sexta-feira, 27 de outubro de 2006

CONSTATAÇÃO

O que colapso
Adentro
Do tempo segundo
Meu conceito

Me ensina
Da sua passagem
Acima (e ao lado):

- Do amor
(embora amor se crê)
nada posso esperar.

domingo, 22 de outubro de 2006

Na longa estrada para a velhice

Meu labirinto bichou. Entre todas as afecções que imaginei adquirir quando a máquina que sou começasse a falhar, esta nunca cogitei. A leve tontura permanente que traz levou-me ao recolhimento - para senti-la melhor, se possível apalpá-la, decompô-la para saber dos seus limites, das mudanças que ela porventura trará ao resto de mim. Por enquanto, a registrar, a impressão desagradável de ter enfim de recorrer a outras instâncias que não a farmácia maravilhosa do corpo e sua mente, mobilizáveis num ato independente, solitário, de vontade de resolução.

No mais, a constatação de que o espelho não será, adiante, o único meio de checar existencialmente a passagem do tempo: a partir de agora, a máquina maravilhosa que habito torna-se relógio, creio, com um número crescente de ponteiros impossíveis de ignorar.

Começo - de fato, porque forçosamente consciente - a caminhada em declive.

sábado, 21 de outubro de 2006

DERROTA DE VESTIÁRIO

Do ardor que em tudo dispensa
O argumento que enfim despeita
Não falo (se tanto, tolo o sinto
preciso emborcando os sentidos)

E caso nele penso (no desvario
deliberado deste tiro perdido)
Desarmado, só calado dele faço
Palavreado sem registro, placa

Indicativa de nada, desapontada
Guia de caminhos que não digo
Estradas - desnecessárias vias
Sacras iluminadas avenidas:

- Por onde brancas faixas retilíneas
curvam a vista, que senão turva
acredita que desvia...

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

NA TORRE

Às vezes, ainda reivindico
Do orvalho matutino, o imprevisto
Carvalho à sombra do cansaço
Da estrada poeirenta a pino;

É que quase acredito conceber
O mito de poder surpreender
O nada-a-fazer nisto; outras vezes, antecipo
Vicioso cenário de virtudes, pressuroso

Campanário emparedado partitura
Repetida, há muito urdidura
De canários restritiva, embora trilha

Sonora da estrada percorrida:
- Do imprevisto emparedado
campanário de carvalho.

sábado, 14 de outubro de 2006

Insônia

Deixe que eu encontre nos lençóis da sua cama o aconchego que me falta em dias como o de hoje. Quero ser a dona dos seus pensamentos e a realizadora de todas as suas fantasias. Deslize as mãos na minha pele até encontrar o que procura em mim e ali demore o tempo que quiser.

Dono da minha insensatez, é por você que vou juntar meus pedaços! E quando eu puder me contemplar outra vez inteira, que você esteja no mesmo espelho, dentro do mesmo olhar. Faça de mim a cúmplice dos seus segredos, seu brinquedo preferido. E que essa expectativa vença minhas noites de insônia e me faça dormir todas as horas que mereço.

Ju

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

SALA DE ESPELHOS

Retorno aonde estive
Mil vezes, e neste piso
Gasto de revezes, repasso
Comigo o velho caminho

Até a porta dos mil erros
Novos, daqueles acertos
Tortos, desapercebidos
Prazeres que pressinto

Deveres com outrem:
- Algum desconhecido
aquém desse antigo

modo de ser abismo
opaco, qual narciso
que igual naufrago...

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

QUE PERGUNTA É ESTA?

ao José Matias, de Eça de Queirós

Por que o destino
Qual esquina a dobrar

[véu, semente, a promessa
daquelas próximas férias;
o belo adormecido
(num descanso imerecido)
princípio feminino;
o que, desconhecido
assegura-se definitivo
tonificante capilar]

Eterna em outra rua
(noutra tarde, lua, lugar
à parte do sistema solar)
Cinderela andará?...

segunda-feira, 9 de outubro de 2006

TÃO CEDO ASSIM

Ao sentir o chão
Penosamente branco
Da manhã nascente

Entrando a estação
Úmida dos cacos
Pisados reluzentes

Reflito mães d'água
Iaras alquebradas:
- Sereias decadentes
de fala enluarada...

(caso recorrente
de mente fraturada:
- calçando o passo
até o poente)

domingo, 8 de outubro de 2006

FUGA NO BARQUINHO DE PAPEL

Quando chove forte, e a água pura
Lava a pedra imunda, e verticaliza
Ruidosa a expectativa de, em seguida
- ao inundar a hora, a rua, a vista -
Confirmar-se quase limpa

Tenho ímpetos de dissolver-me
Antiácido, sem efervescências
De consciência, ou sentimentos
Cristalizados açucareiros:

- Desobedecer a gravidade dos fatos, e tubular
(obedecendo estreito à gravidade dos ratos)
vazar de onde contrafeito estive
(num respeito fugaz ao declive)

para outro lugar...

sábado, 7 de outubro de 2006

CONTEMPORÂNEA

Às vezes desapareço
Sumidouro de vontades: e o apreço
Com que quase experimento a cidade
(da colina além-vazia de olhares
desarmada à vista de verdades)

Amesquinha-se vila, removida
Da sociedade magnífica dos prazeres
Vagarosamente palafita nos dizeres.

E às vezes se soergo (um braço)
Deste tédio pleno, vácuo
Chumbado ao leito, contrário

À cosmopolita urbanidade
De uma vida de oportunidades
(das cinzas fotografadas
em desdobradas paisagens)

Paro. Para tentar despovoar
Um cansaço secular.

Minhas histórias

Muito longe da calmaria da minha criancice, vivo amarguras que só conhecia nas histórias. Ainda me lembro do aperto no peito ao ler historinhas infantis e ver que o mal prevalecia tempo demais. O fim era bom, mas sempre achei que não era bom o suficiente para compensar a agonia do enredo. Fechava o livro, deixando entre as páginas minha repulsa, minha indignação.

Hoje me vejo personagem desses episódios. Vivo, de novo, as mesmas angústias. Sinto o peito apertado e sofro com o desenrolar das minhas histórias. Como na infância, aguardo ansiosa o final feliz, mas torço para que ele demore um pouco mais. Pois quando o desfecho chegar, e eu tiver que fechar o meu livro, no lugar da repulsa inocente entre as páginas, deixarei a madura anuência de quem já não acredita em bicho-papão.

Ju