domingo, 30 de julho de 2006

AQUI

Não há dicotomia
Entre noite e dia

Nem distinção
Entre sonho e vigília

(quaisquer hierarquias)

Somente um sol escuro
Do interior que brilha
E a tudo reconcilia.

quinta-feira, 27 de julho de 2006

MINGUANTE

Uma lasca, branca
(diáfana)
Aparada de unha
(de qualquer pálida figura escura)

Côncava, apruma
(luva)
A reta angústia deste olhar
(de globo ocular)

Fora de órbita!...

quarta-feira, 26 de julho de 2006

NUM SEGUNDO

Branco és, ao tato
De tão opaco;
Senão, sucessivas lentes de contato

Fatiar-te-iam, paulatinas
Em promissoras turmalinas:

- Os mil descaminhos cristalinos
do impulso desdobrado.

terça-feira, 25 de julho de 2006

BANDA CASTANHA

Teus olhos
De lado - assim
Alados

(voando pousados)

São pássaros diagonais
Riscando, sazonais
Meu quadro de estações.

sexta-feira, 21 de julho de 2006

O TRABALHO DE EMPURRAR

Este sono, latência
Que embota a consciência
E pulsa rítmica a dúvida

Entre ficar e ir
Tentar ou dormir

Empilha um granito de postergações que

Muro maciço

Abre o abismo que, mais fundo

Enfio

Goela abaixo...

quinta-feira, 13 de julho de 2006

BRAÇAL

Se ido, deposito
(circunspecto)
Uma finura no teu ouvido
(algo lerdo),
O deserto de sentido
(o correto)
Que tal confissão irriga

Analfabetiza

(decerto)

Esta lida que ainda
- de pedro a pedra, ladeira acima -
Encabeça uma lista

(sisifista)

Se-quer bem-vinda!...

Manhãs

Hoje acordei cedo e, antes mesmo de abrir os olhos, pensei em você. Tem sido assim nos últimos tempos: o pensamento invade a cama, procuro-o ao meu lado, não o vejo. Mas sinto que está ali, pois seu cheiro ficou em mim. Abraço meu travesseiro, que não se veste de gente, como os seus, mas que me entende como gente e me oferece conforto.

Amanhã quero acordar cedo novamente. Vou esperar que as lembranças se aproximem para que eu possa, então, abrir os olhos. Meu faro me dirá que você está ao lado. O calor do seu corpo há de confirmar sua presença. E, ao virar, minhas mãos o alcançarão. Quero deixar de lado o travesseiro para abraçar você, que não precisa se vestir de nada... Essa é a única rotina da qual não tenho medo.

Ju

Amanhecendo

... café, biscoitos, um torpor leve e gostoso denunciando o sossego profundo que tomou conta de tudo desde que certifiquei-me de ti. A tela escura que abriga estas palavras descansa os olhos para mais tarde, quando os sentidos serão postos à doce prova de te provarem. E de, contraditoriamente (já que labor retórico a princípio, não questão de pele), te convencerem de que estou certo.

terça-feira, 11 de julho de 2006

BOOGIE NIGHTS

Da mesa, vê-se o balouçar
Das estruturas móveis do bar:
- Carnes e panos destilando suores
cacos driblando de sonhos menores
lubrificando velhotes pagodes...

Da mesa, vê-se o que não é
(por faltar-lhe vida rebanha)
Uma viga nativa da festa:
- No espelho estrangeiro
um olhar meu alheio
ao sono que persiste aceiro
a isolar-me de tudo...

(na mesa, o momento
de lembrar o que aceito
derruba-me esquecido
de que sou apenas lento)

segunda-feira, 10 de julho de 2006

SONETO DO AMOR MARGINAL

Quando enfim, a mim escuto
A manhã nunca demora muito
Rasgar, num olhar, o véu escuro
Do céu; e achar-me ali, no brilho

Da fenda eterna do teu sorriso:
- Por onde sonho, e onde todo
lençol possível parece macio
(visto daqui de baixo)

E de onde cismo, vazado
Saudoso dos beijos, de gozos
Cabelos soltos pelo quarto:

- Do amor liso, sem arestas
polido entre as frestas
desta vida-pedra, enfim - que delonga...

02/03/06

domingo, 9 de julho de 2006

Adega

As mesas da adega estavam quase vazias, apesar da sexta-feira. As poucas pessoas sequer olhavam para os lados. O ambiente era perfeito para quem escolheu devaneios para a noite fresca. Eu mesma não os havia escolhido, mas eles me encontraram sem esforço, como presa fácil.
Notei seus olhos cravados nos meus. Era a primeira vez que os olhava de tão perto. Vi que percorriam, brilhantes, cada pedaço à mostra do meu corpo e que brilhavam um pouco mais na medida em que tentavam intuir o que estava encoberto.
O arrepio fez tremer. O desejo me permitiu. O vinho encorajou. E uma ousadia mútua fez daquele momento o prefácio da nossa história.
Ju

MEDO DE AMAR

Contido
Num artifício
De civilidade
(embora pio),
Arremedo;

Assim farto
(e vazio),
Menino
Remanesço
Tardio.

sexta-feira, 7 de julho de 2006

COMO AS OUTRAS

Que manhã sonhada!
Noutro lugar, soboutra ótica
Multifocal, colorida - mas desbotada
De tanta preguiça

E que frouxa, prazerosa - linda ainda
(de tanta preguiça)
Chafurdada lama original, medicinal
Doutra lógica!...

[mas aqui
eu ainda]

...

(a lombeira entre parênteses
que a circunstância, solene
solicita
escorre intermitente
das pálpebras caídas
entre sonos e vigílias)

[e porque afinal renasço todo dia
da réstia bruma de madrugada fria
- do contraste que se dissolve aurora
fatuamente tecida -,

imagino diuturna alternativa
à vida, sempre agora
embora elusiva!...]

Apresentando o alterego

alter ego/ [lat.] loc. subst. 1. um segundo eu; substituto perfeito. 2. grande amigo, pessoa em quem se pode confiar tanto quanto em si mesmo. 3. outro aspecto do próprio ego.

Este é o lugar de Mauro Belmiro, alterego virtual com pretensões literárias. Reflexo de mim, nele há o escuro e também o seu claro contrário, assim como o resto do que virtualmente posso. Vamos ver o que acontece.