EM FRENTE À TEVÊ XIX

quadra besta

Sábado cedo

ligar a tevê

concede vê-lo

sentado à mercê.

OBNUBILANDO

Nuvens recheiam

de tal mau humor


este céu pastel;


liquefariam

sobre o meu batel


e engoliriam

todo o seu farnel


fosse eu pescador:


- mas são do pincel

mental multicor


eu, o barco ao léu

e o mar interior.

MAYAS

A vida vivida

é uma fatia.


(a vida vivida

é uma fatia

de fatias finas)



1. a vida vivida

é uma fatia

de qual vida viva?


(de vida parida?)
[de vida colhida?]
{de vida abatida?}



2. a vida vivida

é uma fatia

da tal vida tida?


(da vida partida?)
[da vida seguida?]
{da vida dormida?}



3. a vida vivida

é uma fatia

do que mal seria?


(do que quereria)
[do que poderia]
{do que deveria}


...


(a vida vivida

é uma fatia

de vida fugida:

de vida ferida

e comida viva)


...


[a vida vivida

(a subjetiva)

é uma fatia

(da objetiva)]



{a vida vivida

[a objetiva]

é uma fatia

[da subjetiva]}

[DUPLA] QUADRA RESISTENTE

Um sol em riste

à tarde insiste


que há momentos de luz

em tempos sombrios.


[como um habeas corpus

lembrando ao arbítrio


o seu princípio

ao precipício]

EM FRENTE À TEVÊ XVIII

compensação culé

Se a tela é toda verde

e a gente é toda agente

são estes onze seres

sobre o verde tapete

o time de Valverde.

(se então os mereceres

na vida entre paredes)

[se nela pareceres]

{se dela padeceres}

QUINTILHA VIZINHA

O cão que late

agora à tarde

(ora escarlate)

quer chocolate

[ração à parte]

QUADRA DA ESTAÇÃO

[uma garagem

regurgita a água suja

que choveu bendita cuja

à superfície]

QUADRA RESISTENTE XXXVI

a Marielle Franco

Onde fica o fundo

largo disso tudo?

Longo? Raso? Curto?

Estreito? Afeito?

Onde termina o fim?

Começará enfim?

Tu - que desconheci

quando estiveste aqui

cuidando do jardim

agora que não mais

(agora que entre sais)

talvez saibas melhor

(o que caiba melhor)

por todos os demais.

QUADRA DESCANSADA

[o homem primitivo

quando come e dorme

sonha que o futuro

também lhe pertence]

EPITÁFIO ALEGRE

Do pó eu vim

um benjamim

assim cupim;


no pó festim

meio chupim

vivi tintim;


ao pó enfim

em camucim

pirlimpimpim!

SURDA-MUDA

confissão

[existe um troço

(poço, brasa, esboço
quiçá destroço)

que chamavam 'Brasil'

com toda a sua riqueza
e toda a sua miséria

em toda a sua beleza

que eu amo infantil
só por haver sido]

COMO ERA

tempo reinol

Manhãs azuis

tardes azuis

noites anzóis

entre arrebóis:

- havia a espera

que então se espera

(qual esperança

da madrugada

talvez o dia)

QUADRA DE ONTEM TARDE

[uma garagem

refulgia os teus desejos

por mais vespertinos beijos

na superfície]

QUADRA DE HOJE CEDO

[uma garagem

refugia o meu sossego

face ao matutino cerco

da superfície]

NESTA CONDIÇÃO

Um homem primitivo

ao nível do indivíduo


contempla a bolinha amarela de gás condensado


luzindo indiferente

acima do seu destino


e para si diz assim

não sem certo desafio:


- eu sou qual arlequim

entre outros da mesma corja;


eu nunca desisto

do meu pedaço da torta...

EM FRENTE À TEVÊ XVII

átimo

Segunda-feira:

- segundo à beira

da companheira

na cavaqueira

à cabeceira

(de um jabaculê)

em frente à tevê.

EM FRENTE À TEVÊ XVI

Ponho no silencioso

fico só com a imagem.

O que há de tormentoso

calado na paisagem

mantenho obsequioso

parado na passagem.

...

Tiro do silencioso

agora sem a imagem:

- o que há de aventuroso

afora o caviloso

no aperto da mensagem

por sentidos que viajem?...

CEDO II

A manhã veio

cosmológica

simbológica

mitológica

teleológica

(melancólica)

amanhã, creio...