sábado, 24 de março de 2012

ROLLING

Enquanto espero
(fervendo interno)

na expectativa adocicada
por delícias bem-dispostas (posto
que as considero)

meus olhos erram

de mesa
(de presa)
da cesta

de moedas

etéreas que este cassino aéreo
me empresta...

quarta-feira, 21 de março de 2012

PERSPECTIVA

O horizonte total
(da absoluta inexistência de degraus)

que areja

a linha aturdida à frente da cabeça
(em dia)

talvez escureça
- tão claro o boquiaberto espaço em revista

a dita

antes que anoiteça.

segunda-feira, 19 de março de 2012

LAMENTO MUITO

Há dias não escrevo.
(talvez fingisse
que devia)

Tampouco cansado
por outras lidas.
(só ocupado)

Mas emagrecido
de mais contatos
regressivos:

- rotina contábil
(a vida retrátil)

que aos meus tratados
precariza.

domingo, 11 de março de 2012

O verso e a prosa, segundo o poeta

diferenças

"Se eu chegasse ao pé do leitor e lhe dissesse: 'Esse seu automóvel não é um veículo, porque não é puxado por cavalos', é provável que o leitor não aceitasse como bom, ou pelo menos como dito a sério, o meu argumento. Quando alguém chega ao pé de mim e me diz: 'Este poema não é poema porque está feito em linhas que não têm medida regular, que não têm rima, que se não podem medir nem ler como versos', essa pessoa [faz] uma afirmação em nada diferente daquela minha afirmação hipotética sobre o automóvel do leitor.

***

O verso difere da prosa não só materialmente, mas mentalmente. Se não diferisse, não haveria nem uma coisa nem outra, ou haveria só uma que fosse uma espécie de mistura de ambas. O estado mental que produz verso é diferente do estado mental que produz prosa. A diferença exterior entre a prosa e o verso é o ritmo; a diferença interior entre a prosa e o verso será a entre um estado mental que naturalmente se projecta em simples palavras, e um estado mental que naturalmente se projecta em ritmo feito com palavras.

***

Há ritmo na prosa, e há ritmo no verso. No verso, porém, o ritmo é essencial; na prosa não é, é acessório - uma vantagem, mas não uma necessidade. No fundo não há verso nem prosa..."

Fernando Pessoa, "Poesia e ritmo". In Obras de Fernando Pessoa, vol. III (poesia). Lisboa: Promoclube, pp. 105-106.

Aristotélico Pessoa

um apontamento

"A literatura dramática é uma subespécie de literatura narrativa, e esta uma espécie do género literatura.
A literatura é a expressão verbal de um temperamento; a literatura narrativa a forma objectiva dessa expressão verbal; a literatura dramática a forma màximente objectiva - ou seja, a forma sintética - dessa expressão objectiva. Um drama não é mais que um romance na sua forma máxima de síntese possível. É por atingir esta objectividade máxima que ele pode receber a aparência de vida, isto é, que ele pode ser simulado num palco por pessoas a que se chama actores.
As qualidades possíveis do drama resultam, portanto, de três origens. Há as que ele tem em comum com todas as formas literárias, visto que ele é literatura; há as que ele tem, mais particularmente, em comum com todas as narrativas literárias; e há as que lhe são próprias como forma màximamente sintética da narrativa literária.
Há três espécies de drama: o tipo sintético, que busca incluir em si, equilibrando-as, as três ordens de qualidades que ao drama são possíveis; o tipo analítico, que busca apresentar só as qualidades particulares e distintivas do drama; e o tipo misto, que busca reunir, conforme possa ser, as qualidades desses dois tipos.
O tipo sintético do drama atinge a sua plenitude no drama em verso. Por ser em verso atinge o máximo da expressão verbal de um temperamento, que em verso se acentua muito mais que em prosa. Por ser drama reduz essa [expressão] verbal à objectividade."

Fernando Pessoa, "Apontamento". In Obras de Fernando Pessoa, vol. III (poesia). Lisboa: Promoclube, pp. 103-104.

quinta-feira, 8 de março de 2012

FINA

E de banda
veio mínima

a lâmina
que me fulmina.

Fez a curva
(meia-lua)

reta e limpa
(não havia).

Evitá-la
descabia

(agilíssima);

simular desvio
(do fio) devia:

- a disfarçar a ida
da jugular ferida.

Ainda que esvaia
manter a linha

(de passos de praia).

[como a vida
quando grita

agonística

retinta

rejuvenescida]

segunda-feira, 5 de março de 2012

NO RITMO DA LESMA À FACA CONDENADA

a João Cabral de Melo Neto

Há um vibrato
sopesando

(mezzo atroz)

o agridoce
móvel cardo

me cortando
vagaroso

no que atento
legalmente

por tua voz.

[tratando-se
(ao telefone)

da presença
incorpórea
modulada
da memória]

domingo, 4 de março de 2012

LUZ

a Zaritè

Como não ser
previsível?

Imperturbar
tua beleza

- de estar nua
sem defesas

apressado?

Descaminhar
(rebobinar)

este filmar
precipícios?

Esquecê-los
num hospício?

As palavras
nos são caras

- certos atos
impagáveis

(e passados
e destinos);

desusá-los
impossível...

Como prever
(e te-bem-ver)

invisível?

quinta-feira, 1 de março de 2012

THE CAPTAIN CAUGHT HIS FIRST PREY

Deu pena.

Deixei apenas
gotas vermelhas

(umas dezenas)
pelo caminho.

As penas, aspirei
compungido:

- um passarinho
um filhotinho
(um desperdício).

***

Sei da natureza dele
de Cisco sobre um cístico
DNA explodindo:

- de instinto tingido à pele
do inocente que assassino
a contrapelo parece

Freddy Krueger
Jason Voorhees

simply Jack

numa segunda, 27.