quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

SAÍDA DE QUINTA

Os sinais
Percebo iguais - acesos
Atalhos para o entendimento.

E se tais vejo
Tua sombra discretamente
Remover um dedo - serena

Meia-presença
De minha mente

Acalmo os nervos
Pretensos - e sento
Algo confortado

Na ampla poltrona do tempo parado.

E cotejo - silenciado
Aquela possibilidade
Longe de medonha

(pois conforme a vontade
rarefeita da imobilidade)

De ser verdade apenas isto:
- Se só peso
pensamentos
e despeço
sentimentos

(e de pensar mais sinto
muito! querida)

inexisto
o que existia...

domingo, 25 de fevereiro de 2007

EXPOSTO

Acima da média
Esta agonia - sem trégua
Sem aproximada medida

Ou régua - sem escala
Que reflita a rua larga atravessada
Avenida, quase infinita

Que tua ausência infinitiva
Enseja, desmedida

(sem qualquer perspectiva
da enregelada madrugada
amanhecer apenas fria)

Excita

A fina arritmia
Que lâmina, me fatia

Transparente
(sem qualquer anestesia)

Imprudente
Rente à vida...

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Jardinagem

... vou entrar numa biblioteca sem fim, escolher poltrona confortável, sob luz adequada, sentar e aguardar com meus botões a coisa maturar. Por ti. Enquanto transitar entre pausas e leituras, corredores e estantes, esperar que a natureza cumpra o seu percurso; que o tempo faça o seu trabalho com o espaço necessário. Se houver por perto mesa, caneta e agenda do ano que se inicia, melhor, pois assim não rabiscarei o livro da hora que finda; em páginas nuas, antecipando o frescor do que não há ainda, tentarei mapear o caminho até o limite da alegria infinita de te saber. Não importa se na dor, na ausência, na chuva - pois pressinto a existência de algo neste vácuo cinza entre os dias que me lembra semente. Muda. Jardim...

Por ti, não há o que não valha a pena cultivar.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Cinzas

Quero de volta minha inocência, minhas crenças, a velha e boa mania de esperar pela melhor parte da história com a certeza de que chegará brevemente. Quero de novo acordar feliz, sem amargo na boca, sem me lembrar do que acabou de acontecer. Quero voltar a dormir.

Preciso sonhar com novos dias, viver novos amores, deixar que a vida se faça bela mais uma vez. Tenho cá dentro de mim um coração sofrido, castigado, quase inerte, que já não se ocupa em bater mais forte. E me ofusca. E despe dos meus olhos o brilho. E do meu sorriso, a lisura.

Os carnavais que outrora brinquei não se acabavam na quarta-feira e nada virava cinzas. Quero vestir, outra vez, fantasias. Quero sonhar, outra vez, todas as minhas eternas fantasias. Quero apagar da memória tudo o que aprendi nos últimos tempos. E voltar a ser feliz dentro do meu oportuno esquecimento.

Ju

DO DICIONÁRIO XIII

Retorno: pródiga
Revisita do amor
Por toda a vida.

domingo, 18 de fevereiro de 2007

Movimentos

Para correr mundo, construí asas. Colei-as nas costas, marcadas pelas cicatrizes de todas as quedas, mas já não havia ventos que me soprassem para tão longe. As asas apodreceram e caíram junto aos meus pés, que ainda suportavam o peso do corpo, do cansaço, da falta de ventos.

Se hoje sigo meu caminho correndo mundo em terra firme, não é somente pela ausência de asas. É por entender que os ventos jamais soprarão com a intensidade exata de que necessito. Mas meus pés haverão de acelerar os passos e me lançar mais longe; de me fazer demorar, se assim a vida pedir; e, quando for chegada a hora, interromper essa difícil caminhada.

Ju

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Cidade dos sonhos

para mitigar a saudade da melhor cronista do mundo

Tenho amigos de infância que a vida se encarregou de deixar longe de mim. Venho do interior de Minas Gerais, de uma terra esquecida pelo tempo, onde o futuro ainda não aconteceu. Lá, meus amigos esperam por alguma coisa que nenhum deles sabe bem o que é, mas esperam. Indefinidamente.

Vim morar na capital do país e uma distância, muito mais que física, nos separou. Quando volto à minha cidadezinha, encontro-a exatamente como deixei. Os amigos também, quase iguais, não fosse o castigo dos anos. Para eles, vivo longe demais. Bem mais que os quatrocentos quilômetros marcados nas placas à beira da rodovia.

Para eles, moro na cidade dos sonhos. Chique. Os vizinhos que me dão bom dia são aqueles que os jornais exibem: deputados, senadores, ministros e o presidente da República. Acreditam que, por aqui, não vejo miséria: carros imponentes deslizam em asfaltos sem buracos nem lixos; o céu incomum é igualmente azul para todos; o verde abundante traz sempre a sensação de paz e conforto.

De certa forma, contribuo para manter a imagem que meus amigos formaram de Brasília. Quando vou até eles, levo fotos brilhantes que revelam o céu realmente azul, mas escondo que ele brilha menos para alguns. A arquitetura majestosa dissimula o contraste que eles não vêem. Melhor assim. Talvez o que aguardam seja exatamente isso: que os filhos ou netos cheguem até onde cheguei e testemunhem o futuro que eles só conseguiram ver pelas lentes da minha câmera.

Ju

11/07/06

domingo, 11 de fevereiro de 2007

DISTRAÇÃO ESPECULAR

Um silêncio uniforme de carteiro
(de agência interiorana de correio)
Embalando a vácuo o pensamento
No primeiro ar fresco da manhã

Atento o extravia ressentimento
Entre mim todavia e eu mesmo;
Por cedo encontrar-me ao relento
Na manhã do penúltimo aceno

À matéria obscura do universo:

- O que lá fora adentro
tenso imprime à hora
a definitiva pergunta

(na forma de verso
no verso da obra)

à infinita massa oriunda
de lama supostamente fecunda

perspectiva - a que indefinida perdura
(eternamente desconhecida)
outra coisa vivida.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

(SER)ESTANDO

recordação de um dia perfeito

Sentado sobre a linha divisória de um instante
Fitando o azul branco no arvoredo verde-escuro
Entre o passado inconcluso e o futuro lusco-fusco
Estanco o momento extasiado deste dia claro
Por um minuto:

- A mesa, a comida, a bebida
do garçom, a atenção recebida

(os teus pares de mãos
de olhares, de lábios)

(sem presságios)

- Não é tudo perfeito, querida?!...

02/03/02

domingo, 4 de fevereiro de 2007

IMPOSSÍVEL VAZANTE

Se pudesse agora, eu iria
Embora de mim; iria
Assim, sem demora
Num instante basculante
De desespero profundo, adiante
Fecundo, quem sabe?

Iria sem medo, a pretexto
De avançar, cérebro adentro
Uma fórmula de inversão do sentimento
Que bem sinto o mal perfeito:
- O sentido duma onipresença
num código que me ausenta - que não entendo.

[seguir afora
desta hora parada
que morta não passa

de mais ilusão naufragada no familiar
mar mediterrâneo do tudo vegetativo
(das algas todas afetivo)
raso e tentacular

inimigo: pântano cansado
de ser meu deserto aflitivo

(jardim ferido de promessas
desatentas das pedras
decerto a caminho)]