quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

DO QUE PODERÁS AGORA

feliz ano novo!

Convenção ou não
esta noite irá

pela translação
que nova será

em todo lugar
que a comemorar

entre as doze horas
e suas auroras.

Então, por que não
(mesmo se mesmo ar)

por que não tentar
outra inspiração?

[senão, por que não
(apesar desse ar)

por que não soprar
noutra direção?]

DA MINHA PAISAGEM

Telhados abaixo

postes de pássaros
fios de macacos;

varandas abaixo

muretas de gatos
poleiros de galos;

janelas abaixo

cão encarcerado
pães recém-chegados

mármore quebrado
rotas de lagartos;

escadas abaixo

garagens, ramagens
portelas com mato

paragens, passagens
caminhos de ratos

poças de catarro
pontas de cigarro

selvagens, linguagens

árvores abaixo.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

MADRE DE DEUS

Madredeus

como os teus

tenho os meus:

- Zeus, Mateus

semideus, o antideus

seus plebeus, seus proteus

e os sem-deus (prometeus);

dipneus, pigmeus

jebuseus, fariseus

cadmeus dos egeus

europeus;

Pireneus, apogeus

ateneus, himeneus

perigeus

e o adeus (nos museus).

Madredeus

como meus

tento os teus...

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

RÉGULO

pelos séculos

Nos cubículos
mais ridículos

um estímulo
dois testículos

e montículos
de folículos

(tanto os pávulos
quanto os fâmulos)

têm seu vínculo
nos textículos

que vernaculo.

[meu currículo
em fascículos

sem estrídulo]

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

SOBRETUDO FERRÃO II

... pilhada

na quelha

ilhada

ovelha

cilhada

espelha

talhada

abelha

olhada

centelha

malhada

da relha

calhada

na telha

molhada

parelha!...

domingo, 27 de dezembro de 2015

NESTES TEMPOS DE CHIKUNGUNYA

Inquieto

inseto

pousou-me

sua fome.

E quieto

sensato

pousei-lhe

(sapato)

meu tato!

SEXTILHA DOMINGAL

let's move, for god's sake!...

O dia básico

do ser astásico

(aquém de frásico)

[porém de afásico]

porque ectásico

- queria fásico.

sábado, 26 de dezembro de 2015

DOIS MIL E QUINZE

balanço

Quinze por cento

do novo tempo

já se perderam

sob os escombros

do mundo velho.

...

[escaravelhos
de largos ombros:

- é o que desejo
que então sejamos]

REVISITA 112: FERRAJARIA

41º poema de À procura de Nefertari

Agasto a manhã cinza
- objeto simultâneo à lixa

na tua áspera ausência
- cega, decerto ferramenta...

Do atrito quase fumegante
- embora a frio, metálica a poeira

adenso a atmosfera, e paraliso
o tempo, o pensamento - a asfixia

em horas marmóreas
de um branco algo encardido

- e mal esculpida espessura...

Em minutos de chumbo lento
escorrendo, incandescentes

- derretendo à baixa temperatura

fixo, pétrea, a extensão infinda
dessas impressões descabidas...

[nas quais este cinzeiro começo
de dia-cinzeiro, opaco

agasta-me, definitivo
em passado]

27/09/2005

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

QUADRA MODAL

Esta quietude
não é virtude

longe do vício
de estar alhures.

O VINTE E CINCO

o dezembrino

Dezessete
- é da confraria.

Dezenove
- avista a família.

Vinte e quatro
- requer romaria

vinte e cinco
- da sala à cozinha

vinte e sete
- ao que sobraria

vinte e nove
- pra quem der notícia

enfim do ano
- a quem de alegria...

Mas todavia
um vinte e cinco

- no vinho tinto
- na batatinha

bom solicita
mais compromisso

pois dia num quinto
de energia:

- quatro quintos
de inércia devida

comprometidos...

DIVINA

to the High Priestess of Soul

... eu o faria

Nina Simone:

- madrugaria

ouvir-te insone

outra menina

ao microfone

(outra Simone

ao telefone)

sem o teu dia

deixar-te insone

sem esta vida

living alone

anjo da noite

arte que some

amada Nina

minha Simone...

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

PROPOSTA DE NATAL

Na véspera do aniversário daquele

evocado diária, milenariamente

para a justificação de bem-quereres

bem-deveres, bem-poderes, bem-haveres

(boas ações, boas razões, boas paixões)

não seria o caso de, ao menos amanhã

deixá-lo descansar em paz naquela cruz?

EPISTEMOLÓGICA

Te rever

e rever

e rever

e viver

conviver

com mister

forever

embota

desbota

sabota

rebota

(labora?)

(reforça?)

[retorna?]

{renova?}

cada ver

cada ser.

[cada ser

de um rever].

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

EPISTEMOLÓGICAS

fragmentos

Experiências pontuais
geram conhecimento pontual.

[podem gerá-lo
 se limitá-lo (ao imitá-las)

particularizado].

***

Experiências contínuas
geram conhecimento - continuamente?

[não necessariamente
aquele necessário

que do modo exigente
é relativizado].

***

[familiaridade crescente:

- seu pavimentar mente
um enxergar decrescente

até olhar simplesmente].

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

NOTURNAL

A trevosa chuvarada
da chuvosa madrugada

quando penso se fechada
aconchega-me pausada

forte e fraca, forte e fraca

brava e calma, calma e brava

sincopada (a retomada)

na rotina ritmada
de cortina sanfonada

- uterina casa d'água

breve e opaca, sempre opaca
da trevosa madrugada...

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

DA EXTINÇÃO DA ESPÉCIE

desta subespécie

A longo prazo
(quando tal prazo?)

o descompasso
(de qual compasso?)

entre o querer e o dever

(o dever de desquerer?)
[o prazer de bem-querer?]

1a. centralizará o poder

1b. fortalecerá o poder

1c. abusará do poder

1d. enfraquecerá o poder

1e. colapsará o poder

do sujeito refazer.

...

[quanto de prazo
a longo prazo?]

{nós neste passo
sós neste barco?}

domingo, 20 de dezembro de 2015

sábado, 19 de dezembro de 2015

REVISITA 111: SOBRETUDO FERRÃO

40º poema de À procura de Nefertari

Outro dia, caminhei contigo próxima
da respiração, os pés seguindo parvos
logicamente atrapalhados, esquivos
a tropeçar no vácuo dos teus passos...

Volta e meia, eu te puxava um braço
de atenção, as mãos buscando as tuas
num abraço de cinturas, a ver o teu olhar
negro mudar claro a direção...

Era tarde, e o descompasso deste aspirar
cercou cálido os teus ombros, sob os cabelos
como se lábios nos teus pêlos, a redesenhar
- a cada arfar - a dupla curva dos teus peitos...

E naquela hora, a lua crescentemente perfeita
entreabria a tua face num terrível sortilégio
de marfim... Mordida, sorridente mordia...

[ao fundo, preto o céu, tudo ruía
meu no franco gesto suicida]

04/09/2005

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

REPTÍLIA

Um lagarto me sorri
do seu chão que percorri

[um passado socorri
num desvão aberto aqui].

Parece involuntário
- voltar-se solitário

tanto eu quanto o bastardo
no tempo deste espaço;

mas digo que os prefiro
reverberando antigos

já por demais extintos
naquilo que atribuímos

a animais: instinto
de espécie solidária.

...

{a lagartos recorri
pelo chão que me sorri}

OCULTAS

renovadas

A lua nova
da noite opaca

(a noite nova
da lua opaca)

nos argamassa

nos amassa

nos assa

a sós



...

[a rua nova
pernoita opaca]

{a rua opaca
pernoita a lua}

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

RASCUNHOS

Amarela
aquarela

esta manhã
é do amanhã.

[à janela
por sobre a chã]

***

Amarela manhã

aquarela amanhã.

[o que dela louçã]

***

Aquarelo

o amarelo
desta manhã

para amanhã.

***

Amanhã aquarelará

acaramelada manhã.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

SE NÃO, POIS SIM

o caminho oposto

Nestas férias sem Nordeste
(ressentimento da peste!)

sem sua beleza celeste
sem seus prazeres terrestres

solicito ao Centro-Oeste
mais que nunca, esteja a oeste:

- bem longe dos caranguejos
daquele mar inconteste

porque invejoso o desejo
(o qual pragueja e praguejo!)

contraditório que almejo

guardado num lugarejo...

[inda que seja um bosquejo
tal de ter - mas sertanejo]

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

REVISITA 110: CASA DE CONTOS

39º poema de À procura de Nefertari

Casa dos Contos (também conhecida como "Casa de Contos"). Prédio construído entre 1782 e 1784, na então Vila Rica das Minas Gerais, para servir como residência ao arrematante dos contratos dos dízimos e entradas João Rodrigues Macedo. Este alugou a sua parte térrea em 1789 para aquartelar as tropas encarregadas de reprimir a Inconfidência Mineira, e servir de prisão aos réus mais ilustres da conspiração. Ali, Cláudio Manuel da Costa, sonetista e inconfidente, teria se suicidado em 4 de julho.

Quando estou todo, inteiro
aquém de mim, para dentro
à mercê do zumbido surdo
sem fragmento, do silêncio

aquela voz, que ouso que penso
costura, do nervo à agulha
fonemas às letras, retalhos de sílabas
a colchas de palavras, estendidas

parecendo daí até aqui:

- a tua voz, que penso que ouço
dizendo-me, do fundo do meu poço

que não devo (embora por pouco)
porque não posso (enredado o sentido)

sair senão deste invólucro.

28/08/2005

domingo, 13 de dezembro de 2015

QUADRA EXPLICATIVA

consultoria sem poesia

Em meio a três dias inúteis
a minha fé esteio nos fúteis:

- o dinheiro ganho naqueles
mais direito confere a estes.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

NO PLANALTO VENTRAL

Raios, clarões vários
trovões de cenários:

- quase o fim do mundo
desfecho iracundo

pra quem treme muito
(ou que teme fundo)...

***

Meu amor pegunta

porque toda chuva
gosta de assustá-la:

- acho que por nada
dada a natureza

(natureza dada).

QUINTILHA DO QUE (SE) SUCEDE

Leves dias - quando empilham

à medida que nos ilham

(da vida de que precisam)

[das lidas que os justificam]

breve mais pesados ficam.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

DESTE MOMENTO

usufrutuário

Estou recluso
e ensolarado

algo profuso
e continuado

nada confuso
desencontrado

do que desuso
abandonado

no que mais uso
desafinado...

Estou excluso
idealizado:

- um inconcluso
recuperado.

DRONE

While rolling the Stones

watching the Flintstones

the milestones

the tombstones

all the capones

(and their clones)

I must turn this cornerstone

alone

[with Nina Simone]

SEM SABÃO

a Pedro Sérgio, no seu aniversário

De manhã, São Pedro
bateu o cinzeiro

(todos os cinzeiros
do mundo carvoeiro)

sujando feio o ar:

- no alto o firmamento
e aqui o calçamento.

E o enxágue, Pedro?
Quem irá fazê-lo?

[ô santo fumante
pouco edificante!...]

...

{a natura veio
- e num só vareio

me lavou o Pedro

com tudo no meio}

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

TEMPORADA

Capa d'água
na sacada.

Empoçada.
Espelhada

- a moçada
nem molhada.

Festa n'água

que desagua

numa frágua...

PECILOTÉRMICA

A via do lagarto
se percorre sob o sol:

- à noite, congelada
pernoita reparada.

Se vida de lagarto
(lida e sorte alternadas)

corre igual ao caracol
mas também ao rouxinol;

há cobras e lagartos
há sobras e catartos

e soçobras e infartos

- mas também um girassol
sombreando dez espartos

no vaivém de lua e sol.

...

[diga amém aos girassóis]

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

EU PROMETO

Amanhã voltarei a correr

porque cochilo após o almoço
cochilo tal que é chumbo grosso:

- entre os vivos, ressaltam-se outros.

Porque afundo depois do almoço
na treva de um sono absurdo

- do qual voltar eu quase anulo -

amanhã tratarei de correr.

Logo após o almoço de sonho
- sonho culinário que almoço -

sobrevém sono um poço surdo
num bloco de granito escuro

trafegando o rio mais bruto

- um que dá vontade de morrer...

Por isso, volverei a correr
entre os vivos - os outros - todos -

a fim deste estar fortalecer
no que os dias hão de suceder.

ANÉIS

o negócio da nossa ciência política

Te dou alguns anéis
alguns contos de réis

pelos meus dedos fiéis.

Promessas em papéis
sentenças, aranzéis

em línguas de babéis

- ou fugas em batéis
(apesar dos parcéis) -

pelos meus dedos fiéis.

Te cedo alguns tonéis
desvios de farnéis

e sobras de cartéis
caça-níqueis, troféus

- festejos em hotéis
puteiros em apês

entregas de pastéis
em colchões de frouxéis -

pelos meus dedos fiéis.

Repassando chapéus
te cultivo plantéis

de chefes, barnabés
parlamentares rés

de juízes, coronéis
soldados em corcéis

convocando tropéis
(talvez até os quartéis)

pelos meus dedos fiéis.

Se necessário um viés
te envio alguns novéis

justiceiros cruéis
(rebeldes ou bedéis)

ou penas de aluguéis
(arautos de escarcéus)

pra afundar em marnéis
os que forem infiéis

a estes dedos - os dez!

E quando enfim os céus
pedirem mausoléus

escribas de cordéis
em torno dos incréus

operando cinzéis
brilhando fogaréus

encobrirão com véus
o quanto fomos réus

por nossos bons anéis...

domingo, 6 de dezembro de 2015

CULTIVO

Entre o fim do domingo

e a manhã da segunda

anoiteço um sentido

que depois me madruga

para as coisas bem-vindo

a partir da segunda

repartir no domingo.

DAS PRECIPITAÇÕES

de auroras

O domingo encoberto
pelas águas voadoras

descobre as maritacas
junto das mariposas!

Do silêncio soberbo
das últimas pessoas

elas vêm, às carradas
(falo das maritacas)

perturbando, espaçosas
o tempo de um acerto:

- entre esta madrugada
(fado das mariposas)

e agora a chuvarada
há pouco sossegada...

sábado, 5 de dezembro de 2015

REVISITA 109: AOS TRINTA E UM

38º poema de À procura de Nefertari

Arisca, a leve brisa deste lindo dia
sopra-me fresca ainda; e à folha vira
a tua data na superfície lisa, rutilante
da geladeira que habito, desde antes

do estio; e chama à retina a lembrança
de outros dias, brancos, nesta branca
cozinha - dos ritos de queijos e vinhos
à larga servidos, entre beijos e risos...

Bem assim, hoje, eu gostaria que fosse
a minha celebração de ti - uma cotidiana
reencenação dos teus olhos reafirmando

brilhantes, a minha opaca ciência de ti:
- do misterioso fundo negro da tua retina
onde bela se perde a razão desta vida...

27/08/2005

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

MÉTODO

escorço

Objetivo
subjetivo

qualitativo
quantitativo

contemplativo
é o meu motivo.

Daí assisto

a isso e aquilo
a esta e aquele

com alma leve
e atentamente

sem que um estorço
torça o esforço

pelos sentidos
comprometidos:

- tais fenômenos
como são mesmos

nem mais nem menos.

AFEITO

Um beijo
(teu queixo)

um queijo
(queijeiro)

trejeitos
respeitos
proveitos

- mas feitos
com jeito
suspeito -

aceito

(o efeito)

[defeitos
perfeitos]

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

SOBRE IR

possibilidades perfeitas

Ontem, vou hoje.
Hoje, irei amanhã.
Amanhã, fui ontem.

Ontem, fui hoje.
Hoje, vou amanhã.
Amanhã, irei ontem.

Ontem, irei amanhã.
Amanhã, vou hoje.
Hoje, fui ontem.

Ontem, fui amanhã.
Amanhã, irei hoje.
Hoje, vou ontem.

Ontem, vou amanhã.
Amanhã, fui hoje.
Hoje, irei ontem.

Ontem, irei hoje.
Hoje, fui amanhã.
Amanhã, vou ontem...

Ontem, fui ontem.
Hoje, vou hoje.
Amanhã, irei amanhã.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

DE UM BEI PERTO DO REI

Chegaram as férias
para as quais estarei

- de férias, não serei.

[férias de sequelas
folgo nas falésias]

Um dia, outras férias
serão amnésias

deste tempo destas;

chegarão aquelas
paramnésicas

nas quais florescerei.

[um frei longe da grei]

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

POETA

Enquanto sorvo
meu café lento

enfrento o estorvo
da fé que tenho:

- por qual talento
(ou desalento)

paro rebentos
torvos de feios

e os absorvo
filhos de corvos?

Vêm de terceiros
(dos controversos?)

primeiro os termos
segundo os versos

conspirem presos
formar quadrilhas?

Juntar tercetos
quadras, quintilhas

sextilhas mesmo
alexandrinas?

Quadro dantesco
quintos do inferno

se uma vez eco
de outra vasilha...

[se má poesia
a filha é minha!]

...

{enquanto sorvo
a fé que tenho

meu café bento
frente ao estorvo

esfria lento}

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

PESCOÇO

torcicolo eu forço
torcicolo eu torço
torcicolo eu drogo

Neste dia morno

um feriado morto

jaz em frente ao sono.

Exponho o seu corpo
(em recomposição)

a um romance insosso

a um jazz inodoro

a um filme de ocasião.

...

[o que lazer então?...]

domingo, 29 de novembro de 2015

sábado, 28 de novembro de 2015

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

INCRÉU

Quando soberbo o véu
que azul dá cor ao céu

(e ilhéu o contemplo)

me vejo um tabaréu
ao léu matutando...

[por que este belo véu
cobrindo o vasto céu

(me ocorre incréu pensar)

meu mausoléu será?...]

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

REVISITA 108: A RAINHA E O ANDARILHO NUM BARCO ARAGUAÍNO

37º poema de À procura de Nefertari

Por que tão forte esta impressão
(ao imaginar-se a invenção)

das minúcias, concebermos pedrarias
entre as múltiplas, pequeninas

miríades que pescaríamos
ativos de ideias, redes vivas?

- faíscas cognitivas
desencadeando, de antigas línguas
viagens paradisíacas!

E quão crível (me espanto e admiro)
que eu queira tanto, e comprido

encher o vasto espaço das nossas vidas
(todo o tempo da história do mundo)

giramundando contigo e tuas carroças:

- teus badulaques, meias-verdades
versos esquivos e frases alquebrando

criaturas de carinhos e espinhos
amores em dúvida e estórias!...

[tudo correndo em papel fino
e tela plana, descendo ao infinito

teu rio largo de talento e brilho]

21/08/2005

terça-feira, 24 de novembro de 2015

À MAIS DESEJADA DE TODAS

por bem e por mal, afinal

Férias batendo à porta...

Férias regando a horta...
Férias curando a aorta...

Férias pulsando em forma...

Férias cruzando a borda...
Férias comendo à porca...

Férias bebendo as boas
- loas somente às boas!

Férias curtindo a engorda...

Férias de peles negras
azuis, roxas, vermelhas...

Férias de aranhas vivas
férias de moscas mortas

enredando armadilhas:

- quando a estação entorta
o que afinal importa?

(o ponto da translação
em que nos encontramos?)

[o planeta em rotação
do qual desencontramos?]

...

{férias nos dando corda
de férias roendo a corda}

domingo, 22 de novembro de 2015

AVINDO

Domingo

comungo

comigo

contigo

com tudo

convindo

...

[consigo

contudo

dormindo]

sábado, 21 de novembro de 2015

PRESENTE ABSOLUTO

ironias à parte

Hoje tem Barça e Real
hoje o melhor futebol.

Hoje é bem vário o canal
que hoje centraliza o escol

hoje cobrando global
(hoje um por todo arrebol)

concentrado hoje em prol

de estar bem estando atual:

- hoje com Barça e Real.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

DO ARCO DE UM VELHO

Do ponto de chegada
(nos braços de uma toalha)

ao ponto de partida
(no abraço da mortalha)

meus dias indo e vindo
(seu brilho vindo e indo)

embora renovados
embora repetidos

urdidos e perdidos

parecem despedidas:

- são dias esvaindo
(porfias sem sentido)

no vão da noite infinda...

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

REVISITA 107: AGORA

36º poema de À procura de Nefertari

Se estreito o momento

contrafeito existo
pio em pensamento.

Mitos frios pisos
consolam, mordendo

sentimentos lisos
(escorregadios)

tudo compreendendo
(nada prometendo)

- além de um desfecho -

se for imprevisto.

03/08/2005

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

DO CAMINHAR

Teu convite
nos permite

que eu insista

(e desista
em seguida
caso mingue)

no seguinte:

- leite, café
chá, samovar

e boa-fé.

[são quatro pés
a encaminhar

num canapé
à beira-mar]

terça-feira, 17 de novembro de 2015

GLIMPSE III

... a incidência
(reincidente)

de tua ciência
coincidente

traz ao olhar

ver e enxergar

...

[fez (de te olhar)

imaginar]

GLIMPSE II

... borboleta

(cançoneta)

flor violeta

recoleta?

- que olhadela

(ao revê-la)

ia austera

percebê-la?...

GLIMPSE

... a silhueta
de ampulheta

que sua areia
aligeira

na verdade
reverdeja

a vontade
de revê-la ...

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

domingo, 15 de novembro de 2015

SIGNUM VIRTUALIS II

Enquanto eu lia
(lia Cecília)

tocou um sino
(talvez um sino).

Porquanto ouvia
(que parecia)

também o via
(um tanto antigo)

que padecia

que era poesia:

- coisa longínqua
da mesma língua.

sábado, 14 de novembro de 2015

GUARDA BAIXA

A tristeza que me abate

do tipo que vem à tarde

[um tipo senão mais tarde

triste nem foi de verdade]

é uma que vem sem alarde:

- uma que não tenho alarme

como se um cão que em vão late.

POR QUE ESTA LUZ NA VIDRAÇA?

por que estás ensolarada?...

Dispersou a tempestade
que inundaria a cidade.

Teria sido espontâneo
(dado que foi subitâneo)

ou imprevisão do clima
(dado o que superestima)

ou talvez coisa de Pedro
(pro católico santeiro):

- fato é que a tempestade
(seu arsenal, na verdade)

debandou sobre a cidade.

...

Dada a mudança contrária
- sua refratária bonança

coube a uma criança explicá-la:

- o que move a natureza
é a vontade de cereja!...

...

[o que deseja a vontade
à vontade no que seja?...]

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

SIGNUM VIRTUALIS

Alguém tocou um sino

há pouco algo longínquo
ao parecer ouvido.

Há poucos sinos aqui

- nenhum que nos lembre ali
de lá, do além, de acolá

de acordar noutro lugar.

Neste mundo secular

se há tecnologia
não há coisa longínqua:

- alguém tangeu um sino
tão pouco ouvido daqui

mas ubiquamente acá
hic, here, zhèli, cá...

REVISITA 106: AO DEUS DO AMOR

35º poema de À procura de Nefertari

Ah, indivisível parceiro, eu aceito.

Demorei-nos em delongas más
mas enfim te aceito.

Aceito a tua natureza
o teu ritmo
a tua lógica

as tuas condições
eivadas de contradições:

- ainda que tudo me arrebente
e por dentro me incendeie
num consumo que não compreendo.

Ah, meu amigo, por que além disso
tem isto assim de ser?

Por que faz a luz no fim sentido
violando reta a mais curva treva?

Tronco partido, sou forças dividindo
rumos por campos apartando-me Dela:

- Daquela Morada Oculta, que Ferida
descompassa, Retraída
piorando a minha procura...

Alienado, ainda semeio a tua busca
enfraquecido - as trilhas, quando floridas
transtornam-se oásis de espinhos;

folhas e plumas, ao prosperarem
formigam seu chão de operárias;

intransitáveis violetas coagulam
róseas veias entalhadas a faca!...

Com penhor elusivo, ambíguo te estimo
senhor redivivo Daquela Minha Alma:

- perdoai o amor e o ódio
o sentimental caleidoscópio
que visceralmente lhe devoto!

24/07/2005

terça-feira, 10 de novembro de 2015

QUANDO ENFIM BATER NA BUNDA

a água do efeito estufa

A temperatura sobe

dentro, fora, sob, sobre

acima, abaixo, por entre

detrás, ao lado - na frente

dos que pelas costas mentem

(entre aqueles que o desmentem).

...

A temperatura sobe

sobe, coze, sobe, fode:

- quando derreterá uns cofres

após derreter seus cobres?...

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

UM DOM QUE (MAL) CULTIVO

meu soneto vesperal

O tempo convertido
no espaço do seu ruído

(e assim reconstituído
pelo som que imagino)

avisa os meus ouvidos
(que vezes têm olvido)

que passa o seu trenzinho
na instância que imagino:

- o trem do tempo vindo
(a outrem, tempo bem-vindo)

sozinho desde a infância
até aonde adivinho

[pelo eco que imagino
ser tom do seu destino]

domingo, 8 de novembro de 2015

AO INVÉS DE TRÊS CHINGOS

que venha mil domingos!...

...

(no domingo, a preguiça

da liça que respingo

eu xingo sem derriça

ou justiça de gringo)

...

[no domingo, eu enguiço

carniça na caatinga

catinga que enfeitiço

cediça, não distingo]

...

{cobiça, no domingo

dominga, de postiço

noviça, da qual gingo

zuninga de serviço}

...

[ao invés de hortaliças

que venha só linguiças!...]

sábado, 7 de novembro de 2015

QUADRA DA REVOLUÇÃO

Num sete de novembro
sonhamos que seremos

um dia, noite adentro

melhores que podemos.

LABORAL

atemporal

O meu dia é picado
em tarefas inúteis

(trabalho que retalho
retalho a rebotalho

até o fim da picada!)

ou é dia ocupado
por repetições febris

de atuações nada sutis
dada a rotina estéril.

Porque lida escamada
(porque viva e estancada!)

um tanto exacerbada
por elementos fúteis

por interesses hostis
(e desinteresses vis)

- de que dias passados
(quando enfim repassá-los)

eu me lembro inconsútil?...

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

REVISITA 105: COMPASSO

34º poema de À procura de Nefertari

Não há tempo, nem espaço
no presente ou no passado
que palpite a arritmia
de um coração limitado:

- seu pulsar fraco, mortiço
é alegoria invertida
do que às vezes prometia
(à parte os males) sua vida!...

Haverá enredo fílmico
além disso, ex nihilo
ex machina, abrupto

deus condoído no futuro
que salve de precipícios?...

(do medo escuro que sinto?)

07/07/2005

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

XEQUE-MATE

Um silêncio afora
embarulha adentro

(certo movimento)

ao multiplicar-se
encoberto agora

antes de vencer-me
descoberto sempre.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

BUROCRATA

Suspenso entre tarefas
urgidas entre esferas

de aptidões diversas
(e vocações quem sabe?)

aguardo o telefone
(aquém do que me cabe)

autorizar em nome
(que me não menoscabe!)

do quê negligenciarei

quem jamais conhecerei...

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

REVISITA 104: SONETO DO AMOR AO FUNDO

33º poema de À procura de Nefertari

Cá estou novamente - a reluzente armadura
nunca forte o suficiente; um quixote doente
de um amor gêmeo da dor rude abrir caminho
por teus céus invertidos - teus rubros abismos

de paixões caras, incendiados precipícios
por múltiplas batalhas, guerras mal vencidas
tratados descumpridos... Ferro ao fim fundido
nos grilhões de pulsações perdidas, retidas

vezes interrompidas - nunca abandonadas
porque gêmeas de um amor saber-se arruinado
sem sua elusiva metade definitiva...

Cá estou novamente - condizente a armadura
talvez forte o suficiente; se a febre é ardente
é da expectativa aí quieta - na escuta...

03/07/2005

domingo, 1 de novembro de 2015

NÓS E O PÓ(S)

situação

A idade da poeira

(que a gente ressente
soprando o presente)

é a idade inteira

da vida ligeira
sem convalescença

teologicamente:

- mas vento premente
enquanto licença

das gentes que existem
segundo suas crenças

[desde a cabeceira
nos mitos de origem]

{até que a vertigem
daquilo que abeiram

converta a fuligem
naquilo que queiram}

sábado, 31 de outubro de 2015

SÉTIMO

quadra quádrupla do descanso

Sábado
cágado

sábado
láparo;

sábado
cânhamo

sábado
pássaro!...

Sábado
tálamo

sábado
bálsamo;

sábado
cântaro

sábado
bárbaro!...

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

A INVENÇÃO DA VIDA

A vida é uma invenção
(vez brotado o seu grão)

por ação e omissão.

O seria?
Poderia?
Deveria?

[a teria?]

- tais as questões da poesia
(aquela especulativa)

de sua filosofia.

A sua precariedade
(ontológica)

a sua impessoalidade
(estatística)

a sua amoralidade
(antisséptica)

não dizem que sim, nem que não

(não falam por si, nem que o são).

...

[vez brotada a invenção
da omissão como ação

toda vida é viva?]

...

{se eu inventei a minha

e por aí caminha

que distração a minha!...}

terça-feira, 27 de outubro de 2015

VOSSO CRIME (ENFIM) COMPENSA

apesar das aparências

Avança a bestialidade
por sobre a civilidade

- sobre as oportunidades
(reais) da virtualidade

por mais sociabilidade.

Inimputabilidade?

[responderão os herdeiros
de segundos, de terceiros

(e por último, os primeiros)]

VIDA COM SAÚDE

questão aos meus queridos alternativos

... o meu plexo solar
irá me ensolarar

caso eu 'manipurar'

quando vier operar
(de complexo a polar)

o convexo ventral

mais latitudinal
(porque crepuscular)

que herdarei afinal?...

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

QUADRA (DE ANTES) DA TEMPESTADE

Calmaria
com Maria

acalmaria

(o que armaria)

SOBRE A EDUCAÇÃO

state of the art

Tudo derrete
(senão liquefaz)

ou aborrece
(senão contumaz).

Se se arremete
com paixão audaz

(ou razão assaz)

nada acontece.

[se com confete
então suspicaz]

domingo, 25 de outubro de 2015

REVISITA 103: DATA DOS NAMORADOS

32º poema de À procura de Nefertari

Começaste com Madre Tereza
e o melhor Francisco;
passaste por Nogueira e alguns urbanos
além de Marisa;
ao fim, Gardel e Piazzolla
covardia!...

- na minha alma, eles todos
(passos teleguiados
por teus dedos meticulosos)
entraram de sola!

Assim caída fruta a tarde saborosa
deste dia consagrado ao doce interstício
dos amores não testados, findei rendido
uva esmagada: teu presente enamorado

vinho e passa; tão perfeitamente colado
ao nervo exposto dos meus gostos
(a músculos estendidos e ossos quebrados)
qual vidros claros - limpos, cristalinos
das janelas abertas dos sentidos:

- de onde te assisto espetáculo
imprevisível...

12/06/2005

sábado, 24 de outubro de 2015

REVISITA 102: VÍCIO

30º poema de À procura de Nefertari

Já caminhei a eternidade. Sozinho
unindo as pedras e o infinito azul.
Da mente às idéias, delas aos passos
os sonhos gastos de sapatos. E andei

às vezes de soslaio, olhando para o lado
à tua procura: nas ásperas ruas, um desvio
contorno discreto; num fio de beco, o destino
de fazer juntos mil rumos ao paraíso.

A jornada fez-me em pedaços. Encontrei-te
enfim pedaço afiado, ferina defesa de nervos
pretensos de aço. Das fundas cicatrizes

que mal a tua alma oculta, retorna crua
a minha ferida nua - talhe ancestral
dor grossa em salmoura exposta.

19/05/2005

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

AMNÉSICA

Onde foi que fui
ontem, onde fui

que pôs talheres
comes e bebes

(corpos, mulheres)

e foi dito algo
(ad hominem?)

não mui fidalgo

[pois acordaram
desacordarem]

que esqueci hoje
de lembrar onde

fui - e foi ontem...

{será anteontem?}

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

QUADRA DA SENSATA INSIGNIFICÂNCIA

Penso o tempo numa escala geológica.

Penso o espaço numa escala astronômica.

No entanto, nesta lida microscópica

são apensos de uma vida econômica.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

REVISITA 101 - POEMA BOBO DE AMOR

28º poema de À procura de Nefertari

Quando és doce
em tua voz aveludada

abre-se, no ouvido

o Paraíso
das Mil e Uma Possibilidades
de Felicidade.

Por tão pouco
- duas palavrinhas carameladas

ressuscita-se, no peito

os Tambores
das Mil e Uma Batalhas Travadas
no Passado.

Porque teu poder
de mulher sobretudo amada

semeia, invencível

o Destino
das Mil e Uma Venturas Sonhadas
por Nós Dois.

16/05/2005

terça-feira, 20 de outubro de 2015

O QUE FICA DE CECÍLIA

a Cecília Meireles

O que ficou de Cecília?...

Da  pessoa lírica
a quem eu amaria

(a que eu procuraria
saber se existiria)

se nos emparelhasse
a época devida?

O que ficou de Cecília

que desemparedasse
a pessoa física

(a que eu procuraria
saber se me amaria)

que atravessou a vida
ao lado da poetisa?

...

O que fica de Cecília

cerzida na poesia
que sonho à revelia

de sonos e vigílias?...

domingo, 18 de outubro de 2015

DOMINGO OPOSTO

e justaposto

Ah, o meu domingo

quando moroso
quando corrido

enquanto ocioso
enquanto ativo

(e remoroso
até que findo)

é delicioso
é deleitoso

apolínico

dionisíaco

cafeínico:

- como um amigo
que espirituoso

materializo!...

sábado, 17 de outubro de 2015

REVISITA 100: PELA GRAÇA DE SER INTEIRO

27º poema de À procura de Nefertari

Neste espaço em que o tempo não anda
árvore enraízo; e fixo, fico toda a vida
por teu pouso cansado de pássaro a ermo
esperando errar de galho, de outro caminho

errado, do rumo equivocado, tocar distraído
o plano físico; que, num planar alquebrado
de tantos infortúnios derivado, esse vôo ferido
enfim chegue, no exíguo segundo, ao meu ninho...

Por enquanto, tudo o que sou sob o céu limpo
é um meio copo vazio: a metade do teu amor
querido, mil vezes perdido entre mundos

esquecidos do seu contrário - deste, suspenso
no tempo que não anda, no mesmo espaço
em que eu - ninho e pássaro - seria ao teu lado.

15/05/2005

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

RETIRO

Exausto

de viver

o excesso

de assim ser

meu Fausto

descansa

egresso

da ânsia

de morrer.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

QUANDO QUATRO SÃO CINCO

ritual significante

Para que algo faça sentido

além de pensá-lo preciso

contemplá-lo perspectivo

noutros quadros sem ressenti-lo:

1. o interior e constitutivo;

2. o anterior e substituível;

3. o posterior (re)constituído;

4. o exterior (in)cognoscível.

...

[mas se quatro são cinco, o digo?...]

TOMARA QUE GAIA

Um vento de praia
avoando jandaias

a tempo se espraia
maturando uvaias...

Como se cabaia
tomara-que-caia

desarma atalaias
perfumando as aias

rearmando tocaias
antes que o sol saia

se da mesma laia...

[por baixo de saias
sua viva azagaia

convida à gandaia]

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

terça-feira, 13 de outubro de 2015

CONSTRUCIONISTA

As coisas não são o que acontece.
As coisas mais são o que parece

que em vão editamos mentalmente

- pois mal publicamos entre a gente.

[é coisa que objetivamente
subjetiva o que então percebe]

...

As coisas são mais o que aparece
pelas fendas (convenientemente)

dessa precariedade consciente

que fragmentariamente tece.

domingo, 11 de outubro de 2015

QUADRA DA VIA RENOVADA

finally

To run again
(although in pain)

- what a joy, hein?

[enjoy the rain]

CIÇA

um mês

Mama, peida, caga
dorme, acorda, baba

- e o avô, a cada
coisa feita, nada

nada, nada, nada

muda sua fortuna
bem-aventurada

[rediviva a graça
pequenina o abraça]

sábado, 10 de outubro de 2015

SOLIDARIEDADE

1. Faço minhas tuas palavras
teu esforço de enunciá-las:

- o verbo, desde o princípio
(se junto dele um princípio)

distingue, quando explícito
as valas dos precipícios...

2. Faço minhas tuas palavras
difíceis por necessárias:

- mesmo instrumentalizadas
contrastando as palatáveis

nos discursos aceitáveis
(sobretudo os detestáveis).

3. Faço minhas tuas palavras
mormente as encalacradas:

- aquelas assujeitadas
a nada significar

além do que é protocolar
segundo os mestres do lugar.

4. Faço minhas tuas palavras
se forem esculachadas:

- se quando o que se apalavra
de manhã, à tarde lavra

enfático o duplipensar
como prática regular.

5. Faço minhas tuas palavras
as poucas que te são caras:

- as boas articuladas
em favor de poder dispor

seu contrapoder ao favor
malevolente de um senhor...

6. Faço minhas tuas palavras
no esforço de não calá-las:

- o verbo, desde que o sinto
o penso, neste finito

invólucro em que existimos
com capricho, como bichos...

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

REVISITA 99: SONETO DA (E)TERNA LUTA

26º poema de À procura de Nefertari

Desta veia que arde e esvazia
parada, azul, inquieta, luzidia
e agora fria - cirúrgica e fina
lâmina, cruelmente fria

todo o percebido, infinito em parte
sinto mares, florestas, rios
e vales, montanhas, abismos;
amplas as gastas planícies desertas

de sentido do que verde aspiro
do árduo sol diário, e à noite
enluarada de sonhos constitutivos

do meu par contigo... E o percebo
maior ainda, na perspectiva
dessa veia nunca abandonada.

14/05/2005

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

SONÂMBULA

trágica a farsa

Aquela marcha
que muitos marcham

por ser marcada
(os passos acham)

poderá levar
tempo pra acabar

ao acordarmos

[se recordarmos
quando passará]

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA

quando Messi se machuca, não há chuva, nem Pachuca...

Espero que um dia Lionel

se torne o Senhor dos Anéis
da arte da bola nos pés:

- eterno na imaginação

(com a ajuda das invenções
tecnomágicas de então).

O espero porque o que Lionel
mais tem oferecido, e a nós

(amantes de um ludopédio
a anos-luz do que é médio)

um dia nos deixará sós:

- se hoje órfãos de uma contusão
amanhã permanecerão...

[tal como de Diego e Pelé
(nossos ancestrais lembrarão)

somos penitentes até]

terça-feira, 6 de outubro de 2015

SEXTILHA DO FIM DA SECA

antropomórfica

O céu pesou
de não aguar

e começou
a desaguar

no que secou
do seu pesar.

NECRÓPOLE CANDANGA

O Campo da Esperança

na ponta da outra Asa
(ali, outra morada)

daqui, é o fim da dança.

...

O Campo da Esperança
vejo com desconfiança:

- desde que, na Esplanada
pouco havendo, aventava

se o que via era nada.

...

O Campo da Esperança
me espera desde criança

desistir da Asa Norte:

- abandoná-la à sorte
da vida precipitar

(num vacuum crepuscular)

pela hora da morte!...

...

Do Campo da Esperança
no Setor Hospitalar

guardo alguma lembrança
de fundo domiciliar:

- antes, coube esperança
(sobretudo especular)

por nascer planejada

esta velha jornada...

domingo, 4 de outubro de 2015

REVISITA 98: HIATOS

24º poema de À procura de Nefertari

Entre ontem, hoje, há pouco e agora

minha memória de ti próxima
(cheiro, textura, a luta morosa)

[da recorrente noite interrompida
sonhando feliz pela manhã fria]

irrompe a tarde monótona, e desloca
tácita a palavra; afortunada, a roda

gira pensamentos, revira sentimentos
incertos do conforto em torno do teu corpo

pleno de um sentido indo e vindo:

- por aqui, ali, adentro e afora
lembrados alongados pelas horas

teus olhos negros - negros sóis tornados
faróis - guiam-me calados de amor...

07/05/2005

sábado, 3 de outubro de 2015

AGORA CORRENTE

e rapidamente

A chegada de outros
- dos outros nosotros

ao finalmente só
originário pó

tão próxima de nós

vem desatar os nós
- agora, correntes

do tempo-semente:

- aquele amarrado
quando adolescente

que uma vez atado
(e reatado, mente)

não passa, na mente...

[de ilusão somente]

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

REVISITA 97: O LADO ESCURO DA LUA CURVA

23º poema de À procura de Nefertari

Filha das noites brancas, a minha amiga
bruma esquina vira no meu encalço;
velha reconhecida, essa criatura
nem sei se é amiga; mas companheira
de eras priscas, é com certeza

filha das noites, dos dias, da próxima
ira; a companheira do meu tempo
neste planeta, deste lado preto
da láctea vida; a visita, quando
lembrando esqueço, da via precária

percorrida - na forma do sono
no meio do dia no corpo de chumbo;
na estreita busca do relógio
nunca à vista; na tarde-marquise
que desaba sem energia

no meu chão firme ainda...

Qual linda Cinderela, paradoxal
pedaço vestido, algemas à vista

ela dança, afinal, a perspectiva

de libertação (afinal)
da Pandora minha dos presídios

neste beco-espaço sideral...

30/04/2005

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

DA (IN)DETERMINÂNCIA

diante do paredão climático

As ondulações da brisa artificial do ventilador
nas persianas vitais desta sala enfadada de calor

concentram decerto atenção
ou bem a dispersam também

(espécies de meditação).

Oscilações de cortinas ao vento parecem supor
que a acidentalidade da imagem acima possa impor

(em decorrência suficiente do consequente torpor)

o tipo certo de atenção

da série de mais opções
que aquela miragem sustém

[solitárias na multidão
solidárias com a questão].

...

{cabe-me então recuperar
um corpo são do aquecedor - a ventilar outro lugar}

terça-feira, 29 de setembro de 2015

REVISITA 96: A CHAVE

22º poema de À procura de Nefertari

Nunca eu soube de que lado era
a secreta entrada das câmaras
de mim, íntimas desconhecidas:

- por onde vieste, qual brisa agreste
assombrar de cima abaixo, frescor
verde-róseo varrendo sepulturas...

Dos corredores nunca percorridos
defuntos interiores nos abismos
embora pressentisse, eu não soube:

- até que dispondo o teu corpo
de tua alma depois em escritura
peregrino, me alçasse todo
num matutino longo vôo...

O que cofre involuntário frio
tinha aquele sólido sido
à superfície, vívido vidro

pulsante rachou vertical do exterior:

- no espiral vento, a utópica face
em rubor encantador, íngreme
do amor, fez-se ápice - a chave
inadvertida da felicidade...

30/04/2005

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

SOLICITAÇÃO

por monções até o fim (das estações)

Até que venha
o que me aquiete

cortando a veia

que não se aquiete
a natureza

do que acontece

na terça-feira
na quarta-feira

no quinto teste
da sexta prece

(ver se acontece)

enquanto esteja
na correnteza

um eu que preste...

VESPERTINAS

quatro quadras


1.

A tarde, branca e singela

(à tarde, quando amarela)

é pálida, das janelas

e cálida, nas donzelas...


2.

A tarde, quando encapela

por dentro de uma olhadela

se tarde, faz com que velas

ao centro enfunem estrelas...


3.

A tarde, quando dá trela

destarte, a tempo acautela:

- caso amiúde procelas

de alaúde, ela as parcela...


4.

A tarde, quando encastela

à parte, enquanto flagela

(se sólida a cidadela)

é mórbida, desta cela...

domingo, 27 de setembro de 2015

(SE NÃO JÁ MORTO, QUASE)

Um domingo enfunado
pelo verbo estancado

[por um tempo cansado
de ventos enfurnados]

é o que avento no espaço
deste texto que ameaço

e não desembaraço

{desde cedo esse teor
independente do autor}

sábado, 26 de setembro de 2015

DA FAXINA

hoje cedo

É sábado
dos bárbaros:

- da limpeza
sem nobreza

da aspereza
dos ácaros!...

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

REVISITA 95: ENTREDIZERES

20º poema de À procura de Nefertari
 
A tua voz, já um pouco triste
de sua atroz melancolia
 
repisa áspera dez gastas
pedras lisas. Púrpura, a via
 
locomovendo linhas várias
ancestrais vinhas de palavras.
 
Fiel depositário, um ouvido
se lançou rede em captura
 
das secas frutas que derrubas
junto a outras, belas de menos
 
mas nelas todas solitário.
 
(delas todas solidário
 
prometerei, sintáticos 
mil favores semânticos
 
por ora pragmático)
 
[esclareço que replicarei, sem demérito
(seja a verdade, quimeras, ou mero confeito)
 
negócios de objetos com futuros perfeitos
num júbilo antecipado de amor a crédito]
 
26/04/2005

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

EPICURISTA VII

Curvo-me ao tempo

(do contratempo)

com pensamento

num sentimento:

- estar atento.

POR PARTES

é da idade

Esta tarde
a cidade

caminhei pela metade.

A metade
desta tarde

caminhei pela cidade.

A cidade
na metade

caminhei por estar tarde.

...

[nesta tarde
na cidade

caminhei pela metade]

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

DO FIM DA COMPOSTURA

na cena jurídica (duas observações)

1. Ao menos à distância
(à margem, na verdade)

percebo a exuberância
(exótica, destarte)

daquela ignorância
togada da vaidade

cevada na constância
de sua impunidade:

- viceja na abundância
da vitaliciedade;

- atua em consonância
qual a moralidade;

- placebo em substância
tal a necessidade...

2. Par à repugnância
que mais exorbitâncias

ensejem à vontade
(entre um e outro mascate)

percebo uma alternância
(senão uma novidade)

naquela ignorância
tão dada a disparates

cuja deselegância

olente de fragrâncias
paleovernaculares

chegou aos populares:

- na ausência das flagrâncias
urgência de avatares!...

terça-feira, 22 de setembro de 2015

REVISITA 94: O CENTRO

19º poema de À procura de Nefertari

Do centro
egocêntrico
nada percebo

(só branco
o claro pião
girando imóvel).

O ar, a fala
tangíveis
entalam. Asfixiam.

O pensamento
paralítico
arrasta o silêncio.

O olho
vidra estático
como se não fosse

a tua foto
virtual
retrato perfeito

(do momento
crucial
sem movimento).

24/04/2005 

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

EPICURISTA VI

não há realidade a temer

... se me quedo sem escrever
por outra razão que prever

a inutilidade de haver

[esta, aliás - que paixão por trás!]

a mediocridade do ser
que sou impõe-se depender

da disposição do poder
que posso de contradizer

tal imprevisão - e escrever!...

domingo, 20 de setembro de 2015

ZORRO, SOCORRO!... II

hoje cedo

Vou caminhar
daqui a pouco

pra não pensar
(pra compensar)

que não corro

não percorro

nem recorro:

- ao divagar
só decorro

[ao me entregar
tão devagar]

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

REVISITA 93: NO CAMINHO DE NEFERTARI

18º poema de À procura de Nefertari

Sempre a um passo, rastro, toque de algo
vivo extático o sonho, a rósea iminência
do desabrochar perfeito; do instante dourado
das portas abertas do palácio; do cristalino
estado das coisas plenamente reconhecidas:

- triunfo iluminista nas profundezas do abismo.

Sempre estou metro atrás de medir o calado
a devida compreensão da quilha embaixo;
dos grilhões no fundo, guardo a vaga impressão
de hóspede eludindo a mente, uma rasa noção
do que vaza por dentro:

- talvez torturado da verticalidade
dos impulsos vulcânicos de felicidade.

No momento contínuo das sedas em movimento
desdobradas indefinidamente desde sempre
percorro cuidadoso o teu sacro espaço:

- mas não macular processo, tempo, colheita
(a comunhão na bacia imperfeita das almas deste mundo)
desaponta possível o nosso único futuro...

[pulsa contrito o cardíaco sentimento
de amor zeloso aos corvos afastando]

23/04/2005

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

DA SUBVERSÃO DA SONECA

por que abismo nela?

No meio do dia brilhante
tal escuridão ofuscante

rebrilha no dia potente
opaca escureza presente

em sonhos - certeza o bastante

enquanto sesteio inocente

do quanto o meu sono apreenda
do tanto que não compreendo

- cada qual pesadelo adiante...

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

PEREBA

recorte

O passe

que passe

dá sorte

(má sorte).

O drible

que tente

(nos livre
 que finte!)

- é a morte.

Já o chute

(consorte
do corte)

pro norte:

- seu forte

no esporte!...

terça-feira, 15 de setembro de 2015

PERSPECTIVA DE CLASSE

do golpe abaixo da cinta

A eloquência dos de cima

- qual verdade cristalina
de uma ciência repentina
que repetem paulatina

cai violenta nos de baixo

como facada ou balaço

(preocupada todavia
face a tal desembaraço)

[educada no regaço
de que não há mais saída]

{ocupada morro acima
com o que esconde debaixo}

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

EPICURISTA V

Se disponho de café
como dispõe um mané

passo bem sob o boné
como bem fosse um josé...

Se disponho de puré
ou do que come a ralé

(acompanhando o café)

já evito a ação das polés
ou o vaivém das marés

habilitando sopés

sem depressão ou revés
numa montanha ao invés

- porém flanando através
desta galé sem convés...

EPICURISTA IV

Ampara a vida calma
(pretérita a medida)

um sono vindo d'alma
embora ao meio-dia:

- num sonho que enuncia
que no futuro havia

o que o presente empalma...

domingo, 13 de setembro de 2015

REVISITA 92: ANTES DE CAIR

17º poema de À procura de Nefertari

Sobressaltos não combinam com saltos altos
com coqueiros, eucaliptos, postes, edifícios
torres e montanhas; pontes e precipícios
inferiores abismos interiores:

- com alturas não medidas por desejos desmedidos.

Mesmo assim poço arrogante, invólucro de carne e osso
microscópico desafiante, sou da arte-imensidão do todo;
crente do amor, passo atrás do finalmente encontro
adiante crônico de felicidade infinita:

- corda e caçamba, parede, tombo e água fria.

Sobressaltos descarrilam trens de expectativas
implodem fantasias, denunciam guerrilhas
em luta nos campos minados das almas feridas...

A desamar a contradição que te habita
expansiva, cósmica valquíria
supernova explosiva

prefiro eterno desarmar o espírito
a desatar nós; fugir do teu fogo amigo
num amor de amigo convertido:

[por isso]

- antes de cair, devo ir.

22/04/2005

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

FÁTICA

Uma fina dor de cabeça
(da ausência de café na mesa)

afina a minha benquerença
por esta amena sobremesa

que me lembra a tua presença
depois de saída à francesa

(antes de chegada a despesa):

- nossa conversa ao pé da orelha
sobre assunto que deu na telha...

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

EPICURISTA III

fragmento

... sobre a dor e a morte
crê dispor de sorte!

- uma aporta o norte
do prazer que corte;

- outra é outro aporte
sem prover que importe...

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

REVISITA 91: MANHÃ SONHADA

16º poema de À procura de Nefertari

A linha sinuosa do teu corpo ao lado
(cobra insinuante a quebrar o compasso
lenta descontinuando o instante lasso)
varre a minha mente de pretéritos cacos
e ocas previsões; envelopa-me parvo
ao preciso e ao sagrado, a sedas abraçado
num sossego conquistado duramente fátuo...

Respiras o silêncio, subindo em staccato
a leve pluma morna e agridoce do teu hálito;
sonhadora interrompida, dorminhoca entre atos
(quase toda espreguiçada, quase nada acordada)
reviras, quase tanto distraída, à procura do acaso
da minha boca - do beijo bojudo que findo roubas
num grande e gracioso e perfeito movimento...

E num segundo gordo, toda a hora se ilumina
quando índio nu acendo, apache a fogueira
teus sentidos nos tecidos finamente consentidos
de lícitos cuidados, e ilícitos - a ordem contrafeita;
e depois esfumaço púrpuro e rubro, amarelo e branco
quando ao mundo anuncio, descansada da refrega
a paz derretida das hordas satisfeitas...

[logo finda a alegria, pois desperta a rotina
da vida incontornável dividida ao meio-dia]

21/04/2005

terça-feira, 8 de setembro de 2015

EPICURISTA II

Que prazer, que cansaço

contemplo

no que disponho diante

do espaço

mas indisponho adiante

no tempo?

Que dizer que embaraça?

Que fazer que estiraça?

Que porvir os abraça

do seu negror radiante?...

...

[com tempo

o espaço

contemplo

confiante]

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

SETE DO NOVE

No dia da pátria
das minervas suas

há septimátrias
na areia das raias

por mais tropicália
à beira das ruas...

No dia da pátria
há minervas nuas

na ombreira das alas
dobradas nas puas

douradas nas praias
sombreadas às duas...

Na data da pátria
eu lembro que a pátria

é a ideia de pátria:

- bandeira dos xátrias
grilheta dos párias

é uma visão casta
que maya, não basta

(aos brâmanes, nada)

domingo, 6 de setembro de 2015

NO ZÊNITE DA SECA

sinais

O tempo do limite
expor sua dinamite.

É pálido o grafite.

Lento qualquer trâmite.

Há falta de apetite.

Nossa a neurodermite
vossa a pneumonite

(parecem proctites
aquelas vaginites).

Rareiam teus palpites.

Da ausência de convites
padecem socialites.

Entre a plebe e as elites
vivos dão mortos quites...

sábado, 5 de setembro de 2015

REVISITA 90: FRAGMENTO VULNERÁVEL

15º poema de À procura de Nefertari

De ouvir-te leve, alegre voz distante
independente de qualquer instância (parece!)
e de um favor disposto a qualquer instante

correu-me grega as veias tal tristeza espessa
a saber impotente o exigente sentimento.

Lava grossa debulhou-me em lágrimas
fútil magma, cristalino afogamento:

- o que tem o amor a ofertar mais generoso
se a sofrer tão doloroso, qual cão purulento
à míngua pelas ruas e vielas deste mundo?...

[pressinto vão saber, o nervo exposto
em riste, mudo acusando a intempérie]

18/04/2005

OTÁVIO

Meu amigo querido

partiste teu destino

num número infinito

de possibilidades

que as probabilidades

igualam no sentido

da gratidão que sinto

por teres existido.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

REVISITA 89: DAS CELAS DE JANELAS

14º poema de À procura de Nefertari

Ali, outro domingo luminoso desidratando
a hora, e quase convidativo: um deserto silencioso
de sentidos. Aqui, um zoológico de pensamentos híbridos
errando deveras a jaula em que erras agora.

[toda vez que abro o dia azul na clara tela
das idéias, o teu par oblíquo, fitando-me janela
(moldura melancólica de um ébano poético)
quietamente ao búfalo arrasta, magnético
da minha mais funda, encerrada cela]

Servi café amargo a todos os bichos
aos pássaros endoidecidos; penados
seguirão pressurosos, solidariamente
a tua alma errante pelo ciberespaço

(embora acreditem, presunçosos e pios
que erras acerca da liberdade em questão
cyber-cerca, na verdade - a tua alada prisão)

17/04/2005

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A ESTA ALTURA DA EPOPEIA

Ressecada a ressacada
das ideias contra a tela

(recomputadorizada
por mais letras sobre as teclas)

em mais outra temporada
de estações estacionadas

talvez caiba na cadeia
das palavras descoradas

das finadas de poética
melopeias afinadas:

- analfa ou alfabéticas
orais ou hipotéticas

a esta altura da epopeia
cantilenas encurtadas!...

REVISITA 88: SONETO MORTO DE AMOR

13º poema de À procura de Nefertari

Densa, e escura, e pesada - absinto
drogada pasmaceira à tarde, a sexta
saudade devora fígados, a paciência
lenta comigo nesse momento-abismo

(e um desejo de amor imenso
paraíso se tudo fosse farto
deita a correr meu tempo
agoniza sem morrer de fato)

A gravidade pesa o meu cansaço
em toneladas; a esperança de banhar
o espírito em confiança, esvai-se regular

pois tudo esbarra monstruosa ausência:

- além dos sentidos, a tua fina lembrança
fria lâmina, despedaça-me a garganta...

15/04/2005

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

ELETROCARDIOGRAMA

Minha vida caminha
apesar de sozinha.

Minha vida encaminha
sopesar que avizinha

em ondas esquisitas

[medidas de batidas
de choques, de subidas
descidas de vencidas
(berloques de feridas)]

aquela reta linha
que a máquina vindica

enfim das cavas lidas
das sondas exauridas

rente à tela - à tardinha...

terça-feira, 1 de setembro de 2015

CENSO DOMÉSTICO

senso animal

Amiga
formiga

me diga
se a lida

- na cozinha da Vandecira

é a vida
querida...

NATUREZA DO POENTE

antes que avermelhe

A beleza
pipoca
amarela

na panela
da hora
da reza.

PROJETO DE VIDA

Sob o teto
céu a pino

amarelo
sobre um piso

arquiteto
interciso

o que é belo
dividido

(paralelo
e adstrito)

entre um teto
antevisto

e o novelo
onde piso.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

FACE A MEDIOCRIDADE

nenhuma honestidade

Toda vez que me sento
diante da tela, tento

(é assim que me apresento)

protegê-la do invento
centrípeto de um vento

(é assim que o represento)

que-interno-ocupa-o-hiato/vácuo-do-pensamento.

Desrespeito o momento
[o vazio do texto]

pretextando um evento?

Ou respeito o cinzento
intentado, a despeito?...

[qual mesmo o sentimento
de fraude em movimento?]

...

{diante da tela, avento}

domingo, 30 de agosto de 2015

DOMINGA III

À noite posso
dizer que nosso

amor de conto
labor perdura

no contraponto
da hora escura.

DOMINGA II

Tarde que cura
tarde, que dura

temperatura
de cozedura

até que murcha

(de sol, a lua)

DOMINGA

Manhã manhosa
(manha brilhosa)

esta que acorda
em mim agora

a fim de nada
que mais parada.

sábado, 29 de agosto de 2015

REVISITA 87: DIÁRIO (PUBLICADO) DE UMA PAIXÃO

12º poema de À procura de Nefertari

Em textos convertidos, vivemos
registros mal lembrados de tempos
quase esquecidos; dos papéis sumidos
às páginas soterradas milhares pelos anos;

porém, ao escrevermos e guardarmos
na memória dos recônditos armários
impressões das chaves que usamos
(cônscios vez ou outra de abri-los)

recordamos tanto a matéria-prima dos sonhos
quanto o barro modelado em feitos; o que somos
da construção de espaços há muito transitados.

[o grande livro da capa verde
sobre o longo rio em sofrimento
está pronto; ele não mais te pertence;
que então ganhe as ruas, e quantas mentes
libertem outras tantas, de todas as correntes
recentes do passado - oxalá triste pretérito
não mais presente, não mais devido]

{... e quão nobre missão a tua!
Reabrir justa, pelo mundo
teu recôndito coração puro!...}

10/04/2005

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

REVISITA 86: SUMA ASTROLÓGICA

11º poema de À procura de Nefertari

Acordei da névoa lusco-fusca
entre os olhos e a consciência;
e o véu anestésico dobrou escuro
o segundo gasto a ter certeza
afinal de tua existência.

O café, a música, a tela brilhosa
inseparáveis da manhã crepuscular
derramaram-se pelos cantos múltiplos
recontando, extáticos, as tuas estórias;
nestas antevi, sonolento embora, a tua vitória:

- a vitória óbvia do desejo sobre o medo
pelo teu horizonte inimigo dos cubículos;

- o predomínio das cores vivas sobre a cinza
dor recidiva; o triunfo dos afetos em flor
apenas por brotarem, testemunhas viças
do quão fértil és, em realidade e fantasias;

- a prevalência definitiva, sem mais idas
da inocência incontida dos propósitos
no espírito da tua herança adolescente;

- e na tua hora hoje adulta, algo retida
a escolha real dos impulsos, ora temperados
logo virá no molhar da camisa, a jogar a vida.

Por fim, a minha nobre, oportuna astrologia
dourando vespertina essa questão matutina
(no avançar inexorável deste lindo dia)
concedeu-me derradeiro o conhecimento
limpo - sem nuvens - do teu destino:

- nele um amor rendido, franco
plenamente correspondido
será coroado soberano.

09/04/2005

terça-feira, 25 de agosto de 2015

CECIL

ao espécime que o matou

O que se esconde
por trás dos montes

de um horizonte
sem brutamontes

ou caçadores insatisfeitos
a despeito de quase perfeitos?

Imaginemos:

- rinocerontes
brancos e negros?

- sigmodontes
por aqui mesmo?

- bichos com fronte
chifres/presas/pelos/penas/pontes

para as mil fontes do viver pleno?...

...

[imaginemos

retrocedendo: os eucariontes
antes do superior Pleistoceno]

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

NA MINHA CIDADE

todo fim de tarde

como toda arte
que outrossim nos arde

(como se avant-garde)

repete-se à parte

singularidade.

DOMINGO À NOITE

possibilidades

Todo fim de domingo

(do bom tempo, o respingo
que insistimos distinto)

desatina sentidos:

- é a pior hora de muitos
por calarem seus uivos;

- é a pletora de poucos
por ouvirem-se moucos;

- talvez a espora de outros
considerados loucos

[então nascidos potros
talvez crescendo lobos]

{senão nascidos outros
desenvolvendo os lobos}

sábado, 22 de agosto de 2015

SENSÍVEL II

O que o brilho do sol anima
(aponta, aquece, aporta, alia)

em sua diária travessia

se logo é tarde fugidia
em minha solitária ilha?

Por que, da solidária trilha
(de estrela que a tudo rebrilha)

presumem-no ser que ilumina
a toda e qualquer superfície

se pródigo, à noite desiste?...

[ainda que vença a madrugada
pontualmente, a cada jornada

o que ao brilho do sol resiste

em mim, se padece com nada]

REVISITA 85: LÓTUS

nono poema de À procura de Nefertari

Lótus. planta aquática (Nymphaea lotus), de folhas orbiculares, denteadas e belas, e grandes flores brancas, com pétalas externamente róseas e estames amarelos, nativa da África, especialmente do Egito, muito cultivada como ornamental, e pelos rizomas e sementes comestíveis; loto-sagrado-do-egito, lótus-sagrado-do-egito, nenúfar, ninféia.

Quero-me jardineiro
dos vasos aguadeiro
sob o sol do deserto
perto de ti, e amado.

Procuro-te, às margens do rio
sagrado; se do teu agrado
voltarei, caso não te encontre
no caminho da barca de Caronte.

Quero-te cultivar as flores
generosas; pois das piores dores
sofrem vidas sem a beleza
dos caprichos, vítimas da natureza.

Procuro-me, de corpo e alma
ao procurar-te, às margens do rio
sagrado; se bom jardineiro e aguadeiro
retornarás morena ninfa, alva Rainha!...

[quero jardins de vasos abaulados
vertendo calmos as águas distantes
que conosco vicejem, em instantes
róseas ninféias, nenúfares alados]

08/04/2005

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

QUADRA DE FORA

fora de casa

Aqui e agora
sofro que a hora

que o sono adora
sonho por ora...

REVISITA 84: DAS HORAS

oitavo poema de À procura de Nefertari

Esta manhã cedo amiga, ensolarada
antiga luz de arcos, flores de sacadas
clara coloriu crepúsculo pensamento:

- pintou de azul-puro o meu desejo
de andar contigo, as mãos dadas
bobas sorrindo pelas calçadas.

Quando o calor enfadou o dia, a tarde
encontrou-me contigo no interstício
do mais saudável, o quarto cochilo:

- quase acordados sonhando vagares
de largas asas levando-nos pelos ares
à insustentável jornada de que falaste.

Dali a noite invisível, opaca cegueira
introverteu-me cinestésico o espírito
para coisas mínimas que são tuas:

- finíssimas fraturas diminutas
dedilhando certeiras sílabas ligeiras
a varar agudas madrugada escura.

[quero-me seta e alvo, a escala do relógio
no espaço inteiro desse tempo a teu respeito]

08/04/2005

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

PEQUENEZES

aos cãezinhos de Luis Fernando Verissimo

Nossas certezas
intempestivas

nossas destrezas
inexpressivas

- na ventania
respectiva -

quando coincidem
impositivas

cheiram fuligem:

- pulverulentas
ferem as ventas

ao colidirem

poeira apenas.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

VICE-VERSARIA?

vela e parede, parede ou vela

Teu muro macio
dispensa o que eu digo.

Pura alvenaria
dispensa que eu diga.

Se há cura auditiva
dispensa que o diga...

[dispenso que o digas
(se então recíprocas);

dispenso o que alisas
(duras cantarias);

repenso armistícios
(se os urde 'bem-vindos')]

***

Teu muro maciço

me amura preciso
em duplo sentido.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

ANTES DO GELO

à cupidez tropical

Acima, o mundo é solar
mesmo na noite polar...

Abaixo, muito está no ar

arrebentando o colar
bestializando o falar

contaminando o pomar
envenenando o lagar

(submetendo o lugar
vitaminando o dólar)

degenerando polar...

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

REVISITA 83: POEMA TORTO DO AMOR SENSATO

sétimo poema de À procura de Nefertari

Tenho de falar do amor que me aluga
perplexo, andares inacessíveis de mim;
do meu amor-invólucro sobre as pernas

esguias dela - bípede passante, sem nexo
movendo incessante o cardíaco plexo
(que sonho, louco, daqui a pouco habitar)
de caminhante solitária das vias obstruídas.

Tenho de tratar do amor que me ocupa
carente das largas e verdes perspectivas;
faz-me doente dela a tristeza dos poemas

que escrevinha; ponteiros mal partidos
guias perdidas, lembranças desmemoriadas
de um tempo não vivido (como então lhe digo
que sou a vida, a verdade - o caminho?...).

Tenho de cuidar do amor que me inunda
de lágrimas virtualmente investidas, vertidas
pelas janelas semiabertas quando fecham

instantâneas, implacáveis no cerrado soslaio
das intenções, desconfiadas de atenções
(porque a cyber-dor que se realmente sente
deveras desmente-se na terra do nunca).

Tenho de amar o amor que me cura
definitivamente; há tanta sanidade oculta
debaixo das palavras, por cima das estrelas

das toalhas plásticas de mesa; e beleza
nas minúcias que o olho não capta da poeira
dourada de coisas corriqueiras, ordinárias

e mágicas - o limiar onde afinal te encontro...

07/04/2005

domingo, 16 de agosto de 2015

ZORRO, SOCORRO!...

retomar Sísifo, suponho

Quando não corro
domingo, eu morro

descendo o morro
caindo o forro

enquanto borro

minguando o jorro
sumindo o esporro...

[velho cachorro
bicho chinchorro!...]

sábado, 15 de agosto de 2015

REVISITA 82: OS FLUXOS DAS COISAS QUE ME CERCAM E CONSTITUEM...

sexto poema de À procura de Nefertari

... não apontam caminhos, saídas, redenções, outro ser derivado
das coisas que me cercam e constituem; o tempo, num momento
tudo paralisa, friamente convertido na expectativa
do ato à frente: mas qual tentar, se meus pés-troncos
lançaram grossos suas raízes?

Os fluxos das coisas que me cercam e constituem
não contemplam quedas definitivas nos abismos
do branco desespero; circulares, circulam-me
entre as coisas que me cercam e constituem
sem trégua, sem a régua-e-apontador
de uma infância guia.

Os fluxos das coisas que me cercam e constituem
não se abalam febris em reta direção à praia das imagens
abertas, mornas, areadas, arejadas que emancipam; eu queria
uma vez só as coisas que me cercam e constituem prisioneiras
de vontade incontrolável, avassaladora, torrente veloz e massiva
da sanguínea pressão alta de um homem livre.

Os fluxos das coisas que me cercam e constituem
não te incluem entre as coisas que me cercam e constituem
exceto como fantasia; sonho em sonos sem tratativas
com lugares e estares teus, espaços além de quaisquer visitas
do corpo; neles, projeto desdobrado meu largo interior desabitado
numa tapeçaria infinita: o chão aéreo dos teus etéreos passos

aquém do que é preciso.

05/04/2005

NO MUNDO DO TRABALHO

ilusões de aço

Eu caço

(mormaço)

eu laço

(cansaço)

eu faço

[bagaço]

eu passo...

{baraço}

...

eu _ (traço!)

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

REVISITA 81: DA SUPREMA SANIDADE

quinto poema de À procura de Nefertari

Toma a minha mão, venha comigo
calma a chegar algum lugar;
rir e chorar dos caos do mundo
achada e perdida de tudo
também posso - mas junto.

Durma aqui mesmo, de um jeito
que sinta no peito o teu rosto
profundo e sossegado de sonhos
anis; longe da fumaça branca
a não mais cobrir a estrada.

E acordada, faça da luta
dos corpos estranhos no cio
o prazer úmido, misterioso
insensatamente sadio
das secas almas desconhecido:

- a paz doce dos músculos vadios.

04/04/2005

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

REVISITA 80: LA SORCIÈRE

quarto poema de À procura de Nefertari

Fora, a noite cobre tudo que amanso
com seu manto estrelado de cabalas;
por dentro, a noite debate-se; e se tanto
em frente, a tela é frente - de batalhas!...

Luta amorosa, e doce, e tormentosa
por teus vários fragmentos; pelo entendimento

inteiro de ti vaporosa; da musa eletrônica
chave de todas as portas:

- dos portais daquele espaço há tempos
que noite embora (lida de ventos e cansaços)

[de escuros interiores e exteriores vastos]

{dos obscuros significados}

a manhã renova - e com ela, outros obstáculos;

... mas que um dia, numa hora
(marcada muito atrás por nossos ancestrais)
reunirá contemporâneos os pedaços

da menina-princesa de outrora

aos meus sonhos tão planos - de pisados;

e torto então, incompleto (completamente humano)
o cair imperfeito das peças no cotidiano
celebraremos - nas nuvens, como hiatos contando

o quebra-cabeças redentor do amor - a eterna cola.

02/04/2005