sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

REVISITA 43: BRISAS

Um vento lava a cara surrada dos dias
Limpa a mente das faltas do próximo
Percebe no ego o erro.
Para amar-se um cego basta ver, ao lado
O meio-fio doente.

Uma rajada varre a Brasília fiscal do tempo
Levanta a poeira dos atos legislativos
Cata a rara virtude.
Para querer-se um bem basta ser, acima
O santo da última chuva.

A brisa que sela a boca incauta dos homens
Trai a intenção oculta da palavra
Mostra o velho no novo.
Para livrar-se do mal basta saber, abaixo
A causa do barro nos pés.

08/07/1985

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

CAUDAS DO AULETE

a quem refere

Quantos verbetes
em ramalhete

são estiletes

sem definição
das incompreensões

que tais locuções
contêm de antemão?

Auriculares
em Buenos Aires?

Vernaculares
quando firmares?

Caudas no Aulete
soltas do calão

pintam o sete

no gabinete
das abstrações:

- rabos que virão
decomposições.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

QUASE DESAPERCEBIDOS

pelo desaparecido

Alguns amigos queridos
presentes de tempos idos

eu soube que têm partido.

Ausente, tenho sabido
por entes, dos ocorridos

por redes que informatizo.

Porém, quando o sei, longínquo
tão tarde do acontecido

(são diversos os caminhos)

à parte, os negligencio
amigos inesquecidos

por razões que desmotivo.

(distante, os tenho vivido
vezes em mim, qual Belmiro)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

REVISITA 42: SEGUNDA SEGUNDO O DIÁRIO DA MANHÃ

Dia triste a segunda: recomeça preguiçosa a presteza
Tentáculos ciliares abundam nos olhos a realidade.
Os fatos correntes, vindos de sexta, estão à morte.
Os sábados, de ensandecidos, e os domingos esmaecidos
Coexistem inexistentes: a natureza da semana é só útil.

No para-choque do carro de trás, paralela ao chão
Paira a minha atenção.
O sono persistente examina o veículo
O motorista e seu lento ventrículo.
O executivo, a passeio, não passa dos quarenta
Pára sólido, quase velho, no limbo.

De máquina no papel, a letra pára (pausa).
No almoço distante, repouso a esperança
De um dia acordar.
No almoço presente, reclamante farto do horário
O discurso funcional cessa diante do prato.
De estômagos, estamos cheios.

Dia triste a segunda: recomeça o hábito
Da tristeza travestida de seriedade.
Deveres tentaculares amarram os braços na realidade.
Os fatos são as correntes, desde cedo nos pés.
Os dias ensandecidos, de apetites esmaecidos
Coexistem experientes:

- a natureza, se humana, é só fútil.

Dia triste a segunda: recomeça o falatório
Dos males alheios. Triste segunda
Segundo nossa condição de bestas dos outros.

08/07/1985

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

QUADRA JUIZ-FORANA XVI

No momento de partir
a vontade de sumir

some porque partirei

(mais conveniente, não sei)

12/02/15

NUNCA É CONTIGO

O inferno dos outros
pros outros é outro

o inferno do inverno

o inferno do interno

o inferno do incerto

o inferno do inverso

o inverso que é (o) Outro

[pros outros o eterno
inferno dos outros]

12/02/15

domingo, 15 de fevereiro de 2015

DA CONFUSÃO COM VOCAÇÃO

a confusão da vocação

a vocação da confusão

(a vocação pra confusão)

[pra confusão já vocação

a vocação dá confusão]

11/02/15

sábado, 14 de fevereiro de 2015

DO CURSO NATURAL

Visita ao hospital

(àquela que está mal)
[supostamente mal]

(idade e coisa e tal)
[provavelmente sal]

[mas longe de fatal]

{mais longo o seu final}

11/02/15

QUADRA JUIZ-FORANA XV

A cidade, sempre a mesma

à parte da realidade.

(sempre a realidade mesma
parte de qualquer cidade)

10/02/15

QUADRA JUIZ-FORANA XIV

A família compacta
a homilia que intacta
impacta e pactua
e jacta porque tua!...

09/02/15

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

REVISITA 41: VERIFICANDO O AZUL

Calmos vácuos atmosféricos descansam-te o corpo
Torpe de agressões; sem peso, invisível avolumas
Quietamente: o negror da noite oculta indivisivelmente
Tuas ambições; assim inchas, portanto
Livre de castigo aparente.

O bom lobo expande incógnito.

Mas o cerco azul da manhã não tarda
Com seu oxigênio; teus pecados, então passíveis de julgamento
Te esvaziarão à luz do dia; talvez a menor pena te livrará
Como ao romântico Nosferatu; talvez teu maior ganho de tudo isso
Será a sentença: a angústia da vida eterna.

Certo é que, precisamente
O cerco azul do amanhã não falha.

15/05/1985

DESCONSERTO

Um prego torto
que desacerta.

Um parafuso
da porca solto.

A faca cega
de tanto abuso.

O dedo roxo
do que martela.

Outro muxoxo.
Outro desuso.

Um dia chocho
que desconcerta.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

REPOUSADA

Daqui a pouco a madrugada
(que vem sempre e sempre passa)

terá feito cova rasa
(vala sempre e nunca cava)

do que se converte em sonho
(dos risonhos aos tristonhos)

daqui a pouco apenas sono

contrafeito coisa opaca

significando nada...

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

CÉU DO PEITO

Nuvens de asas
nuvens passas

(foste várias)

pelas tardes
enquanto ardes

sob aquele
que como este

debateste

(várias vezes)

ARGENTINA

no clima

Este azul que amarelo
e brota aonde vejo

que implode agora cedo
num dia paralelo

aqui em Brasília mesmo

parece o Boca Juniors
cores de Boca Juniors

mas inexatamente:

- se pouco amareladas
talvez luzes douradas

janelem nas sacadas
brancas avermelhadas

(mas que improvavelmente
saibam do River Plate)

domingo, 1 de fevereiro de 2015

MEU DOMINGO

No domingo

silencio.

Imbuído

eu consigo:

- seu ruído

diluído

elimino

do que sinto.

Sob a lua

sobre a rua

em que suo

não recuo:

- meu domingo

inextinto

é comigo

(eu consigo)