quinta-feira, 31 de março de 2016

REVISITA 124: GATO PRETO

a Paw

Espelho de mim, ensina-me a caminhar maneiro, perfeito
Pelos becos e ruelas do meu bairro turvo, leito de sombras
Por entre pedras redondas, onde sem quedas ou percalços
Desapercebido iria, o passo mudo entre vultos familiares...

Na vizinhança calma dos sentidos, felino, o olhar vítreo
Brincaria de ser meu teu par amarelo de contas de brilho
Rasgos luzidios no negro hiato dum silêncio emparedado
Coalhada a mente de andares virgens e lugares esboçados...

O que de ti percorrido sou, reflexo alquebrado de fundo falso
Lago fugidio de telhados escuros que ligeiros passeiam, altos
Solicita o arranjo noturno do que não vejo sob as horas claras;

Dos impulsos que retenho impassível face à madrugada opaca
No vento quieto, agasalho frio de esperanças a fio natimortas
Nutro o desejo morno do teu equilíbrio suspenso em estrelas...

17/04/1997

Nota sobre o Projeto Revisitas

Este Projeto chega finalmente à sua última fase - pouco mais de três dezenas de poemas, escritos entre 1997 e 2006, reunidos numa pasta intitulada "poemas soltos".

Os critérios para a sua seleção e postagem, já mencionados neste blog, continuam os mesmos.

M. B.

quarta-feira, 30 de março de 2016

NOTA PREGRESSA

desde Belmiro?

Não há poesia
que conseguisse

naquela vida
que lhes servisse

nem nesta. Vidas
que conduzissem

sem as vertigens
de algaravias

icterícias
de companhias

de portarias
capitanias

[de aleivosias
que nos maldigam

desde a província]

27/03/16

MANHÃ JUIZ-FORANA

O sol do Paraibuna

sai. Caem, uma a uma

as luas de suas ruas

despetalando nuas

(anzóis no Paraibuna)

27/03/16

terça-feira, 29 de março de 2016

ANIVERSÁRIO JUIZ-FORANO

singular e inesquecível

A festa das irmãs

(seresta da mamã)

gerou algum afã

de alguma lida grã

no círculo do clã;

a festa das irmãs

(à testa outras irmãs)

entre alegrias fãs

cevou condutas chãs

no círculo do clã;

a festa das irmãs

levou disputas vãs

(arestas pra amanhã)

pro colo dos divãs

no círculo do clã;

a festa das irmãs

intumesceu titãs

e envaideceu terçã

aquelas sabichãs

do círculo do clã...

...

[na festa das irmãs

a besta sem elã

que fui pela manhã

(os dentes nas maçãs)

trataram de tantã;

mas graças a Tupã

num desses amanhãs

recordarei louçã

(na boca uma hortelã)

da festa das irmãs]

quarta-feira, 23 de março de 2016

INFECCIOSA

à senhora da última semana

A dengue
consegue:

- canhengue
me segue

derrengue
que pegue

de um jegue
que rengue

xerengue
me entregue

perrengue
que chegue

e dengue
prossegue...

terça-feira, 15 de março de 2016

segunda-feira, 14 de março de 2016

QUADRA GOLPISTA VI

a propósito da recepção a Aécio Neves, Geraldo Alckmin
e Marta Suplicy na passeata de ontem em São Paulo

Vosso ovo da serpente

chocado diligente

irrompe (de repente!)

chocalhos insolentes...

domingo, 13 de março de 2016

QUADRA GOLPISTA V

embora soneteie a décima treva em marcha

Há o ar irrespirável

e a água corrompida;

o fogo incontrolável

e a terra consumida.

...

[desse quadro notável
um outro, adaptável

(cronicamente instável
perfeitamente em dia

com o antro inabitável
vipéreo das porfias)

emerge, abominável
auspício da neblina

(propício à surdina
cinérea das rapinas)]

quinta-feira, 10 de março de 2016

QUADRA GOLPISTA IV

embora relativa ao quarto dia deste março

Ao que ladra
pela vara

a sua tara
descarada

(e dispara
a culatra):

- por que ladras
entre ladrões?

- aceitação?
- bajulações?

(contracapas
de alguns patrões?)

- suposições?
- convicções?

- outras searas?...

- outros balões?...

...

[ao que ladra
por atenção:

- não se enquadra
percepções!...]

quarta-feira, 9 de março de 2016

PASTORIL

Não gosto dos sonhos que tenho
(aqueles que acordam no cenho).

Desgosto dos sonhos que tenho.

Noite à tarde, tarde cedo
cedo o dia ou dia ao meio

são melancólicos. Remotos.
Zigotos. Brotos. Ignotos.

São verdes e rotos. Neles nada empenho
porque nada desempenho.

Imoto piloto
da vida em que venho

pergunto que engenho
simbólico (católico, diabólico)

desenho ou desdenho

quando sonho e pesadelo
cada vez são mais o mesmo:

- em vez de sonhos bucólicos
por que não sonos bucólicos?...

(não gosto dos sonos que tenho)

segunda-feira, 7 de março de 2016

REVISITA 123: FLORIPA EM CHAMAS

53º (e último) poema de À procura de Nefertari

- qual chance de fato tive
se não lá o bastante estive
que presenteasse realmente?

Lesada a alma, o corpo, esta
boca-de-fogo entrópica
fênix derreteu-se ciclópica
à mente sem meia-volta:

- em segundos derramou discursos
átimos escuros, fundos meteoros
furos, buracos lá e cá...

- chance tivemos de fato
alguma vez lado a lado
aqui, ali - passado algum

tempo no ciberespaço?...

22/04/2006

domingo, 6 de março de 2016

QUADRA GOLPISTA III

embora desde 1500

Seja eu cretino

um imbecil

flébil mental

débil moral

ou apenas um idiota
sem consciência civil

à mercê dos espertalhões
que esbulham o Brasil

- sinto o Brasil

fértil, hostil, servil, febril
(e a depender de nós) gentil

desde aquele longínquo abril.

sábado, 5 de março de 2016

QUADRA GOLPISTA II

embora décima

A baioneta
foi dispensada

pela gazeta
toga-e-escopeta

recombinadas
como espingardas:

- como trombetas
pela sarjeta

reencenada
na madrugada.

sexta-feira, 4 de março de 2016

REVISITA 122: DECLIVE

52º poema de À procura de Nefertari

... num fio quase secreto, remanescente,
mal encoberto por toda a recente razão
que aparta a paixão doente... Ali
preso redescubro, inda em brasa febril,
a incandescente projeção de mim
que és ausente... Em mim, o presente
vivo-morto de promessas, tempo
do aborto daninho das ervas - o fim
da Eva querida que sadia serias
se vadia, a verde-escura vida
nos abrisse uma trilha
fresca, sem facões ou senões,
recrudescida... E se camaleão,
um parvo Adão pudesse ao fundo
eu ser, incondicionalmente,
por tua certeza de eternamente...

19/02/2006

quinta-feira, 3 de março de 2016

AMOR À TARDE

A tarde

rodeio
de enleios:

- meneios
floreio

e os cheios
torneio.

À tarde

asseio
passeios

gorjeio
correios

e esteio
teus seios.

É tarde!

- sorteio
custeios

arreios
(seus freios)

e enfeio
uns meios.

E tarde

(alheio)

receios
folheio:

- a tarde

de anseios
não veio.

quarta-feira, 2 de março de 2016

QUADRA ATÔMICA

de venda e compra

Fácil, difícil

grácil (o míssil)

ágil - é císsil

[frágil de físsil]

terça-feira, 1 de março de 2016

REVISITA 121: DA FIDELIDADE

51º poema de À procura de Nefertari

Nem quando sincera, pediste
Ou mesmo terna, ignoraste;
Quando desventurada, achaste
Que desarmada, a cumplicidade

Do dragão teria;

Nem quando pensaste, desiludida
E pronta descartaste, como fortuita;
Quando desesperada, ordenaste
Que pelos ares, toda voasse

Foste atendida;

E menos ainda, quando sozinha
Te imaginaste, na mais escura
E erma passagem; num grotão
Avesso qualquer, da realidade

- eu soltei a tua mão.

26/11/2005