco o momento extasiado deste dia claro
Por um minuto:
- A mesa, a comida, a bebida
do garçom, a atenção recebida
(os teus pares de mãos
de olhares, de lábios)
(sem presságios)
- Não é tudo perfeito, querida?!...
02/03/02
Sentado sobre a linha divisória de um instante
Fitando o azul branco no arvoredo verde-escuro
Entre o passado inconcluso e o futuro lusco-fusco
Estanco o momento extasiado deste dia claro
Por um minuto:
- A mesa, a comida, a bebida
do garçom, a atenção recebida
(os teus pares de mãos
de olhares, de lábios)
(sem presságios)
- Não é tudo perfeito, querida?!...
02/03/02
domingo, 4 de fevereiro de 2007
IMPOSSÍVEL VAZANTE
Se pudesse agora, eu iria
Embora de mim; iria
Assim, sem demora
Num instante basculante
De desespero profundo, adiante
Fecundo, quem sabe?
Iria sem medo, a pretexto
De avançar, cérebro adentro
Uma fórmula de inversão do sentimento
Que bem sinto o mal perfeito:
- O sentido duma onipresença
num código que me ausenta - que não entendo.
[seguir afora
desta hora parada
que morta não passa
de mais ilusão naufragada no familiar
mar mediterrâneo do tudo vegetativo
(das algas todas afetivo)
raso e tentacular
inimigo: pântano cansado
de ser meu deserto aflitivo
(jardim ferido de promessas
desatentas das pedras
decerto a caminho)]
Embora de mim; iria
Assim, sem demora
Num instante basculante
De desespero profundo, adiante
Fecundo, quem sabe?
Iria sem medo, a pretexto
De avançar, cérebro adentro
Uma fórmula de inversão do sentimento
Que bem sinto o mal perfeito:
- O sentido duma onipresença
num código que me ausenta - que não entendo.
[seguir afora
desta hora parada
que morta não passa
de mais ilusão naufragada no familiar
mar mediterrâneo do tudo vegetativo
(das algas todas afetivo)
raso e tentacular
inimigo: pântano cansado
de ser meu deserto aflitivo
(jardim ferido de promessas
desatentas das pedras
decerto a caminho)]
sábado, 3 de fevereiro de 2007
quarta-feira, 31 de janeiro de 2007
Da relação entre poesia, jornalismo e idiotia na contemporaneidade
Meseritscher, jornalista, saudado como 'o Homero de nossos tempos'
"Sem entrar na sutil distinção entre idiotas e cretinos, deve-se recordar que um idiota de certa gradação já não consegue formar o conceito de 'pais', enquanto a idéia de 'pai e mãe' é bastante corriqueira para ele. Esse simples e conetivo 'e' era o elo com que Meseritscher ligava os fenômenos da sociedade. Deve-se lembrar também que idiotas, na simples concretude de seu pensamento, possuem algo que segundo a experiência de todos os observadores fala misteriosamente à alma; e que poetas também falam especialmente à alma, até de maneira bastante parecida, pois devem se destacar por uma mentalidade o mais possível palpável. Portanto, se Friedel Feuermaul tratava Meseritscher como poeta, poderia do mesmo modo - quer dizer, pelas mesmas sensações que tinha obscuramente, o que nele significava: com súbita iluminação - tratá-lo como a um idiota, e de maneira significativa para a humanidade. Pois o que há em comum aí é um estado de espírito que não é sustentado por amplos conceitos, nem purificado por distinções e abstrações, um estado de espírito da mais baixa estruturação, manifesto na limitação àquela mais simples das conjunções, o 'e' que vai ligando tudo desamparadamente, que substitui, no fraco de espírito, relações mais complexas; e pode-se afirmar que também o mundo, sem falar em todo o espírito nele contido, se encontra num estado de imbecilidade semelhante ao aqui descrito, e não se pode evitar isso, se quisermos entender como um todo os fatos nele ocorridos."
Robert Musil, O homem sem qualidades. Tradução de Lya Luft e Carlos Abbenseth. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, pp. 1069-1070.
"Sem entrar na sutil distinção entre idiotas e cretinos, deve-se recordar que um idiota de certa gradação já não consegue formar o conceito de 'pais', enquanto a idéia de 'pai e mãe' é bastante corriqueira para ele. Esse simples e conetivo 'e' era o elo com que Meseritscher ligava os fenômenos da sociedade. Deve-se lembrar também que idiotas, na simples concretude de seu pensamento, possuem algo que segundo a experiência de todos os observadores fala misteriosamente à alma; e que poetas também falam especialmente à alma, até de maneira bastante parecida, pois devem se destacar por uma mentalidade o mais possível palpável. Portanto, se Friedel Feuermaul tratava Meseritscher como poeta, poderia do mesmo modo - quer dizer, pelas mesmas sensações que tinha obscuramente, o que nele significava: com súbita iluminação - tratá-lo como a um idiota, e de maneira significativa para a humanidade. Pois o que há em comum aí é um estado de espírito que não é sustentado por amplos conceitos, nem purificado por distinções e abstrações, um estado de espírito da mais baixa estruturação, manifesto na limitação àquela mais simples das conjunções, o 'e' que vai ligando tudo desamparadamente, que substitui, no fraco de espírito, relações mais complexas; e pode-se afirmar que também o mundo, sem falar em todo o espírito nele contido, se encontra num estado de imbecilidade semelhante ao aqui descrito, e não se pode evitar isso, se quisermos entender como um todo os fatos nele ocorridos."
Robert Musil, O homem sem qualidades. Tradução de Lya Luft e Carlos Abbenseth. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, pp. 1069-1070.
domingo, 28 de janeiro de 2007
METAFÍSICA NO BOTEQUIM
Mas nem sempre, do tempo ainda
Nublado; da porta afora, ao lado
Acima e abaixo, numa entrelinha
Vizinha; à sombra, à revelia
(por ora)
Da sinestésica toca
Celebro vivas
Alcoolizadas, tão minhas
Às mentais alamedas floridas
Impregnadas daquela espessura
Que perfumada asfixia - anestésica
Tijolada pouco aguardada, ou dura
Demais; vez que teimo, otimista
(no hiato entre o copo e o hálito)
Um fiapo daquela expectativa
De encontrar-me, a tal vida
Num guardanapo ordinário - qualquer dia
No qual perceba que exista
A perfeita identidade das coisas
Virando tranqüilas esquinas
(grão entre grãos moídos
pela eternidade / alma das covas
nesta terra corpórea / teatro
de operações não raro
auspiciosas)
Nublado; da porta afora, ao lado
Acima e abaixo, numa entrelinha
Vizinha; à sombra, à revelia
(por ora)
Da sinestésica toca
Celebro vivas
Alcoolizadas, tão minhas
Às mentais alamedas floridas
Impregnadas daquela espessura
Que perfumada asfixia - anestésica
Tijolada pouco aguardada, ou dura
Demais; vez que teimo, otimista
(no hiato entre o copo e o hálito)
Um fiapo daquela expectativa
De encontrar-me, a tal vida
Num guardanapo ordinário - qualquer dia
No qual perceba que exista
A perfeita identidade das coisas
Virando tranqüilas esquinas
(grão entre grãos moídos
pela eternidade / alma das covas
nesta terra corpórea / teatro
de operações não raro
auspiciosas)
sábado, 27 de janeiro de 2007
A ilusão do outro
"... as grandes paixões desenfreadas ligam-se ... ao fato de que o ser humano imagina que seu mais secreto eu o espreita atrás das cortinas dos olhos alheios."
Robert Musil, O homem sem qualidades. Tradução de Lya Luft e Carlos Abbenseth. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 953.
Robert Musil, O homem sem qualidades. Tradução de Lya Luft e Carlos Abbenseth. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 953.
sexta-feira, 26 de janeiro de 2007
AMEBA
O nada
Aleatoriamente nada
Na vasta emulsão hidrogenada
Que mediatamente transparece
Outras oleosas pequenices
Em viscosa sensação.
Aleatoriamente nada
Na vasta emulsão hidrogenada
Que mediatamente transparece
Outras oleosas pequenices
Em viscosa sensação.
terça-feira, 23 de janeiro de 2007
VIDA AQUÁTICA
Há, transparente
Uma parede
(silêncio de vidro)
A visão, o sentido
Parcialmente exercido
(fragmento ordenado
da coisa existindo)
O expresso ingerido
À pressa (a nado)
Por nada, adocico:
- Vez prevista
(aquário, peixes)
a manhã-piscina
(líquida e certa)
liquida comigo
(embaça a leitura
que me acontece)
Uma parede
(silêncio de vidro)
A visão, o sentido
Parcialmente exercido
(fragmento ordenado
da coisa existindo)
O expresso ingerido
À pressa (a nado)
Por nada, adocico:
- Vez prevista
(aquário, peixes)
a manhã-piscina
(líquida e certa)
liquida comigo
(embaça a leitura
que me acontece)
segunda-feira, 22 de janeiro de 2007
CREPUSCULAR
O ar úmido, quente
Vindo luar do outro
Lado diário do rosto
No espelho, dormente
Reacende a memória
Do corpo; e conota
(decerto escrupulosa)
Dedo indecente de prosa
Consigo somente
Acerca de outros
(noutras mentes)
Corpos remotos
Num cuidado recente
Frente ao estio
(pressentido negrume
breve definitivo)
Vindo luar do outro
Lado diário do rosto
No espelho, dormente
Reacende a memória
Do corpo; e conota
(decerto escrupulosa)
Dedo indecente de prosa
Consigo somente
Acerca de outros
(noutras mentes)
Corpos remotos
Num cuidado recente
Frente ao estio
(pressentido negrume
breve definitivo)
quinta-feira, 18 de janeiro de 2007
Argumentum ornithologicum
de Jorge Luis Borges, contido num e-mail a mim enviado anos atrás
"Fecho os olhos e vejo uma revoada de pássaros. A visão dura um segundo ou talvez menos; não sei quantos pássaros vi. Era definido ou indefinido o seu número? O problema intercala o da existência de Deus. Se Deus existe, o número é definido, porque Deus sabe quantos pássaros vi. Se Deus não existe, o número é indefinido, porque ninguém pôde fazer a conta. Nesse caso, vi menos de dez pássaros (digamos) e mais de um, contudo não vi nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três ou dois pássaros. Vi um número entre dez e um, que não é nove, oito, sete, seis, cinco, etc. Esse número inteiro é inconcebível; ergo, Deus existe."
"Fecho os olhos e vejo uma revoada de pássaros. A visão dura um segundo ou talvez menos; não sei quantos pássaros vi. Era definido ou indefinido o seu número? O problema intercala o da existência de Deus. Se Deus existe, o número é definido, porque Deus sabe quantos pássaros vi. Se Deus não existe, o número é indefinido, porque ninguém pôde fazer a conta. Nesse caso, vi menos de dez pássaros (digamos) e mais de um, contudo não vi nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três ou dois pássaros. Vi um número entre dez e um, que não é nove, oito, sete, seis, cinco, etc. Esse número inteiro é inconcebível; ergo, Deus existe."
quarta-feira, 17 de janeiro de 2007
REEDUCAÇÃO ALIMENTAR
Fecharam-se cedo portões
Aos sentidos; por todos idos
Vãos desejos de caminhos
Precisos de felicidade
Aborto a mais tola vontade
De toda devorar-te:
- Dos beijos aos refrescos
(ante a próxima tempestade)
por rios caudalosos
entre diques cautelosos
(as margens calculadas)
Cuidadoso ao volante
Navegante em espírito
Doravante inteiriço
Fronteiriço o bastante:
- Dos apetites, a princípio
de incêndios, o cinzeiro...
(para não mais ter
de cedo despender
essa energia; sofrer
ainda outro dia
breve desta vida
contigo a ponderar)
Aos sentidos; por todos idos
Vãos desejos de caminhos
Precisos de felicidade
Aborto a mais tola vontade
De toda devorar-te:
- Dos beijos aos refrescos
(ante a próxima tempestade)
por rios caudalosos
entre diques cautelosos
(as margens calculadas)
Cuidadoso ao volante
Navegante em espírito
Doravante inteiriço
Fronteiriço o bastante:
- Dos apetites, a princípio
de incêndios, o cinzeiro...
(para não mais ter
de cedo despender
essa energia; sofrer
ainda outro dia
breve desta vida
contigo a ponderar)
quarta-feira, 10 de janeiro de 2007
terça-feira, 9 de janeiro de 2007
ESPARSA
Um mar envidraçado
Trinca de repente; e cinza
Ex-aquário reluzente
Despenca peixes
Aos pedaços
Sobre a gente
E os carros
(e carroças e escarros)
Da Capital da República.
Da náufraga, suja correria
Sob o sobretudo escuro
(levemente curvo)
Que veste janeiro deste clima
Resulto esquina; caótica
Oficina, paralítica alegoria
Do tráfego que predomina.
Trinca de repente; e cinza
Ex-aquário reluzente
Despenca peixes
Aos pedaços
Sobre a gente
E os carros
(e carroças e escarros)
Da Capital da República.
Da náufraga, suja correria
Sob o sobretudo escuro
(levemente curvo)
Que veste janeiro deste clima
Resulto esquina; caótica
Oficina, paralítica alegoria
Do tráfego que predomina.
sábado, 6 de janeiro de 2007
CONSELHO PARA O VERÃO
Apreciem
Com moderação
A beleza fria
(em plena estação)
Da fina hipocrisia
(no rótulo verão!)
Da cerveja esguia...
(delícia!...)
Com moderação
A beleza fria
(em plena estação)
Da fina hipocrisia
(no rótulo verão!)
Da cerveja esguia...
(delícia!...)
sexta-feira, 5 de janeiro de 2007
VIZINHO
Esse ruído moído
[gralha metálica sobre a madeira áspera]
Que cedo tanto faz maltrata
Quantos forem nervos do ouvido
Quando cedo rasga aquela vista interior
(perspectiva da noite quietamente escura
amanhecida grande angular de idílica presença)
Felizmente logo dá-se por
Insatisfeito.
(como se cônscio vulcano
fosse, do apolíneo
desencanto da vígília)
[gralha metálica sobre a madeira áspera]
Que cedo tanto faz maltrata
Quantos forem nervos do ouvido
Quando cedo rasga aquela vista interior
(perspectiva da noite quietamente escura
amanhecida grande angular de idílica presença)
Felizmente logo dá-se por
Insatisfeito.
(como se cônscio vulcano
fosse, do apolíneo
desencanto da vígília)
quinta-feira, 4 de janeiro de 2007
A justa medida
"Entre um abismo de céu sobre a cabeça e um abismo de céu maldisfarçado sob os pés, somos capazes de nos sentir tão absolutamente tranqüilos na terra como num quarto fechado. Sabemos que a vida se perde igualmente nas desumanas vastidões do espaço e na desumana estreiteza dos átomos, mas, no meio disso, tratamos uma camada de formações como as coisas do mundo, sem nos deixarmos minimamente incomodar pelo fato de que não passam de uma preferência por impressões que captamos de uma certa distância média. Essa atitude está muito aquém de nosso entendimento, mas exatamente isso prova a força com que nossa emoção interfere. E com efeito, os mais importantes dispositivos intelectuais da humanidade servem à manutenção de um estado de espírito estável, e todas as emoções, todas as paixões do mundo, nada são diante do esforço gigantesco mas totalmente inconsciente despendido pela humanidade para manter sua soberba serenidade. Aparentemente, nem vale a pena falar disso, tão impecável é seu funcionamento. Mas, olhando melhor, é um estado de consciência altamente artificial, que permite ao homem andar ereto entre o giro dos astros, e enfiar dignamente a mão entre o segundo e terceiro botões do casaco, em meio a esse desconhecimento praticamente infinito do mundo."
Robert Musil, O homem sem qualidades. Tradução de Lya Luft e Carlos Abbenseth. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, pp. 561-562.
Robert Musil, O homem sem qualidades. Tradução de Lya Luft e Carlos Abbenseth. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, pp. 561-562.
PERFEITO
O melhor amor do mundo
(do perfeito intento
nesta terra de extremos)
Não consegue esquecer
Deste esforço supremo
(pero no mucho)
O que acabei de lhe dizer
(em pensamento):
- Inexplicável a alegria
da dor que caminha
junto ao ausente
presente de rever-te...
(do perfeito intento
nesta terra de extremos)
Não consegue esquecer
Deste esforço supremo
(pero no mucho)
O que acabei de lhe dizer
(em pensamento):
- Inexplicável a alegria
da dor que caminha
junto ao ausente
presente de rever-te...
quarta-feira, 3 de janeiro de 2007
DO DICIONÁRIO X
Ela: a viva
Quiçá bela
Outra vida.
Eu: sinto
Logo existo
Em exílio.
Nós: a arte
De desatá-los
Barcos.
Quiçá bela
Outra vida.
Eu: sinto
Logo existo
Em exílio.
Nós: a arte
De desatá-los
Barcos.
terça-feira, 2 de janeiro de 2007
DOS ELEITOS
Por que assim tolos
São aqui aqueles
Sôfregos de poderes
Em sociedade
Se logo ali jogos
Perderemos
Trôpegos os prazeres
Da mocidade
E enfim de todos
Descansaremos
Espertos, néscios - entre dizeres
De fôlego derradeiro
No Jardim
Da Saudade?...
São aqui aqueles
Sôfregos de poderes
Em sociedade
Se logo ali jogos
Perderemos
Trôpegos os prazeres
Da mocidade
E enfim de todos
Descansaremos
Espertos, néscios - entre dizeres
De fôlego derradeiro
No Jardim
Da Saudade?...
segunda-feira, 1 de janeiro de 2007
O maior desejo
... que seja esta a última vez que entro o ano sem o brilho amoroso dos teus olhos, o teu abraço macio, a tua palavra de estímulo - sem o beijo que roubo da fenda eterna do teu sorriso. Que das próximas vezes - todas as vezes, até que não mais seja - o destino me conceda o privilégio da tua presença a iluminar as passagens, todo o caminho: a viagem de viver neste mundo fazendo sentido.
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