três fragmentos
O calor já não é tanto; a umidade absorve gradativamente minha indisposição. Estou me adaptando.
***
Belém é melancólica. Parece mulher triste e maltratada. Ouço que desleixada e suja por disputa de filhos ilustres - mulher de malandros coronéis, caprichosos e abusivos. Porém, a cidade mantém certa beleza - a beleza do casario antigo, da copa unificada das mangueiras solidárias... Belém é ultimamente bela - embora comprometida pela velhacaria autoritária, que promove a novidade malfeita e com esta bem coexiste.
***
A tarde é chuvosa sempre. Nuvens negras cobrem o céu e o chão; a vida cobre-se de cinza diariamente. Belém escura é lúgubre, um filme antigo; os antigos casarões de sombras úmidas reavivam seu encanto de passado glorioso. Retomadas, as ruas ainda pertencem mais à chuva do que aos homens. Mais parece uma maneira de se lavar a alma...
03/05/1982
terça-feira, 30 de setembro de 2014
segunda-feira, 29 de setembro de 2014
AO SENHOR DO TEMPO II
Desertei.
Deserdaste.
Desertificou.
(nos certificamos
assim do que amais:
- dos banhos os sais
que umidificais)
[...]
{se assim por enquanto
rechoverão quando?}
Deserdaste.
Desertificou.
(nos certificamos
assim do que amais:
- dos banhos os sais
que umidificais)
[...]
{se assim por enquanto
rechoverão quando?}
domingo, 28 de setembro de 2014
AO SENHOR DO TEMPO
do clima que endura
... e nada de chuva:
- como passa de uva
ao invés da fruta;
- ou bafo perdura
revés da frescura;
- calmaria escura
em convés de escuna...
Cadê o manda-chuva
o dono da estufa
(do sopro que enfuna
na seca a úmida
presença que a cura)
- mercê nos ajuda
você que é da luta?...
... e nada de chuva:
- como passa de uva
ao invés da fruta;
- ou bafo perdura
revés da frescura;
- calmaria escura
em convés de escuna...
Cadê o manda-chuva
o dono da estufa
(do sopro que enfuna
na seca a úmida
presença que a cura)
- mercê nos ajuda
você que é da luta?...
sexta-feira, 26 de setembro de 2014
DA ESPÉCIE
Cansamos, cansamos, cansamos...
Comemos (se o temos), comemos...
Dormimos, dormimos, dormimos...
Sonhamos, morremos - e infindos
mais fertilizam-nos jacintos...
Comemos (se o temos), comemos...
Dormimos, dormimos, dormimos...
Sonhamos, morremos - e infindos
mais fertilizam-nos jacintos...
DA FICÇÃO II
revisitando as revisitas
Por que remexê-lo
- o enorme novelo
de vida enlevada?
Da lida passada
por que me interesso
apenas se impressa?
Por que remexê-la
agora enredado
que desinteressa?
A enorme novela
(seleto o passado)
diversa do impresso
arrisca sintética
o verso pretérito?...
Por que remexê-lo
- o enorme novelo
de vida enlevada?
Da lida passada
por que me interesso
apenas se impressa?
Por que remexê-la
agora enredado
que desinteressa?
A enorme novela
(seleto o passado)
diversa do impresso
arrisca sintética
o verso pretérito?...
quinta-feira, 25 de setembro de 2014
REVISITA 18: AREAL
versões
Caminho hesitante nestas ruas de espinhos
Com os olhos vidrados de ver o mundo opaco
Quase cessa a procura, tamanho o cansaço
De divisar o horizonte sempre árido e deserto.
***
De tanto caminhar por estas ruas de espinhos
Tenho os olhos vidrados de ver o mundo opaco
Quase cesso a procura, tamanho o cansaço
De divisar o horizonte sempre árido e deserto.
***
De tanto caminhar pela vida a descoberto
tenho os olhos vidrados de haver o mundo baço;
quase cessa o que procuro, tamanho o cansaço
de empurrar o horizonte a mais árido e deserto...
Belém, 1982; Brasília, 2014.
Caminho hesitante nestas ruas de espinhos
Com os olhos vidrados de ver o mundo opaco
Quase cessa a procura, tamanho o cansaço
De divisar o horizonte sempre árido e deserto.
***
De tanto caminhar por estas ruas de espinhos
Tenho os olhos vidrados de ver o mundo opaco
Quase cesso a procura, tamanho o cansaço
De divisar o horizonte sempre árido e deserto.
***
De tanto caminhar pela vida a descoberto
tenho os olhos vidrados de haver o mundo baço;
quase cessa o que procuro, tamanho o cansaço
de empurrar o horizonte a mais árido e deserto...
Belém, 1982; Brasília, 2014.
sexta-feira, 19 de setembro de 2014
REVISITA 17: MASSA FALIDA
... quanto ao que esvazio-me, alego sua ausência de paixões.
Como frutos se amadurecidos
não colhidos
feridos por passarinhos.
(se no chão terão destino
verei)
23/09/1981
quinta-feira, 18 de setembro de 2014
QUADRA PRÓXIMA DA CHUVA
Do combinado do calor
com a secura derredor
derreter resulta à flor
o aguardo do amor do aguador...
terça-feira, 16 de setembro de 2014
DIDÁTICA PEDAGOGIA
Aula fugidia do dia
aula que se arrasta sofrida
(aquela arrestada perdida
creio, por particularista)
uma sala de aula esvazia:
- onde quarenta e nove havia
sete vezes sete seria
(o que multiplicar-se-ia)
a aula do dia traíra...
domingo, 14 de setembro de 2014
REVISITA 16: DESTINO
Destina-se uma faca
à carne preparada:
- a dividir as águas
das almas inundadas.
Destina-se à criança
brincar com sua balança:
- a burlar vigilâncias
de pesos e distâncias.
Destina-se uma faca
destina-se à criança:
- a ser predestinada
(reconhecida fada)
destina-se defronte
do que certo horizonte
(decerto que horizonte).
16/09/1981
à carne preparada:
- a dividir as águas
das almas inundadas.
Destina-se à criança
brincar com sua balança:
- a burlar vigilâncias
de pesos e distâncias.
Destina-se uma faca
destina-se à criança:
- a ser predestinada
(reconhecida fada)
destina-se defronte
do que certo horizonte
(decerto que horizonte).
16/09/1981
sexta-feira, 12 de setembro de 2014
DE UMA ILUSÃO ELUSIVA
A sala de aula vazia
depois das aulas do dia
(após toda a algaravia
babélica que a visita)
ecoa sabedoria?
[tal qualidade elusiva
como ilusão distintiva
(porque elusão desmedida
à parte mais discursiva)
ignoro-a ilusiva?]
Ou da porta, todavia
pelas carteiras, solita
deste orfanato, conviva
vento encanado seria?...
depois das aulas do dia
(após toda a algaravia
babélica que a visita)
ecoa sabedoria?
[tal qualidade elusiva
como ilusão distintiva
(porque elusão desmedida
à parte mais discursiva)
ignoro-a ilusiva?]
Ou da porta, todavia
pelas carteiras, solita
deste orfanato, conviva
vento encanado seria?...
REVISITA 15: SETEMBRO
O ciclo fecha-se
incompleto?
Minha satisfação muda
não encontra paralelo
conosco.
Teu humor agitado
força sua razão ao vislumbrar-me.
Mas não há cordas ou grilhões
(mesmo seda branca)
para rompermos...
04/09/1981
quinta-feira, 11 de setembro de 2014
DA FICÇÃO
O passado
impõe-se 'ado':
- põe-se dado
pois de fato.
Que pesado!...
(o trabalho
de inventá-lo)
REVISITA 14: UMA CARTA
curta, acerca de anos universitários
Nada posso dizer do sentimento hibernante sem hesitar frações de tempo presente. O tempo. Elástico ressecado, amnesia seletivo o pensamento (e seus rompimentos).
Dos anos que passam, apenas resquícios de momentos cruciais especificam. A alegria incontida; a decepção maldisfarçada. A memória detalha - mas o tempo que escorrerá das lembranças inexiste. Pura ilusão.
Assim é que condensaremos três anos de nossas vidas no espaço de um dedal. Esse dedo - de galinha ou de elefante - deslizará sobre as marcas dos semblantes, pelo que mudamos e no que aprendemos. A partir daí, entretanto - quanto às estórias da história -, outras poderemos: à medida que formos novos em nossos momentos, mais longe e difuso e enganoso será o passado, mesmo marcante.
Creio melhor assim. Justificará as demais tentativas.
29/08/1981
Nada posso dizer do sentimento hibernante sem hesitar frações de tempo presente. O tempo. Elástico ressecado, amnesia seletivo o pensamento (e seus rompimentos).
Dos anos que passam, apenas resquícios de momentos cruciais especificam. A alegria incontida; a decepção maldisfarçada. A memória detalha - mas o tempo que escorrerá das lembranças inexiste. Pura ilusão.
Assim é que condensaremos três anos de nossas vidas no espaço de um dedal. Esse dedo - de galinha ou de elefante - deslizará sobre as marcas dos semblantes, pelo que mudamos e no que aprendemos. A partir daí, entretanto - quanto às estórias da história -, outras poderemos: à medida que formos novos em nossos momentos, mais longe e difuso e enganoso será o passado, mesmo marcante.
Creio melhor assim. Justificará as demais tentativas.
29/08/1981
quarta-feira, 10 de setembro de 2014
REVISITA 13: AGOSTO
A luz tênue iluminando o teu rosto
contrasta a sombra com o claro exposto
pelas esquadrias de vidro
que amoroso enfeito a teu gosto.
Teus pensamentos oculto
dos basculantes que adorno
colorido.
(eu vigilante de um mundo
desenterrando em agosto)
20/08/1981
contrasta a sombra com o claro exposto
pelas esquadrias de vidro
que amoroso enfeito a teu gosto.
Teus pensamentos oculto
dos basculantes que adorno
colorido.
(eu vigilante de um mundo
desenterrando em agosto)
20/08/1981
terça-feira, 9 de setembro de 2014
REVISITA 12: LEMBRANÇA
de um recado
Se soubesses do brilho
com que penso os teus olhos
a noção de distância
desapareceria
como ave agonizante
do mar da superfície.
Eu não lamentaria tanto
contratempos, ventos contrários
aos quais fomos insubmissos;
tampouco envergaria a lança
(hipotética embora)
amiga das nossas feridas
- pois tanto és mais querida
na proximidade física
de eu mais sentir teus pensamentos.
[não estão tão mortas
as raízes entrelaçadas
por si em mim de ti]
15/08/1981
Se soubesses do brilho
com que penso os teus olhos
a noção de distância
desapareceria
como ave agonizante
do mar da superfície.
Eu não lamentaria tanto
contratempos, ventos contrários
aos quais fomos insubmissos;
tampouco envergaria a lança
(hipotética embora)
amiga das nossas feridas
- pois tanto és mais querida
na proximidade física
de eu mais sentir teus pensamentos.
[não estão tão mortas
as raízes entrelaçadas
por si em mim de ti]
15/08/1981
sábado, 6 de setembro de 2014
REVISITA 11: ESPERA E MUDANÇA
três fragmentos
Deusa do mar
transpiro o teu respirar
mesmo a milhas de distância da costa.
Faz minha boca voar
de mim salgar.
***
Ah, meus olhos, teus olhos
de um brilho a outro, ah, brilho
transfigure nossas vidas opacas!...
***
Saudade dá e passa
e vem e vai a vaga
não estique a prosa meu bem, rebentá-la
ressacada! A palavra
dá vontade e passa.
13/08/1981
Deusa do mar
transpiro o teu respirar
mesmo a milhas de distância da costa.
Faz minha boca voar
de mim salgar.
***
Ah, meus olhos, teus olhos
de um brilho a outro, ah, brilho
transfigure nossas vidas opacas!...
***
Saudade dá e passa
e vem e vai a vaga
não estique a prosa meu bem, rebentá-la
ressacada! A palavra
dá vontade e passa.
13/08/1981
SUPÉRFLUA
Um sol oblíquo
e um ar melífluo
(ambos contínuos)
algo acordaram
cedo um silêncio
mutualíssimo.
sexta-feira, 5 de setembro de 2014
quinta-feira, 4 de setembro de 2014
LIVRO DE HISTÓRIA
presa à retina
Duas meninas
raparigotas
par de garotas
das pequeninas
que a vida rota
disfarçaria
de olhos bolotas
negras retintas
porque tão lindas;
uma Carlota
outra Joaquina
(Debret lorota
Rugendas via)
posaram horas
livres de estórias
(serões patriotas)
pra uma visita
da minha vista
litografias.
terça-feira, 2 de setembro de 2014
TERRITORIAL II
Sou uma criatura da Asa Norte.
O resto da cidade - é a morte!
Sou caso de prospectiva
vida de eremita com sorte
em Brasília - senso teria?
(ilha nesta casa revista)
Ter de deixá-la, minha Asa
abandoná-la, minha taba
é como obrigar-me da Ceasa:
- hortifrutigranjeira, castra
das carnes paixões madrugadas!...
(baratos se houvessem, tão caras)
Se sou criatura da Asa Norte
(o avesso da outra asa, forte)
de móveis que removo imóveis
de carros que apodreço raros
de sonhos que aposento sonhos
por que perguntas - Sul, Sudoeste
Lagos Sul, Norte, satélites
aquela expansão a noroeste?
Nada contra as efemérides
dos lugares em que estiveste
- mas sou cacto da Asa Norte
(animal sem rodas, radical
de esporas, esporo do local)
talvez único dessa espécie.
...
[Brasília, da perspectiva
acima - sentido faria?]
O resto da cidade - é a morte!
Sou caso de prospectiva
vida de eremita com sorte
em Brasília - senso teria?
(ilha nesta casa revista)
Ter de deixá-la, minha Asa
abandoná-la, minha taba
é como obrigar-me da Ceasa:
- hortifrutigranjeira, castra
das carnes paixões madrugadas!...
(baratos se houvessem, tão caras)
Se sou criatura da Asa Norte
(o avesso da outra asa, forte)
de móveis que removo imóveis
de carros que apodreço raros
de sonhos que aposento sonhos
por que perguntas - Sul, Sudoeste
Lagos Sul, Norte, satélites
aquela expansão a noroeste?
Nada contra as efemérides
dos lugares em que estiveste
- mas sou cacto da Asa Norte
(animal sem rodas, radical
de esporas, esporo do local)
talvez único dessa espécie.
...
[Brasília, da perspectiva
acima - sentido faria?]
QUANDO ESQUEÇO
de bebê-lo
Café à tarde
esfria cedo
- esfria à parte
da arte que intento
(e descontento)
até que o tento
tarde destarte
[parte que acedo
descarte à arte]
Café à tarde
esfria cedo
- esfria à parte
da arte que intento
(e descontento)
até que o tento
tarde destarte
[parte que acedo
descarte à arte]
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