quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

2015

Novamente o calendário
é uma peça de vestuário

de efêmera qualidade
diante da publicidade;

adiante, outro itinerário
da mesma modalidade

promete-se necessário
(não obstante arbitrário)

como se anuário ao contrário!...

QUADRA VETÊ

Do mar se vê
que na tevê
o mar belê
reencontra-se.

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

OLINDA

Desde os quinhentos

pelos seiscentos
e setecentos

eram trocentos

de aventureiros
a açucareiros;

de portugueses

a brasileiros
desde os flamengos

foram trocentos

do seu mosteiro
ao seu convento;

dos oitocentos
aos novecentos

de bonecos mamulengos
aos bonecos gigantescos

sobre as casas centenárias
pelas ruas madrugadas

já são trocentos

mais de batuques coroados
e metais ensolarados...

Sempre aos trocentos:

- pois a história deste lugar
é proletária e popular.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

domingo, 28 de dezembro de 2014

QUADRA TSÉ-TSÉ

Sono à tarde, cedo ou tarde
vento contra, toma tempo
desde cedo, todo ou parte
deste sonho, desatento...

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

CORRENDO EM BOA VIAGEM

Dia sim dia não
venho de Jaboatão;

dia sim dia não
estou no calçadão

quase em movimento
(impressão do vento?)

sob um certo peso
deste firmamento

(de Nordeste ao centro)

até que o momento
(de antemão presente)

imponha que eu pense
no que ressinto então:

- podia ser sempre...

QUADRA DA PRAIA II

No Nordeste
brasileiro
contra o Agreste
caranguejo.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

TESE QUE DEFENDERIA

face a tanta maresia

A praia fatigaria
meu desejo de poesia.

O mar comprometeria
(embora estimule a liça)

mil ensejos de poesias.

A esmagadora maioria
das presenças naturais

- de homens a vela a peixes do cais

contra conspiraria:

- quando finco os pés na areia
a realidade impermeia

da natureza que brilha.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

QUADRA ANÊMICA DA AREIA

... de praia que subtraia
dos sentidos a palavra
ou de melhor descrevê-la

(seria convalescença?)

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

QUADRA DA PRAIA

... a praia serpenteia
pela vontade alheia
que me invade - areia
aranha de sua teia...

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

SEXTILHA ESTIVAL

Há uma brisa recifense

que parece que se sente

que aparece a toda gente

de um lugar independente

a vagar impunemente

do que se ache recifense.

QUADRA ESTIVAL

Da quentura ensolarada
que acomete a madrugada
cedo sobra a passarada
a cagar toda a sacada!...

MEIA QUADRA ESTIVAL

já no Recife

Este verão primaveril
me encontrará em que Brasil?...

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

BACK TO MY AMERICAN WEST

while listening to Chris Rea's

A memória da grande pradaria
terminando nas Rochosas, seria

(porque de poética melancolia)

mais um sintoma de que poderia
ter sido outra a via - uma outra vista

então surpreendente quão indistinta
da vastidão transcendente e finita

do que ofereceria qualquer vida -

que todavia, paralela à minha
(como realidade imaginativa)

coexiste pacífica alternativa.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

EM BRASÍLIA

última notícia

Do Gênesis, Noé
(sendo o nêmesis que é)

já desembarcou com seu dilúvio
autorizado de cima (o clima)

sobre a profecia que duvido.

Mas, em se tratando de Dom Bosco
é capaz de vir jantar conosco

sem que acabe o mundo num eflúvio

Noé, do Gênesis
(entre parênteses).

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

REVISITA 37: PRAÇA BATISTA CAMPOS

Belém do Pará

Sobram folhas caídas no banco da praça.

No cair das folhas
jaz o tempo inamovível

que passa-possante rápido-e-lépido

- o bólido do espaço indefinível
de velocidade inamovível.

Datas evocam imagens inalcançáveis
incansavelmente;

o passado é uma corda já roída
imprestável;

se quisermos sobrevergar o arco do destino
quais setas atingirão o alvo?

A saudade tapa a boca
de repente;

sons guardados na lembrança
animam o gramofone:

- a praça vazia testemunha
o que é de vida nenhuma.

O vento sibilante/balouçante/refrescante

ecoa inaudível

quando a paisagem foge à mente

(se morre o som
fantasmice)

A Batista Campos é o zoológico dos meus bichos interiores.

09/07/1984

Um desassossego de Pessoa

"Tenho mais pena dos que sonham o provavel, o legitimo e o proximo, do que dos que devaneiam sobre o longinquo e o estranho. Os que sonham grandemente, ou são doidos e acreditam no que sonham e são felizes, ou são devaneadores simples, para quem o devaneio é uma música da alma, que os embala sem lhes dizer nada. Mas o que sonha o possivel tem a possibilidade real da verdadeira desillusão. Não me pode pesar muito o ter deixado de ser imperador romano, mas pode doer-me o nunca ter sequer fallado á costureira que, cerca das nove horas, volta sempre a esquina da direita. O sonho que nos promette o impossivel já nisso nos priva d'elle, mas o sonho que nos promette o possivel intromette-se com a propria vida e delega nella a sua solução. Um vive exclusivo e independente; o outro submisso das contingencias do que acontece."

Fernando Pessoa, "O livro do desassossego". In Obras de Fernando Pessoa, vol. X (prosa). Lisboa: Promoclube, p. 38.

MODESTA

Quero agora sair da gaiola
aprisionada desta poesia

toda oxidando em maresia
cerrada - sem vista para orlas

de tal modo/maneira que empola
enquadrada de forma irrestrita;

quero romper o canto das rimas
(de um gabola que se acha da hora)

ora a corromper sua assimetria;

quero partir agora do poeta
e travestir-me a vera do esteta

pateta que sou e soou poeta!...

....

(mas que autocrítica mais severa!)

[a quem convenci-me de véspera?...]

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

QUADRA DA CORRIDA ENCAMINHADA

Aos cinquenta e cinco anos de idade
correr cinquenta e cinco minutos

é como andar de uma a outra cidade
sobre um par de joelhos resolutos.

sábado, 13 de dezembro de 2014

DE FÉRIAS SEM FÉRIAS III

pré-litorânea

Elusiva ou ilusiva
sensação animaria

outro ser subjetivo:

- mas bloqueia adjetiva
o que então alegraria

íntimo e substantivo
de certo ponto de vista.

Ilusivo ou elusivo
retro ou retrospectivo

(decerto pontos de vista)

este estar que objetivo
mudar introspectivo

abunda por tal motivo
aparências todavia.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

DE FÉRIAS SEM FÉRIAS II

É tanto tempo livre
que livre o tempo oprime;

é tanto tempo livre
que livre o tempo exige

justo o que nunca tive

- tanto que quando o tenho
é como inexistisse

(como se me punisse)

REVISITA 36: INTERROGAÇÃO

Os calos da imaginação
doem se calçados
com ideias pequenas.

Você lembra de um tempo
em que qualquer pensamento
era palavra

e esta a ação?
Não?

Deve ter sido antes de Cristo
antes da Criação
(inexistente, portanto
mas até quando?)

Deus nos deu o homem com preguiça
inacabado a quem coube a iniciativa
de completar-se

a ser feliz?

O que nos diz
a história da civilização
- dos percalços intransponíveis
aos quais pouco a adaptamos -

faz com que persista a questão:

- contemplar o completar-se, a ser feliz...

Os calos da imaginação
doem se calçados
com ideias pequenas.

03/05/1984

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

REVISITA 35: CLARIDADE

Pela claraboia passa a nova luz solar
luz solar nova porque manhã;
A manhã fresca, recente, luminosa
passa clara pela claraboia

Meus olhos namoram os flocos da luz solar
rastro de poeira da mobília sacudida;
Meu corpo transpassa o caminho para cima
solto fantasma na casa branquipálida

Passa a vida pela claraboia
vira o sótão um belo altar;
Oro sem querer, a vista para cima
à procura de um anjo no caminho luminoso

Na manhã clara boia branca a luz
de uma nova fresca a transpassar a idade;
Traz recente à mente a pálida fantasia
de um anjo nascente da poeira sacudida...

14/10/1983

BUTTON REVERSED

the trivial case of this Benjamin

(a Scott Fitzgerald)

A morrinha
se tem lugar

que aporrinha
de impacientar

seria no ar
que se aspira

e se expira
mais devagar

ao se espremer
(até me doer)

esta espinha
a adolescer

à tardinha
de envelhecer...

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

REVISITA 34: ALEGORIA DE UM SENTIMENTO

Meu amor
que as pedras te abandonem!...

As pedras que te tocaram
(tão frias e duras suas ásperas curvas)

terminaram te partindo em expansivos
fragmentos no tempo reincidindo

a dilatar o espaço
sideralizados.

E eu de tão triste
de precoce velhice

ansioso te acompanho acompanhável
interessado na trajetória dos teus pedaços no infinito.

Meu amor
por que cristal multifacetado

quebraste em milhares
de caquinhos irreconciliáveis?

Por acaso não teria eu forjado
para ti indivisível um aço inoxidável?

(bem sei do meu fracasso)

A chuva de estrelas cadentes
tangente ao firmamento
gera o sentimento inexplicável:

- por ti esfarelada
de mim angustiado...

Meu amor
(meu em vão sublime horror)

não escorra entre meus dedos
no vazio dos meneios;

cubra-me do teu pó divino;
deixe-me assim teu íntimo
(embora eu não possa mais ser teu amigo)

sol radiante entre belas negras nuvens!...

Depois cinza não ficaremos
faremos festa quando chover

- entrelaçados de longe
incontrastáveis atrás do horizonte...

25/07/1983

DE FÉRIAS SEM FÉRIAS

O muro sem trégua maciço das férias

- onde o corpo em repouso segrega a mente
até que esta o desregre impiedosamente -

elevou-se montanhoso à minha frente
sem régua a mil léguas de fato das férias...

... ... ...

... e por mais que eu alpinista decadente
despreocupe de escalá-lo noutra frente

(por saber que já não posso quem o enfrente)

do corpo e da mente preciso de férias...

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

REVISITA 33: DEDICATÓRIA

Quando em ti minhas mãos passeiam
alegres, soltas, agradáveis, febris

E tua pele arrepia; e a carne lateja
tesa e macia

Sorvemos cravados olhares do outro, dardos cadentes
dados do jogo incandescente

E nos tornamos cúmplices, verídicos
legitimamente cativos
da mesma emoção.

Paixão! A loucura senil dos velhos está na tua ausência!...

10/05/1983

domingo, 7 de dezembro de 2014

(RE)VIRANDO A (TREVA) CURVA

pistas

... da criatura apolítica
insatisfeita e acrítica

quando então conjectura

sua loucura política
travestida travessura:

- ver se estão ali na esquina

(se pregando uma doutrina)

[se golpistas na surdina]

{se um futuro que combina}

sábado, 6 de dezembro de 2014

NUBLADA IV

[agora chove
nos contrafortes
de alguma sorte

com epicentro
bem mais ao norte

(verão dezembro
então tropical
se parecendo
com outro Natal)]

NUBLADA III

Este sábado
exatamente

ensolarado
está somente?

(ou só a mente?...)

NUBLADA II

... este sfumato
chiaro cinzeiro

já ensolarando
tão brasileiro:

- por que Leonardo
não interveio

junto a São Pedro
(de Roma mesmo)

chover do afresco?...

NUBLADA

A cobertura
de baixa altura

tem curvatura
de ferradura

meio enterrada
de cavalgada

interrompida
da madrugada

amanhecida.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

(DES)SAZONAL

É todo interno
(nem sempre inverso)

o movimento
(decerto inverno)

que mal intento
agora mesmo.

Este dezembro
de veraneios

ainda não disse
ao que interveio

- por pouco triste
por pouco velho

tampouco quero
que seja menos.

Ainda que visse
no que me adentro

ainda que viesse
de outro novembro

talvez coubesse
dizer que acedo

se movimento
de outros momentos

[se primavera
de outonais eras

reconsidero]

MANÍACO-DEPRESSIVA

Seu olhar e seu sorrir
e o que mais de você vir

(da superfície opulenta
de entranhas aos quarenta)

[eu, se olhar você sorrir
o que mais seu existir
para outro antes de vir...]

quando meus em harmonia
(da vontade que só minha)
[pois tão meus e minha, ó linda!]

são inteiros de utopia
(aos pedaços todo dia)

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

REVISITA 32: VERBO II

Se tiveres em essência

Aquiescência

Tolerarás o absurdo

o obtuso

Dignamente farto...

11/03/1983

REVISITA 31: VERBO

o primeiro

O vento não afaga sua pele como penso
nem perpassa seus cabelos como meus dedos.

Não há chance para nós.
Não há duas palavras para a mesma impressão.

Mas se insisto
em abraçar limitado o infinito

sou um ponto no deserto
que você vê.

19/01/1983

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

REVISITA 30: E. T.

Para além do úmido olhar
no alto negro azul, pó de estrelas
manto dos magos
gráfico do infinito

vive o amigo
perto e viajante

o menino
terno visitante

pomba da paz intergaláctica...

O êxtase extraterrestre.

03/01/1983

DUPLA QUADRA UNIPOLAR

de que me adianta tentar?

Amanheço da alegria
que alvorece dolorida

neste ensolarado dia
de estação interrompida

já que plúmbea deveria
pela quadra duplicida

mal escrita, bem chovida:

- pluviosa sensaboria...

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

BENEFIT

Jethro Tull

... a paisagem de fora
e a de dentro, por ora

coincidem - o que acalma
minh'alma em sua vertigem

em sua sonora origem:

- a de imagem agora
daquela outrora virgem...

MEU RECIFE

do alterego inclusive

Arrecifes
em que estive

- desististe
ô Euclides?

O Recife
em que estive

(indo a pique)

insististe

- porque nosso amor inclusive!...

ESQUECÍVEL

Em dezembro
eu me lembro

de dezembros
contratempos

de outro tempo:

- quando o vento
(que soprava
contraventos)

alentava
turbulento

desalentos
que eu levava

desatento
todo o tempo...

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

DA CONSCIÊNCIA SEM

Jogar melhor o jogo das aparências
a fim de melhor refletir uma essência;

jogar melhor o jogo das aparências
a fim de melhor cultivar parecenças;

circular melhor pelas adjacências
na perspectiva afim de compreendê-las

(talvez melhor proteger as diferenças
e enfim administrá-las com prudência)

[ou] [ou] [ou]

... ou renunciar ao jogo das aparências
a fim de reconhecer sua impertinência

face à termodinâmica decadência;

ou mesmo argumentar pela inexistência
do jogo, das aparências, de uma essência

(talvez aquietar-se pela inexistência
de consequência alguma nessa existência)

domingo, 30 de novembro de 2014

sábado, 29 de novembro de 2014

REVISITA 29: TRÓPICO

original atualíssimo

Não há vontade, nem que má
nem ambição.
Nenhuma gota de voluntariedade.
Apenas um véu branco cobrindo o olhar
e maleita dormência.

10/12/1982

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

ALA DA SALA

dos professores
contemporâneos

enquanto atores
extemporâneos

sob fatores
controladores:

- educadores
edulcorando

um show de horrores
(dos educandos?...)

Sala das cores
ala das dores:

- dos estertores
de antes amores

diante dos mores
de outros valores...

[sala das cores que desbotamos
lavando o lodo através dos anos;

ala das dores que cultivamos
lavrando a todos do viés dos anos]

REVISITA 28: BEIJO MORENO

Ando mudo, sem procura
Bicho exposto à visitação pública;
Corroído pela mesmice perplexa
Cansado.

Mas te vejo, calmo o teu semblante
Tratando-me com tolerância carinhosa;
Mãe serena, cheia de filhos e filhas
De paciência, ante a imatura inquietude!...

Ando o mundo, sem procura
Bicho exposto aos de vista curta;
Coalhado de coisas, figuras mórbidas
Triste e opaco.

Mas quando pousa o teu olhar, ao vagar
Pássaro negro em rochedo oceânico
Diminui a solidão, um ponto no horizonte
Desmancha a espuma na infinitude das águas...

...

"À procura de mim, procuro-te

Nos teus lábios, de estranha doçura
Inquisidores da dúvida;

Nas palavras assim proferidas
Ecos de ti, íntimas;

No teu beijo moreno, meigo
Meu andarilho anseio...

Procuro-te, à procura de mim."

18/11/1982

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

DURANTE

Antes do temporal
esta paz surreal

empurra meus olhos juntos fugidios
escapulindo passarinhos furtivos.

O resto de mim não consegue.
Do lado de cá da janela

assiste comigo ao que segue
como se de si fosse a cela

ou sob tutela estivesse
(e toda cautela impusesse).

[diante do temporal
há passarinhos - presos ou fugitivos]

...

Depois do temporal

revolto a ver normal

esta paz sem igual.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

ELEGÍADA

de um maníaco

Este ar etéreo
te deixa aérea

na estratosfera
da indiferença!...

Então funéreo
eu me despeço

até que desças
ao andar térreo

da vida dessas
sem refrigério

e me umedeças
do que antes peço

de tua presença
em tua ausência!...

terça-feira, 25 de novembro de 2014

ESTE DESCOMPROMISSO

pretérito perigo

O abismo - me sorrindo
(do seu esconderijo)

o seu sorriso lindo

a esta altura - finjo
que não sou nada rijo

[no meu duplo sentido]

àquela altura (minto
senão que regozijo)

a fim de escapar disso

(de vez escarpar ido
este descompromisso)

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

REVISITA 27: A ESPERA

Bate a chuva
lenta, nula
atrás da porta:
agora, o lado claro de ser
pouco importa.

Pinga a mente
ressentidamente;
os pensamentos, vagam
semidirecionados
retros, menores
retroses de lã.

Dançam os dedos
multimeios
parecendo milhares:
"sê a seda, agulha relax
mostra-me a teia
tecida rarefeita
assim que se faz".

(antevista a carícia
a lembrança vicia;
quanto aos corpos, unidos
contorcidos de gemidos
resta a memória
da fé, sua pausa
o fim da retidão)

...

Se tola vem a mosca
à toa
pouco importa:
agora, clareia o ser
atrás da porta.

01/11/1982

sábado, 22 de novembro de 2014

MEFISTOFÉLICA

Vocábulos

de estábulos
literários

me encabulam:

- gritam pra sair
poder existir

se fazer ouvir

querem ter porvir

(querem ter PORVIR!!!)

[como se o futuro do presente
o garantisse postumamente]

...

{meu demônio e eu concordamos:

- melhor desapalavrar
de qualquer um avatar}

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

YES, RELAYER

lembrança progressiva

... meus portões do delírio
da adolescência - lírios

do campo da inocência -
abriram minha ciência

cedo e tarde (destarte
sua impermanência em arte

há muito e há pouco) - rios
de sons que ainda ouço

vindos daquele poço
de antigo colorido

que ainda desvario

- refletido em colírio
sonoro desde moço

para os olhos que olvido...

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

QUADRA DO DIA

A tristeza da melancolia
é mais triste porque indefinida:

- tristeza de si desconhecida
e mais triste porque não sabia...

REVISITA 26: JARDIM

A flor desnuda estanca o fluxo

do amor da abelha

centelha.

No pouso breve da folha de luxo

borboleta

tem telha.

Pássaro aventa, voa e derruba

da lua

quem telha.

27/10/1982

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

DESTA PRA PRÓXIMA

intergeracional

... para onde eles irão
(e outros que seguirão)

sem boa educação

- a do sim e do não
em livre oposição?

Para onde todos vão

se há deseducação
(a do 'sim, por que não?')

a induzir instruções
certas das conclusões

- dos meios ou senão
dos fins com deduções?...

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

EM RESUMO

será o eremita?

Dos meus jogos em tempos de abraços:

- eu gosto mais do primeiro tempo
(no segundo, me vem um cansaço);

- o intervalo, se faz necessário
(meus quinze minutos de vestiário);

- gosto menos do terceiro tempo
do quarto nos quintos, contratempos

(prorrogações do gasto de erários)

[quando os escrúpulos vão pro espaço]

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

PERIFERIA

refém do clima?

A capa cinza
de cor escura

sobre a cidade
que não Brasília

porque avizinha
a dor sozinha

da tempestade
então mais dura

retém ainda

água à vontade...

TEMPO E RENOVAMENTO

memória e esquecimento

Já tive seis
depois doze

dezoito, vinte e um

trinta e cinco
quarenta e dois;

passei cinquenta

e nada lenta

a vida em cada uma das idades

- nas cinquenta e cinco oportunidades
aniversariadas até o presente -

é sempre a da presente novidade:

- uma de cada vez, cada vez uma.

[um ano de cada vez, cada vez um
que antes de experimentado era nenhum]

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

MANOEL SE FOI

notícia repetida (de entristecida)
embora inexatamente verdadeira e
agora devidamente contextualizada e
acompanhada de uma inevitabilidade

... já cumpria travessia de
fauna para flora havia bom
tempo (bem lento na fusão
lavrada e apalavrada com
coisas de sua atenção).

Outro tempo bom e Barros
mineralizar-se-á - porque
sua obra (próxima da lenta
decomposição estelar), a
caminho de o ser, o é já.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

REVISITA 25: SOPRO

Passa o tempo
pássaro no vento;

e
marcando o passo
passo:

- inerte como rocha
oco feito concha
monte de lava
faz-de-conta.

29/09/1982

REVISITA 24: BREVIDADE

Por um instante
o fluxo da vida detém-se na análise passiva
conviva da preguiça

e o meu corpo fecha-se por completo
ansioso de algum sentimento
majestade sem coroa

e a tua vontade dorme solta
o sono arquetípico da lassidão.

...

(não saberemos a razão das coisas)

27/09/1982

ÂNGELA

Desde que me entendo por gente
teu rosto está em minha mente;

desde que me entendo com gente
teu rosto aqui está suavemente

rosto sorrindo desde sempre;

se me desentendo com gente
teu rosto então condescendente

ri novamente - mas somente

se eu não desentender da mente...

terça-feira, 11 de novembro de 2014

ANTES DE AS ESQUECER

É sempre assim antes de escrever:

- acho que as palavras vão morrer
antes de se permitirem ver

antes de me deixarem rever
o que poderiam vir a ser

se de fato as soubesse escrever.

SINONÍMIA ALAGADIÇA

Aquela flor no pântano
será uma flor de pântano

do charco o delgado encanto?

Aquela flor no lodaçal
será uma cor do tremedal

do aguaçal banhado de sol?

Em atascal que atola o sal
aquela flor tão brejeira

contrária a tal natureza
(de odor cediço à lameira)

seria a dor da beleza?...

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

SEM BOLA DE CRISTAL

Quando o tempo incita
que o momento excite

quando a hora avisa
que o agora vive

quanta água parada
deságua em deslize

poça apodrecida
de repente livre?

Quanta água pesada
desgasta a calçada?

Poça rediviva
movimenta a vida?

E quanto a espaçá-la
- calçando a calçada

enquanto espaçá-lo
- o momento dado

é de quem a alçada?

...

[sem bola de cristal
de gude, sem canal

(à frente o matagal)

me escuso after all]

QUADRA ANIVERSÁRIA

Cinquenta e cinco
se com afinco:

- definitivo
infinitivo...

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

QUADRA PÓS-ELEITORAL

heterodoxa

A rachadura
é na fervura

(é da fervura)
[dá em fervura]
{só é fervura}:

- tão mais sólida
quão insólita!...

terça-feira, 4 de novembro de 2014

DO LÉXICO GOLPISTA

de sua assustadora imprecisão assustadiça

Se aqui e agora

Brasil for Brazil
(Brazil for Brasil)

será que importa?

Será que exporta

se dois ou dez mil
se mais de cem mil

fizerem hora?

Se estão por fora
sem tais vezes mil

será que aporta?

Será que emborca?...

(se então aborta
calma ou Mallorca?)

[se aqui ou embora
por que varonil?]

...

Se houver pólvora
sob um véu anil

em qualquer Brasil

a flor no fuzil
será que aurora?...

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

CUSTOMIZADO

Amo o que escuto
escuto o que amo.

Amo o que leio
se leio o que amo.

Vejo que escuto
vejo que leio

vejo que os amo.

Mas sei o quanto
se além há muito

e aquém de tudo

o sinto mudo?

...

(vejo mais quando?...)

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

REVISITA 23: CONTAS DE BRILHO

Mostra-me como o silêncio
Com que envolves o melhor momento
Alimenta teu sonho

E de mim terás a promessa
De não violar tua cidadela
Castelo dos teus segredos

Peço-te ainda, e não mais que uma vez
Para ensinar-me o mergulho
Tenso, agudo, profundo
No negro lúcido dos teus olhos
Par de contas translúcidas

E de mim terás quase tudo
Quase a metade do mundo

A metade que te falta
Para saíres das sombras...

15/09/1982

CULTURAL

Agora a gravidade jaz seu serviço com incompetência...
Horizontalizou-me a paixão - mas sem crise de abstinência...

Agora a gravidade da condição me estrala sem demência...

(verticalizou-se em sazonalidade com demais consciência)

...

[o gravitacional
naturaliza mal]

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

REVISITA 22: A PENUMBRA

Viste dois flocos de neve, pequeninos
tirados da escuridão
- teus olhos, brancos de susto
arregalados diante de mim!

Faz-se de espelho, o meu ser
dos teus medos o reflexo de anseios
- do silêncio, onde não caminhas
por ser negro invisível

Vivos na penumbra, fogem as mãos
os pés, o corpo, vestidos
de tecido mais fino, sem estrelas
sem mais máculas...

De forma que, minha querida
foram só dois pontos claros, pequeninos
fazendo par, como nós
diante do desconhecido.

25/08/1982

REVISITA 21: FANTASIA MATUTINA

No limiar das trevas para a claridade
pululam dedos do incriado.
Vão luzes cortando o ar já refeito
das mazelas dos respirandos do dia anterior.

Da densa noite ficou um rastro
iluminado por desejos de um sonho.
Verde floresta de criaturas e cogumelos
perdeu-se incompletamente.

Sobe o sol por cima do real
movimentando o calor da angústia rotineira.
Rostos de reconhecida ambiguidade
são pedras jogadas no caminho.

Anda a roda gigante - logo densa outra noite
recobrirá o que descansa a vida.
Livre no sono a procura
sonhará perdida a floresta encantada.

27/07/1982

AO SENHOR DA CHUVA

O clima lava o mundo.
O tempo lava a fundo.

O clima muda a fundo
O tempo muda o mundo.

(é cíclico e profundo
de fato o raso mundo

encíclico e jucundo)

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

ON THE EDGE III

Há que destemê-lo:

- este fundo anelo
junto ao cerebelo.

ON THE EDGE II

... vida se apresenta
morte nos aguarda:

- entre tais certezas
por que a caminhada

pelas incertezas
mal nos representa?

(nossas inteirezas)

[vossa via larga]

{toda a repetência}

ON THE EDGE

... pois aqui já estamos
sem que percebamos:

- desde sempre andando
(desde que lutando)

ainda respirando;

pobre ou prosperando
rico ou conservando

nos precarizando

vivos entretanto...

domingo, 26 de outubro de 2014

QUADRA ELEITORAL

conjugações

Se candidato convincente
ou cotado com demérito

será futuro do presente
ou futuro do pretérito.

sábado, 25 de outubro de 2014

QUADRA QUÁDRUPLA DECADENTE

síntese & explicação

Trabalho
baralho

trabalho
baralho

baralho
baralho

paspalho
(caralho!...)

[eu trabalho
e embaralho

eu trabalho
e embaralho

se embaralho
mais baralho
(e o trabalho)

eu paspalho
pra caralho!...]

terça-feira, 21 de outubro de 2014

REGISTRO MECÂNICO

grilos?

Meu carro engoliu uns passarinhos
que agora comigo seguem rindo...

Meu carro engoliu dois passarinhos
quatro, seis, dez - ao invés de cinco

sete, treze, dezessete primos:

- pois pares formando casaizinhos
mostram porque estão reproduzindo...

domingo, 19 de outubro de 2014

QUADRA SOBRE DUAS PERNAS

homo ludens

Enquanto eu for isto
- o bípede arisco

meu prazer arrisco
sob o sol a pino!...

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

GÊNESE

a Sebastião Salgado

Curvo-me à majestade do bardo!...

Seu olho magnificado
por tudo fotografado

profunda o veio largo

extremo e próximo
(do meio tácito)

humanizado
agridoce

salgado.

AO SENHOR DO TEMPO IV

perfurando outubro

Ao senhor do tempo
(que não me ouve mesmo)

pelo contratempo
(de não me ouvir mesmo):

- haverá pois tempo
de oxalá esquecê-lo!...

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

DEMOCRÁTICA

uma diretriz

Da mídia a fera
a ser batida

é a atmosfera
da própria mídia

que vos sitia
em blogosfera.

O que se espera
que não se espera
(pois desespera)

- que poderia
- que deveria

pois mobiliza?

Da blogosfera
mais combativa

virá a esfera
que a publiciza:

a vida ativa
- mas coletiva.

domingo, 12 de outubro de 2014

REVISITA 20: O QUADRO

A parede do meu quarto pendurava uma curva
De uma estrada de pinheiros e árvores retorcidas
Encravando a sua forma em pedra fantasmagórica
Desde a tenra infância dos mistérios o fascinante

Quando eu nesse quadro mergulhava absorvido
Meus me tropeçavam os cascalhos do caminho
Eu jogava os olhos para trás do muro verde
Certo de encontrar muito melhor qualquer resposta

Ao chegar dobrando a vista da beleza de saber
Se a vida do outro lado da pedreira poderia
Restava acreditar já quando tudo escurecia
Dos receios desse tempo um então maior segredo

Agora há separados nós do quadro e do quarto
Longes do amado mundo e abandonando a alegria
Imaginando ainda que quanto mais escuro
Decerto encontrarão mais segredos qual respostas...

07/06/1982

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

DOM CASMURRO

udenista

No clima eleitoral
separo o bem do mal.

Se clima eleitoral
reparo o mal que tem:

- o aparo tal que o bem
(o bem daqueles sem)

ampara o zen no sal.

Desse modo o clima
prepara o tal que vem

da perspectiva
nada desmedida

de uma só medida:

- a minha!
- A minha!!
- A MINHA!!!...

terça-feira, 7 de outubro de 2014

À NOITE, TROVA

Dia de prova
vem e renova

que com a prova
que sem a prova

o que comprova
do que renova?

Que nem aprova?
Que nada prova?

Que desaprova
o que reprova?

Que basta a nota?
(que bosta a nota...)

[à noite, trova!...]

RECADO ELEITORAL

aos meninos que não viram

Findou o primeiro turno
de volta para o futuro:

- por isso, porém, contudo
verifique, antes de tudo

(entre cético e incrédulo)
o vigésimo século
dos pretéritos aécios:

-- quando a tal desigualdade
era desigualdade tal

que qualquer barbaridade
mostrava uma qualidade

naturalmente natural.

[a normalidade do mal
(sua banalidade real)]

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

SUPERQUADRA DA SAFADA FALTA DE LUZ

singela homenagem à CEB e carapuça àqueles que corrompem a política

À família

que famiglia

fez quadrilha

de Brasília.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

AO SENHOR DO TEMPO III

short report

Ainda tímida
timidazinha

(anágua antiga
de mariazinhas)

uma água arisca

numa descida
arrefecida

protochovia
tarde e vazia.

[chuvisca ainda]

terça-feira, 30 de setembro de 2014

REVISITA 19: BELÉM, PRIMEIRAS IMPRESSÕES

três fragmentos

O calor já não é tanto; a umidade absorve gradativamente minha indisposição. Estou me adaptando.

***

Belém é melancólica. Parece mulher triste e maltratada. Ouço que desleixada e suja por disputa de filhos ilustres - mulher de malandros coronéis, caprichosos e abusivos. Porém, a cidade mantém certa beleza - a beleza do casario antigo, da copa unificada das mangueiras solidárias... Belém é ultimamente bela - embora comprometida pela velhacaria autoritária, que promove a novidade malfeita e com esta bem coexiste.

***

A tarde é chuvosa sempre. Nuvens negras cobrem o céu e o chão; a vida cobre-se de cinza diariamente. Belém escura é lúgubre, um filme antigo; os antigos casarões de sombras úmidas reavivam seu encanto de passado glorioso. Retomadas, as ruas ainda pertencem mais à chuva do que aos homens. Mais parece uma maneira de se lavar a alma...

03/05/1982

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

AO SENHOR DO TEMPO II

Desertei.

Deserdaste.

Desertificou.

(nos certificamos
assim do que amais:

- dos banhos os sais
que umidificais)

[...]

{se assim por enquanto

rechoverão quando?}

domingo, 28 de setembro de 2014

AO SENHOR DO TEMPO

do clima que endura

... e nada de chuva:

- como passa de uva
ao invés da fruta;

- ou bafo perdura
revés da frescura;

- calmaria escura
em convés de escuna...

Cadê o manda-chuva
o dono da estufa

(do sopro que enfuna
na seca a úmida
presença que a cura)

- mercê nos ajuda
você que é da luta?...

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

DA ESPÉCIE

Cansamos, cansamos, cansamos...

Comemos (se o temos), comemos...

Dormimos, dormimos, dormimos...

Sonhamos, morremos - e infindos

mais fertilizam-nos jacintos...

DA FICÇÃO II

revisitando as revisitas

Por que remexê-lo
- o enorme novelo

de vida enlevada?

Da lida passada
por que me interesso

apenas se impressa?

Por que remexê-la
agora enredado

que desinteressa?

A enorme novela
(seleto o passado)

diversa do impresso

arrisca sintética
o verso pretérito?...

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

REVISITA 18: AREAL

versões

Caminho hesitante nestas ruas de espinhos
Com os olhos vidrados de ver o mundo opaco
Quase cessa a procura, tamanho o cansaço
De divisar o horizonte sempre árido e deserto.

***

De tanto caminhar por estas ruas de espinhos
Tenho os olhos vidrados de ver o mundo opaco
Quase cesso a procura, tamanho o cansaço
De divisar o horizonte sempre árido e deserto.

***

De tanto caminhar pela vida a descoberto
tenho os olhos vidrados de haver o mundo baço;
quase cessa o que procuro, tamanho o cansaço
de empurrar o horizonte a mais árido e deserto...

Belém, 1982; Brasília, 2014.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

REVISITA 17: MASSA FALIDA

... quanto ao que esvazio-me, alego sua ausência de paixões.

Como frutos se amadurecidos
não colhidos
feridos por passarinhos.

(se no chão terão destino
verei)

23/09/1981

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

QUADRA PRÓXIMA DA CHUVA

Do combinado do calor
com a secura derredor
derreter resulta à flor

o aguardo do amor do aguador...

terça-feira, 16 de setembro de 2014

DIDÁTICA PEDAGOGIA

Aula fugidia do dia
aula que se arrasta sofrida

(aquela arrestada perdida
creio, por particularista)

uma sala de aula esvazia:

- onde quarenta e nove havia
sete vezes sete seria
(o que multiplicar-se-ia)

a aula do dia traíra...

domingo, 14 de setembro de 2014

REVISITA 16: DESTINO

Destina-se uma faca
à carne preparada:

- a dividir as águas
das almas inundadas.

Destina-se à criança
brincar com sua balança:

- a burlar vigilâncias
de pesos e distâncias.

Destina-se uma faca
destina-se à criança:

- a ser predestinada
(reconhecida fada)

destina-se defronte
do que certo horizonte

(decerto que horizonte).

16/09/1981

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

DE UMA ILUSÃO ELUSIVA

A sala de aula vazia
depois das aulas do dia

(após toda a algaravia
babélica que a visita)

ecoa sabedoria?

[tal qualidade elusiva
como ilusão distintiva

(porque elusão desmedida
à parte mais discursiva)

ignoro-a ilusiva?]

Ou da porta, todavia
pelas carteiras, solita

deste orfanato, conviva
vento encanado seria?...

REVISITA 15: SETEMBRO

O ciclo fecha-se
incompleto?
Minha satisfação muda
não encontra paralelo
conosco.

Teu humor agitado
força sua razão ao vislumbrar-me.
Mas não há cordas ou grilhões
(mesmo seda branca)
para rompermos...

04/09/1981

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

DA FICÇÃO

O passado
impõe-se 'ado':

- põe-se dado
pois de fato.

Que pesado!...

(o trabalho
de inventá-lo)

REVISITA 14: UMA CARTA

curta, acerca de anos universitários

Nada posso dizer do sentimento hibernante sem hesitar frações de tempo presente. O tempo. Elástico ressecado, amnesia seletivo o pensamento (e seus rompimentos).

Dos anos que passam, apenas resquícios de momentos cruciais especificam. A alegria incontida; a decepção maldisfarçada. A memória detalha - mas o tempo que escorrerá das lembranças inexiste. Pura ilusão.

Assim é que condensaremos três anos de nossas vidas no espaço de um dedal. Esse dedo - de galinha ou de elefante - deslizará sobre as marcas dos semblantes, pelo que mudamos e no que aprendemos. A partir daí, entretanto - quanto às estórias da história -, outras poderemos: à medida que formos novos em nossos momentos, mais longe e difuso e enganoso será o passado, mesmo marcante.

Creio melhor assim. Justificará as demais tentativas.

29/08/1981

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

REVISITA 13: AGOSTO

A luz tênue iluminando o teu rosto
contrasta a sombra com o claro exposto

pelas esquadrias de vidro
que amoroso enfeito a teu gosto.

Teus pensamentos oculto
dos basculantes que adorno

colorido.

(eu vigilante de um mundo
desenterrando em agosto)

20/08/1981

terça-feira, 9 de setembro de 2014

REVISITA 12: LEMBRANÇA

de um recado

Se soubesses do brilho
com que penso os teus olhos

a noção de distância

desapareceria

como ave agonizante
do mar da superfície.

Eu não lamentaria tanto
contratempos, ventos contrários

aos quais fomos insubmissos;

tampouco envergaria a lança
(hipotética embora)
amiga das nossas feridas

- pois tanto és mais querida
na proximidade física

de eu mais sentir teus pensamentos.

[não estão tão mortas
as raízes entrelaçadas

por si em mim de ti]

15/08/1981

sábado, 6 de setembro de 2014

REVISITA 11: ESPERA E MUDANÇA

três fragmentos

Deusa do mar
transpiro o teu respirar

mesmo a milhas de distância da costa.

Faz minha boca voar
de mim salgar.

***

Ah, meus olhos, teus olhos
de um brilho a outro, ah, brilho

transfigure nossas vidas opacas!...

***

Saudade dá e passa
e vem e vai a vaga

não estique a prosa meu bem, rebentá-la

ressacada! A palavra
dá vontade e passa.

13/08/1981

SUPÉRFLUA

Um sol oblíquo
e um ar melífluo

(ambos contínuos)

algo acordaram
cedo um silêncio
mutualíssimo.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

BINÁRIA

Um lombo
de pombo

(calombo
do tombo)

brotará

1. manacás
    (oxalá!)

ou trará

2. carcarás.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

LIVRO DE HISTÓRIA

presa à retina

Duas meninas
raparigotas

par de garotas
das pequeninas

que a vida rota
disfarçaria

de olhos bolotas
negras retintas

porque tão lindas;

uma Carlota
outra Joaquina

(Debret lorota
Rugendas via)

posaram horas
livres de estórias
(serões patriotas)

pra uma visita
da minha vista

litografias.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

TERRITORIAL II

Sou uma criatura da Asa Norte.
O resto da cidade - é a morte!

Sou caso de prospectiva
vida de eremita com sorte
em Brasília - senso teria?

(ilha nesta casa revista)

Ter de deixá-la, minha Asa
abandoná-la, minha taba

é como obrigar-me da Ceasa:

- hortifrutigranjeira, castra
das carnes paixões madrugadas!...

(baratos se houvessem, tão caras)

Se sou criatura da Asa Norte
(o avesso da outra asa, forte)

de móveis que removo imóveis
de carros que apodreço raros
de sonhos que aposento sonhos

por que perguntas - Sul, Sudoeste

Lagos Sul, Norte, satélites
aquela expansão a noroeste?

Nada contra as efemérides
dos lugares em que estiveste

- mas sou cacto da Asa Norte

(animal sem rodas, radical
de esporas, esporo do local)

talvez único dessa espécie.

...

[Brasília, da perspectiva
acima - sentido faria?]

QUANDO ESQUEÇO

de bebê-lo

Café à tarde
esfria cedo

- esfria à parte
da arte que intento

(e descontento)

até que o tento
tarde destarte

[parte que acedo
descarte à arte]

domingo, 31 de agosto de 2014

VANDECIRA

amanhã, dois anos

Pedi-me, a se defini-la
da Mércia, a que Vandecira;

urgi-me, pra separá-la
de Mércia, a jabuticaba

que já jabuticabeira
quase espinheira fingia
docemente apalavrada

de dar coice que pareça
quando entende que eu mereça
posteriormente a pomada

e urticária das besteiras
a respeito dos vespeiros
(francamente!) do parceiro:

- de banana, bananeira
da pipoca, pipoqueira
do cinema, companheira

até a liça sonolenta
de um fonema noutro poema

(de uma fome, cozinheira
da segunda, confeiteira
da terceira sobremesa)

...

Após tantas tentativas
pelas quantas Vandeciras

perdi-me, a mal defini-la
daquela, a que estenderia

Mércia que de Mércia saiba

(mas talvez a pena valha
apenas sintetizá-la:)

[radical na convicção
moderada da sua expressão]

{qual erótica poesia
de nossa pornografia}

sábado, 30 de agosto de 2014

MÁ EDUCAÇÃO

grato a Almodóvar

No sábado na escola
a obrigação da hora

pra cada um que chega
da sexta na cerveja

(na sétima, que seja)

é má lição agora
comprida das demoras

[cumprida, comemoras]

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

REVISITA 10: MANIFESTAÇÃO DE FÉ

Enquanto estás a olhar de longe
parecendo definir desilusão
mão invisível, aponto a ponte
a límpida saída, anunciação:

- não me assusta de antemão a tua ausência!

Teus pensamentos, irreconhecíveis
voltados contra quem os revelou
eu compreendo, em vários dos níveis
na certeza do que os desmotivou:

- não me assusta a imprecisão da tua ausência...

No interior, acolho uma luz terna
que um dia clareará nossa vivência

à parte de ti, também erma...

- e da mesma parte, embora extrema
não me assusta a escuridão da inconsciência!

Na vasta imensidão dos oceanos
algo deixou-nos, fechou passagem;

e enquanto cada ato a sós pesamos

outro caminho, de outro destino, abre-se viagem!...

23/07/1981

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

QUANDO REVISITO

pretérito necrotérios

Minha poesia passada

(a que mel com fel rimava
uma e outra veia cava)

causa-me certo embaraço:

- como presente, o passado
se acotovela barato...

Minha poesia era enxada
de lápis, papel, mais nada;

poesia agora enxadada
grátis do papel, por nada:

- mas quanta novela fiava
dores de que hoje desfaço

ontem sabores de inchaços
poéticos - de putrefatos!...

[se nela eu exagerava
o que existia de fato

(o que de fato pensava
que se eximia dos fados)

este meu olho enxergava
(se extemporâneo o palato)

contemporânea a palavra]

terça-feira, 26 de agosto de 2014

O que acontece

"O trabalho enobrece o homem"
(máxima ideológica)

Quando muito o trabalho, já pouca outra coisa.

M. B.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

REVISITA 9: ECLIPSE LUNAR

Criaturas do turno, preparai-vos:

- negra, cobrirá vosso prateado
terra, sob o peso dos lacaios

uivando seu espaço encadeado;

- então navegarão, espíritos
todos velhos, piratas aflitos

indagando-se, e ao tempo frio
quais tesouros do mundo sombrio...

(disporão, no rumo das estrelas
descaminhos de pedras na poeira
de um falso movimento, parelhas
agulhas - e um arco-íris na veia!...)

Rios fundidos com margens virão
tão mares da total escuridão

assim como irão - contudo, se mais

areia desaguarem, carga, cais...

16/07/1981

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

terça-feira, 19 de agosto de 2014

PELA VIDA QUE SIGA

A entrada em calmaria
num movimento brando

desta vida esquisita
dos cinquenta mais quantos

pede uma ave-maria
(padre-nosso podia)

que já vou deslizando
(lisa a sensaboria)

nesse estar nem estando
nada andando ou boiando...

A entrada em sesmaria
de um desespero branco

nesta altura infinita
da fundura dos planos

pede outra ave-maria
(outra reza postiça)

já que sem solavancos

depois de anos de trancos
(dos destinos sombreando)

como eu repararia
qual a estrada em seguida?... 

sábado, 16 de agosto de 2014

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

REVISITA 8: BEIJOS CÁLIDOS DE SAUDADES

O frescor das manhãs tem meu desejo
de tua calma, sem revolta, aqui dentro
moderada, me aquecendo teus beijos
cálidos, na medida do bom senso...

Junto de ti mora um anjo
mandado por mim, um arcanjo
cuidando, da aurora ao crepúsculo
do que te deixa depois ver do escuro...

Meus passos percorrem teus passos
(por isso não perco, querida)
teus rastros de vista, meus traços
riscados de vida infinita...

Para cada saudade, ingênua palavra
solta, do silêncio, no papel que trava

expressando um requerer pulsante

musculoso vagalume errante...

***

O róseo entardecer tem meu desejo
de tua alma, sabedora, aqui dentro
da saudade, matando sem teus beijos
cálidos, incontidos de bom senso...

14/07/1981

terça-feira, 12 de agosto de 2014

MEU OLHO POR TESTEMUNHA

... desmaiando

esmaecendo

esvaindo

...

já se pondo

moribundo

e tão lindo

...

(meu sol indo

desde às cinco)

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

DE POESIA QUANDO ENCURTA

Quando uma poesia curta
anoitece prematura

prevalece pré-noturna
enquanto arde por agora

(porquanto arte sem demora
antes tarde do que nunca);

quando essa poesia curta
antes parte do que nunca

transparece meia aorta
ante aquele que lhe aporta

sem que amadureça a forma
no espaço de meia hora...

[quando essa poesia surta
convalesce natimorta]

domingo, 10 de agosto de 2014

HUMOR DOMINGUEIRO II

Outra tarde muda
que se faz de surda:

- assim absurda
cega-me rotunda

(ceva-me infecunda
pra outra segunda)

domingo, 3 de agosto de 2014

HUMOR DOMINGUEIRO

A sua tarde muda
domingo não muda:

- ou se faz a muda

pra chave facunda
(pra boa segunda)

ou então se afunda...

sábado, 2 de agosto de 2014

QUADRA DA INVERSA OBRIGAÇÃO

compensação

... enquanto for mau afagar
um quanto de vida boa
seu contanto é desnaufragar
o tanto que a vida doa...

REVISITA 7: MÁXIMO MÍNIMO POSSÍVEL

Se bom silêncio for seu remédio
não me demore, pode ir pra casa;
sobre seu tédio, cobertor médio
fará sua mente sonhar pesada;

se for maduro um tempo futuro
sua direção, apresse certeira;
não me apodreça em cima do muro
tão bom menino, de eira sem beira;

se névoa seca for pela manhã
dissipar-te antes do meio-dia
retorne enfim minha esperança vã
melhor desse humor, como eu queria...

10/07/1981

quinta-feira, 31 de julho de 2014

EM LAVOURA ARCAICA

que Raduan Nassar me perdoe

Em toda mudança
gemam sem tardança

brotos de lembranças;

cacos do passado
gemem passo a passo

toda vez que escavo
(cada caso é o caso)

pela vizinhança
do que sempre guardo

[do que sempre aguardo
como semelhança

fiel à balança]

MAN AT WORK

Por sobre os telhados
desta boa vista

ando meus olhados

previstos de cima
revistos abaixo

se mais detalhados
em boa medida

refaço o trabalho
que a vista aproxima.

MEN AT WORK

Três homens num telhado

conversando a trabalhar

[laborando a detalhar
(pormenorizado do ar)
divagado o devagar]

sobem desconsertados

tetos a conservá-los.

terça-feira, 29 de julho de 2014

SEM COMPOSTURA

propositura

Literatura
na caradura

contra a brancura
contra a brandura
contra posturas
contra imposturas

contra a cultura
das inculturas

e porventura
contra a amargura.

Literatura
na caradura:

- das urdiduras
a que mais dura

(de fato cura)

segunda-feira, 28 de julho de 2014

REVISITA 6: MANHÃ COMO AS OUTRAS

... mas cada bonita! O sol de fora é o firmamento iluminando estranhos, entranhas, ossos adentro. O colorido das ruas, das árvores e edifícios na terra, nas pessoas e automóveis, atinge uma claridade difícil.

Por todo lado há corações perambulando, a manhã lembra. As delícias da vida estão ali.

...

Se livre estiver meu coração andante
tê-lo é preciso, do interior ao exterior
sadio, brilhando vazio e galante
ao requerer-me conquistar só teu favor;

se de tanto olhar, olhar-te simplesmente
não vejo pedras, ou duro o descaminho
separando-me de ti, lua crescente

solar assim, acompanha-me sozinho!...

06/07/1981

MOMENTUM RELAX

demorou

De outro ponto de referência
neste mundo como aparência

(parecendo para a consciência)

alargo o mirante da ciência
de si mesmo - da sua gerência

de mim cobaia da experiência.

Desse ponto de referência
- outra casa, por excelência

vejo-me um delfim da leniência
ao sentir-se a fim com paciência:

- enfim, alguma complacência
autocondescendente mesma!...

domingo, 27 de julho de 2014

REVISITA 5: UM POEMA

em eterna gestação

Pensar belo ao longo de versos e estrofes...
Correr sangue do fino riacho íntimo...
Sentir por outras entranhas os calores...
Pulsar incontido este espaço finito...

Palavras fugidias, vento
que ouço ao menos calado e atento
porque se perderão no tempo...

...

Descansos, sonho fatigados abaixo do horizonte

onde deitam serenos teus olhos, morenas
pontes ao tráfego oculto dos desejos...

...

Sabes que não vim para brigar

- mas quando vejo desperto
teu branco humor negro passar
meu coração sente o frio
melhor do que está a esperar...

...

(mas qual a razão de tanto calafrio
se teu corpo mais veste-se do meu olhar?)

01/07/1981

sexta-feira, 25 de julho de 2014

DO NORTE HORIZONTE

O que a frente descortina
à frente do que é rotina

(à frente do que neblina)

pousa o olho de rapina
em fogo de lamparina

[repousa a vista inquilina]

REVISITA 4: PENSAR E SENTIR

Branda a carícia
da calma brisa
a embalar solto
teu sono morno

que navegante
se for adiante
o fará afogar
meu fogo de mar...

Se pensamento
teu vibro aflito
logo o esvazio
em sentimento

com mão macia
que acaricia
inteira o gesto
de vir mais perto...

30/06/1981

quarta-feira, 23 de julho de 2014

SE MUDANÇA RESIDENCIAL

O que arrumar
organizar

na chegada de um novo lar
para somente bem-estar?

De tranqueira
nas ombreiras

(a casa da vida inteira)

escalar a Mantiqueira?

Por que mudar, se em descartar
há muito de se mutilar?

[embora tecido morto
desdobra-se do pescoço]

REVISITA 3: PRESSÁGIO

o primeiro poema (última versão)

Mergulho nos abismos da alma

sem opção, como única saída
à procura de verdadeira calma
sem peso, volume ou medida...

Sonhos, pesadelos, dissonantes
mais são contradições paralelas;
encontros de espíritos navegantes
de ventos enfunando caravelas...

Marco o passo
pisando firme, creio, e certo
fundo raso
longe de incrédulo, ou desperto...

(e quanto ao desafio de existir
eu vivo dos percalços com mais dor
viajando de querer partir
por amor de um único amor)

23/06/1981

sexta-feira, 18 de julho de 2014

LEMBRETE

Desde o início da jornada
(da jornada ao descaminho)

não inventaram nada
nada como estar vivo!

[de posse das faculdades
podemos eternidades

- por que mal o descobrimos?]

Por isso, felicito
felicito a manada

dos raros indivíduos:

- e caros entre os precípuos
aqueles redivivos...

NA MESMA QUADRA

716 Norte

Outra mudança
com esperança

de outra mudança

(de outra esperança)

quinta-feira, 17 de julho de 2014

REVISITA 2: O LIMITE REPENSADO

Para quem vive às voltas com pequenos problemas e dores consequentes de cabeça pequena, a receita não é tão simples. Deixar águas turvarem à mercê do acaso não é coisa considerada de gente séria, preocupada com realidades.

O que pode ser melhor em paz?

...

Um retorno ao oculto, longe de vaidoso exercício, às vezes se faz necessário. Nada de estudo diletante, puramente intelectual; mas mergulho sensível, largamente intuitivo, nos porões da alma que se tenha.

Todavia, sem menores auxílios.

...

Muitos olhares cercam o objeto. Entretanto, prevalece a ignorância, cristalizando-se à medida que passa.

...

Pressa. Pressa! Pressa...

A pressa que invento não é mensurável (nem validável ou confiável).

...

Reciclo interminável pensar muito o saber pouco.

...

Encerrarei minhas dúvidas num cubículo com aberturas, contudo à mostra.

10/06/1981

quarta-feira, 16 de julho de 2014

REVISITA 1: TEXTOS LIVRES

Nestes rascunhos, minha existência é posta, exposta ao julgamento público de um indivíduo: eu. Não que eu seja exclusivista: é preciso entender que melhor ninguém pode avaliar aqui dentro o que se passa.


Para escrever alguma coisa, preciso estar sob forte pressão emocional. No meu caso, significa estar confusamente apaixonado. O objeto de minha paixão? Deve estar por aí, brincando de gata e rata comigo.

...

Metido dentro de mim, enfurnado nas minhas coisas, jaz meu o eu. Anda não muito satisfeito com o que tem feito. Pudera, inconformado!... Mas o tédio acomoda, acomoda mais que ausência do que fazer. A cara na frente do espelho, no banheiro, tudo diz. Após ver você após você todo dia, não faz diferença feiura ou beleza: a gente ser é mesmo igual.

...

Sérgio. Em latim, um servo. Da sua própria angústia, essa mola que mal empurra adiante, para cima e para baixo.

...

Empaco. Parco e servil. Mas quando todos menos esperarem, o acúmulo de dejetos oriundos da minha infecunda atividade de pensar lançar-me-á à frente. Para outro estado que não de espírito.

09/03/1981

Sobre o Projeto Revisitas

Existem centenas de poemas (e dezenas de comentários, notas etc.) fora deste blog - anteriores a 2006, antes de Mauro Belmiro. Escritos a partir do longínquo ano de 1981 - quando um rapaz tão imberbe quanto impetuoso, ambicioso e arrogante, queria e imaginava poder, nas palavras de um amigo de então, "comer toda a terra e beber toda a água do mar".

A partir de agora, eles serão revisitados, e seletivamente incluídos nesta página ao longo dos próximos meses (talvez anos). Tais releituras serão críticas - o que significa que os textos que sobreviverem ao crivo contemporâneo (?) deste alterego (aqueles que não forem bobagens absolutas, absolutamente impostáveis) eventualmente sofrerão 'intervenções corretivas de forma', sem que se modifique, no entanto, o seu espírito e significado (ao menos assim espero).

[embora caiba lembrar que minha fidelidade ao passado é relativa - não apenas esteticamente seletiva, como assumidamente informada por critérios para uma reconstituição de trajetória que me seja reflexivamente útil e/ou interessante agora]

Esses poemas (e o resto) 'sobreviventes' serão clara e devidamente identificados e datados - e portanto distinguidos, à medida de sua exposição cronológica, da poesia corrente aqui regularmente disponibilizada.

Espero que apreciem, mais do que nunca com a condescendência de sempre!...

M. B.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

DO FIM II

um a sete, zero a três

Há muito já não somos mais os mesmos
donos de um mundo abaixo que chutemos

[pois a realidade complexifica
na medida a sua vida evolutiva].

Há muito já não somos mais aqueles
nem outros que tiveram seus poderes

[de Leônidas e Fausto aos Ronaldos
de Domingos sem espartanos altos].

Houve um tempo em que fomos vencedores
quando ao termo bastava os jogadores

[mas nossa realidade se complica
mais ainda se alguém a subestima]

{mais ainda se alguém de corrompida
fortaleza na certeza involuída}.

Há muito padecemos todos vesgos
(lunetas revirando olhos adentro)

do jogo parecendo que jogamos
volta e meia, ano a ano, pelos anos...

Há muito já escrevemos que esquecemos
(canetas revirando ossos a seco)

que o particípio - então participando

faz deste presente - um presente e tanto!...

sexta-feira, 11 de julho de 2014

DO RIO QUE VISITO

pelo seu desvio

Bipolaridade
da mineiridade

próxima do Rio:
- ótima friúra

(simultaneidade
neste desvario
pelo Paraibuna)

DO FIM

Neymar se foi
e porque foi
(como ele foi)

como me dói
o que lhe rói
(e nos destrói)

06/07/14

CURTA JUIZ-FORANA

Vandecira entre as lobas
amamentando todas...

04/07/14

QUADRA JUIZ-FORANA XIII

Relações familiares
ilações malabares
implosões pelos ares
(mais do que aparentares)

04/07/14

QUADRA JUIZ-FORANA XII

Brasil-e-Colômbia

Das quartas-de-final da Copa
contra o cinza do Paraibuna
contemporizo em Juiz de Fora
aquilo que talvez desuna...

04/07/14

domingo, 29 de junho de 2014

FUTEBOLÍSTICA

A contraprova objetiva
da objetiva realidade

(da existência de uma realidade
além das subjetividades):

- sua hostilidade a expectativas

[no jogo da bola, vãs fantasias]

sábado, 28 de junho de 2014

LUIS SUÁREZ II

contra si mesmo

A reincidência
da reincidência

foi coincidência?

Sua armadilha
- a artilharia?

Patologia?
Patifaria?

(outro faria?)

[coisa da FIFA?]

Luis, seus botões
terão semanas
meses de serões:

- se Luisito, com jeito bacana
for sujeito do que lhe desanda...

sexta-feira, 27 de junho de 2014

OITAVAS

Quarenta e oito batalhas
dezesseis sobreviventes

[outras dezesseis mortalhas]

e oito jogos transcendentes
(para os oito que vencerem)

num mata-mata daqueles
(a desculpa se perderem)

inesquecível por eles...

quinta-feira, 26 de junho de 2014

AURORA CREPUSCULAR

ou despertar do ocaso

Acordando agora
aquietei a manhã

de bater à porta
altercando terçã

o afã interior a ver se há estória
noturna malsã ante o dia afora:

- que desventura a madrugada dura
e meio escura reluz mais fundura...

Nunca a claridade
especial da idade

às portas estranhas de outra cidade

tem sido importante
a mim como adiante

e face doravante à questão posta:

- haverá uma manhã
que entardecendo sã

amanhã eu possa?...

quarta-feira, 25 de junho de 2014

DO PRÍNCIPE

partícipe e decisivo

... que responsabilidade
que peso, que gravidade

prum menino dessa idade:

- carregar o time inteiro
(e cinco estrelas no peito)

dançando no parapeito
do coração brasileiro

com a cabeça no lugar
dos cotovelos, a livrar

teus pés arteiros, ô Neymar!...

segunda-feira, 23 de junho de 2014

NA LÓGICA DA COPA

(da paixão pela Copa)

... a contradição
maior da exaustão

da maratona
pelas telonas

é tanto maior
quanto é pormenor:

- paradoxal então...

O CRAQUE IMANENTE

no gol argentino contra o Irã

A arte nobre do arqueiro zen
compreende bem o seu alvo aquém:

- une o sujeito indivisível
ao que do objeto é invisível.

A flecha de curva de Messi

por fora da muralha persa
(opaca e num átimo aberta)

fugiu-lhe de olhar que acontece...

[ali o craque realizou além
a nobre arte do artilheiro zen]

domingo, 22 de junho de 2014

LUIS SUÁREZ

contra a Inglaterra

Três chances reais
dois chutes mortais

e um menisco a menos, a mais

Luisito cirúrgico o traz.

O MISTÉRIO DE LIONEL

na selva adversária

Como uma perna esquerda

entre pernas direitas

(de todo um reino à espreita)

faz toda a diferença?

Por que esta perna esquerda

entre as pernas, dezenas

de vezes sem defesa

[curva fora da curva]

tão boa de nascença?...

quinta-feira, 19 de junho de 2014

MEU CONSELHO CONJUGAL

àquelas que estão de mal

Por que o futebol?...

Alguém pergunta
porque uma bunda?

Alguém questiona
Shrek com Fiona?

Alguém indaga
se faca ou bala?

Experimente
(condescendente)

olhar o jogo

mais simplesmente
que indiferente

- como ao esposo
que tu escolheste...

DO RITMO DAS CASTANHOLAS

quanto à seleção espanhola

Quando há um modo
campeão de tudo

quanto há um grupo
campeão do modo

quando não sê-lo?

(quanto sabê-lo?)

terça-feira, 17 de junho de 2014

SWEAT BOOTS

sweet looks

... essas chuteiras
tão coloridas
são mais maneiras
cosmopolitas

(de Nike a Adidas)

por costureiras
terceirizadas
pelas quebradas
globalizadas...

segunda-feira, 16 de junho de 2014

INDAGAÇÃO FIDAGAL

de Alemanha-e-Portugal

Aonde vai Cristiano
já que perdeu-se em campo?

Seu espelho alquebrado
faz solitário o gajo

da bola suserano

ou solidário andrajo
parelho no relvado?

[seu time o pede tanto
agora mesmo o quanto?]

domingo, 15 de junho de 2014

QUADRA DE BOA

O clima nublou
não quero sair
de cima que estou
sofa du plaisir...

ENQUANTO A BOLA DA COPA NÃO ROLA

se o sinto, penso que inexisto

O tempo entre as partidas
(digo intervalos ansiosos entre os jogos do dia, entre os dias de jogo)

é o buraco do hiato
que orifício do vácuo
rompe o furo num rasgo
adentro aprofundado
centrípeto na fuga

da vida absolutamente destituída de sentido entre as partidas.

[e por favor: não me venha com comentaristas]

sábado, 14 de junho de 2014

EXÍLIO NO SOFÁ

além disso não há

O mundo fechado na Copa do Mundo
e eu fechado em copas, assistindo a tudo

- aos descaminhos da bola, sobretudo
por onde testemunho o acaso do triunfo...

Tanto atores que pelejam em conjunto
quanto fatores que percebo e articulo

não dão conta do mistério tremebundo:

- de haver craques a juízo de seus públicos
e mais juízes em prejuízo do que bagres;

- técnicos, palpiteiros infecundos
jornalistas, marqueteiros do que achares
e cartolas e lorotas nauseabundos

a serviço de outro esporte, submundo
deste que deu-me a sorte de amá-lo fundo...

quinta-feira, 12 de junho de 2014

A MAIOR JOGADA

que o dia inacaba

... Brasil-e-Croácia
com a contumácia

da publicitária
paixão monetária

(razão celebrada)

pela invertebrada
ação demandada...

quarta-feira, 11 de junho de 2014

EM VICIOSO CÍRCULO REVERBERO

A facúndia
do gerúndio

inundando
meu estúdio

indispondo
me desvia

reluzindo
fugidia

indo e vindo
mais o dia
decompondo

(esquecendo
do que cuido)

para o gáudio
decrescendo

deste áulico

excretando

nostalgia...

terça-feira, 10 de junho de 2014

COMOÇÕES PERMANENTES

É comovente, sempre
a aflição dos que acreditam

que os protege uma rede
abaixo do que fariam.

São comoventes, sempre
nos rumos que escolheriam

- que há água suficiente
à frente da pior sede

porque sobreviveriam.

E comovente, sempre
a consciência deles, milhões

de vezes soltando balões
de oferendas aos deuses

num arremedo de razões
a pretexto de outros patrões...

segunda-feira, 9 de junho de 2014

domingo, 8 de junho de 2014

sábado, 7 de junho de 2014

À BEIRA DA COPA V

parecem que já começou

... nos amistosos
preparatórios

inamistosos

trocaram votos
persecutórios!...

sexta-feira, 6 de junho de 2014

À BEIRA DA COPA IV

... e quanto aos 'parças' do Barça?

Quando desembarcar
hinchada [a] Argentina

(Messi e companhia)

diga 'não vou posar
de anfitrião na esquina'

(ao menos com Neymar)

quinta-feira, 5 de junho de 2014

À BEIRA DA COPA III

há contusões e baixas

'A bruxa voa à solta'
lastimam jornalistas

no que soçobra à volta
ao fim da temporada

dos craques que vitima:

- sobre a forma física
sobrou carnificinas...

quarta-feira, 4 de junho de 2014

À BEIRA DA COPA II

veja as mistificações

Diante da Copa do Mundo
desenrola o tempo todo

retrospectivo a fundo
raso um filme caviloso:

- de Pelés predestinados
a Barbosas desgraçados

como se um ladeado de outro
não jogasse o mesmo jogo...

terça-feira, 3 de junho de 2014

À BEIRA DA COPA

daqui a pouco entorna

Na contradição das emoções
da melhor invenção dos bretões

meio copo de tantos senões

adocicará, porém, no que há
num copo e meio - e tão cheio já

(bem tragado no que agora dá)

ademais do futebol a sós:

- nas pelejas de beleza atroz
o que faz de mais humano a nós...

segunda-feira, 2 de junho de 2014

sexta-feira, 30 de maio de 2014

ACASO VISITEM

assinem!

Os olhares que aqui vêm
- o que será que contêm?

Curiosidades - porém
por uns poemas de ninguém

(centenas neste armazém
ignorado e aquém):

- o que dirão para alguém?

Não vos olho nos olhos
pois que podem ser outros;

não lhos vejo os sobrolhos
(dois fariam escombros)...

Teus olhares que aqui vêm
- o que será que mais têm?...

(tenho ansiedades também)

quinta-feira, 29 de maio de 2014

SENTE-SE

Enquanto se espera

o que desespera
é o tempo perdido
(que tempo já era)

porquanto de espera:

- ao fim, desde o início
um tempo impedido
(pedido a princípio)

de haver o que dera...

quarta-feira, 28 de maio de 2014

A VER COMPOSTURA II

Das dores físicas
aos ares devidas

as dores nas costas
(algia de costas)

[não se mais tísica]

são demais dispostas
a ciclotimias

lombares-polares
(solares, lunares)

aos pares corridas
pelas ciclovias...

A VER COMPOSTURA

Feneço

(percebo)

de um jeito

que esqueço

de um jeito

de mesmo

a esmo

aceder

fenecer

(perceber)

direito.

terça-feira, 27 de maio de 2014

FAST_IDIOSAS

sermões em questões

- o que palavras quererão dizer
de sensível antes de algum querer?...

[que ao depois do depois caberia
antes vir do que antes causaria

(tal como um pensamento predisposto a sentimentos)?]

...

- o que atravessa depois de se ver
o que a pressa prepara pra correr?...

[um medo de precipitar - e se perder
ligeiro de ganhar, de perder - de vencer

o medo cedo de se apressar?]

... ...

- o que sei que deveria saber
que sou naquele show por mais poder?...

[que mal importa o que aconteça
desconheço o que bem pereça?]

segunda-feira, 26 de maio de 2014

À NOSSA DIREITA

[a vossa receita]

Infraestrutura cediça
em declínio - dos cortiços

de fedorenta cortiça
(da vida sobre caniços)

[onde se junta a carniça
antiga de compromissos]

venta há muito cercania.

Superestrutura tida
como se escorregadia

- como um plano movediço

(pode ser isso ou aquilo)
[pode ter sido de ouvido]

pela superfície fina
de apenas ideologia:

- quais as leis da economia?
- que fazer das nossas vidas?

Se sei? Leigo em agonia
presumo, introspectivo

meio retrospectivo
copo de expectativas...

[pressinto quase, intuitivo
Malasartes, uma dúzia

de modelitos facinhos

dos realizados caminhos
ricos - filhos de uma puta

redistribuição dos riscos:

privatização dos lucros
socialização dos vícios]

domingo, 25 de maio de 2014

Sobre a volta para estas coisas

Na nota "Uma pausa para outras coisas", de 31 de março último, comuniquei tempos afastados então à frente. Foram quase dois meses sem o prazer do instante, nos quais qualquer transcendência - da expectativa ao esforço realizador - correspondeu a uma necessidade prática (embora sem garantia de satisfação).

Hoje, o prof. Sérgio Euclides concluiu o que lhe coube fazer - e pudemos descansar. A partir de amanhã (esperamos), a poesia reocupará o seu lugar.

M. B.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

VOO ZUMBI

Ensimesmada
sob a rotina
desencavada

esta consciência
desencantada

súbita e clara

se vaticina
apalavrada:

- desta consciência
desenterrada

(ainda por cima)
vou para o nada!...

sexta-feira, 9 de maio de 2014

NA ESTAÇÃO QUE NÃO ACABA

chove chuva

Nove de maio
dez para-raios
inda ocupados

e água debaixo
régua dos passos;

se alguém mais sábio
souber de fato

- eles que caiam
e ela que raios

rios nos partam!...

domingo, 4 de maio de 2014

DA INTELIGÊNCIA DA LÍNGUA

Dentro da cabeça
um quebra-cabeça

de ponta-cabeça
a montar depressa:

- palavras à beça
de Machado e Eça;

- do que prevaleça
Graciliano, cresça
Veríssimo, e desça
Cabral e Cecília;

- dos Pessoas, ilhas
(Saramago à vista);

- do Barros, formigas
(Camões de vigília...)

[as mãos na coleta
repleta de prosa
seleta das obras
dos sãos e dos poetas]

***

{eis, pois, o problema:}

No centro, a cabeça
com letras a peça

a estender sentenças
pra entender quem meça

antes que pereça
e desapareçam

(e depois me esqueçam
antes que eu impeça)

De um autor que nunca chega

"48 | O que me acontece

Eu, que havia decidido ser, uma vez, o homem da completa ventura, que abrindo caminho a cotoveladas entre a multidão gritasse: Por favor, deixem passar um homem feliz!, tenho, ao contrário, que sair para que me favoreçam com uma coleta de compaixão por tudo o que acontece comigo, porque tudo me acontece. Veja se não:
Anseio a destruição das cidades e me sai um primo que com extraordinário talento e veemente empenho batalha pelas cidades, por sua prosperidade e aumento, resolvendo para o urbanismo todos os problemas do trânsito.
Descubro os melhores títulos de romances e ensaios, e pouco depois minha meditação me demonstra que o mais ridículo e injustificado de uma obra de arte é pôr-lhe um título.
Descubro o mais doloroso e intenso dos assuntos de romance, poema ou teatro, e tempos depois minhas meditações sobre estética me impõem a verdade de que o assunto em arte carece de valor artístico, é estra-artístico, e, além disso, a invenção de assuntos de arte é uma das máximas ociosidades, pois a vida transborda de assuntos.
Concebo e realizo alguns poemas arrebatados, eloquentes, e mais tarde, sempre querendo saber a verdade, descubro a da nulidade artística dos poemas, em prosa e mais ainda em verso, enquanto relatos e personificações.
Nego a morte e fico estudando o modo de prolongar a vida para o qual somente encontrei até agora o não usar terapêutica.
Esmero-me na elegância e talentos da redação literária, e me sai um personagem, o Presidente, que me eclipsa com a grandiloquência e lacrimosas desesperações de suas cartas, e outro, Quiçagênio, que tenta cortejar-me uma protagonista pelo sistema mais contraproducente e tedioso: a literatura de contista.
Espero a volta de um conto na esquina de voltarem somente os chistes.
Fico amigo do Leitor, que faz escrever melhor e me confessa que encontrou o autor que dá mais reputação aos seus leitores.
Enfim, quando tinha preparado o elenco completo dos assessores estéticos, científicos e filosóficos deste romance (três gramáticos, um químico, um historiador, dois descobridores, dois biólogos, um homem de gênio, um pintor de talento, três poetas, um astrônomo, dois músicos, um matemático, um psiquiatra), quando já amadurecia o plano de invenções, teorias embriológicas, palimpsestos decifrados e diálogos espirituosos de arte e filosofia a cargo dos personagens, eis que me cativa a simples conversa amável e generosa da amizade, e todo o meu descobrimento de apresentar um romance com laboratório e técnicos adscritos desmorona tristemente.
Não me resta mais do que proverbializar minha desventura, dizendo:

O mau é ter pensado
Depois de ter feito o mal."

Macedonio Fernández, Museu do romance da Eterna. Tradução de Gênese Andrade. São Paulo: Cosac Naify, 2010, prólogo 48.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

BECO

Uma subida
(pressão sanguínea)

animadinha
(sexta à noitinha)

pela trilha escura que mais brilha;

uma corrida
que precipita

quase perdida

noutra corrida
(e mais pedida)

num contexto rico de pretextos:

- pra cada pedreira, pedraria...

...

Uma visita
à tabacaria de Dioniso

(revés que Apolo refaz preciso)

quinta-feira, 1 de maio de 2014

ENSOLARADA

Brasília em maio

A qualidade
da claridade

na quantidade
de saciedade

é claridade
da qualidade

da caminhada
pela cidade.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

QUE TEMPO

Tempo que treme
tempo que extreme;

tempo que espreme
(lembro que dentre);

limbo que imprime
livro que oprime
(vi que comprime);

time que lide

(lê-se que prime)

primo que inside.

terça-feira, 29 de abril de 2014

SE CRISE

... quanto a alugar algum
ombro, ouvido, narguilé

a fim de chorar no rum
o fim do jaguareté

não vai a lugar nenhum
(bocas, coxas, Macaé)

salvo se estiver de pé...

segunda-feira, 28 de abril de 2014

A SURPRESA INCANSÁVEL

da rotina de uma retina arável

O brilho amarelo-claro
do velho disco dourado

- sempre o sumo espetáculo
do olhar receptáculo

de opaco consumo diário;

o velho brilho ordinário
o fático ensolarado

- caro ao parecer barato
olhar parassimpático

raro aparece de fato...

sábado, 26 de abril de 2014

AN OUTERVISION

a Stevie Wonder

O que ele fez
aos vinte e três
não alcanço:

- Innervisions
terei quando?

Mesmerized
ouço enquanto
mergulhado

eu recanto
tão molhado
tal balanço!

Spellbound
como danço!
all around

suas denúncias
implacáveis
com argúcia
impecável!

E uma chance
(duas chances)
de romance
for instance

na leveza
caribenha
da beleza
que ela tenha

como guia
o otimismo
do prodígio!

- o menino
amoroso
que é conosco!...

...

Como Stevie
(me disseram)
inexiste
pro que vemos

- o que vejo?

Haveria
(conseguinte)
otimista
num escuro

um balanço
da denúncia

do romance

da beleza?

Ou certeza
do que escuto
de cegueira?...

sexta-feira, 25 de abril de 2014

TALVEZ SINTA

À medida
que esta vida
sobreviva

tanto escrita
quanto lida

(refletida
sobrevida)

talvez sinta
que está viva
na medida.

HORA DE CAIR ALGUMA COISA BOA

do que quer que acima exista

Um cometa
estafeta
se brilhante

de um profundo
outro mundo
semelhante

que umedeça
(e pareça
que eu mereça)

loteria
antevista
imprevista

gargalhada
orvalhada
já seria

na cabeça
chacoalhada
em revista...

quinta-feira, 24 de abril de 2014

QUANDO DO LADO DE QUEM ERRA

a presteza que a Copa encerra

O silêncio desacostuma o murmulho
do poço crítico em favor do mergulho;

o silêncio não nos faculta um arrulho
pelo sapo engolido (sequer o engulho);

o silêncio perdurará até julho
- mas será esta a validade do embrulho?

(certo silêncio inculto, estulto, insepulto)

[talvez remível um dia (sem orgulho)]

{porém, contudo, todavia - que esbulho!...}

quarta-feira, 23 de abril de 2014

QUADRA [DUPLA] DO CORTE

A morte
conforme
é o norte
da sorte.

[são há pouco
houve muito
(ou descuido)
e está mouco]

terça-feira, 22 de abril de 2014

MÁXIMA II

O que para
(mas ao lado)

e depara
com o dado

mais repara
o avistado

[e prepara
o atilado]

segunda-feira, 21 de abril de 2014

ANIVERSÁRIA

Cinquenta e quatro
de quadra a quadra;

superquadrada
(das superquadras);

de quadro a quadro
bem maltratada

(a candangada);

de quatro em quatro
pouco abusada

(no estelionato)

- embora amada
rente ao cerrado

seu céu arcado
de planetário...

O ASFALTO A SEGUIR

ressaca à vista

A cruz
no chão

reluz
(senão)

a luz
que não

reduz

(pifão)

[o aduz
então]

domingo, 20 de abril de 2014

QUADRA DA CLARA VIA

Esta é manhã daquelas
para o amanhã deveras:
- qual terçã fantasia
tal o afã deste dia!...

sábado, 19 de abril de 2014

PATO DE PARQUE

não de zoológico

Inchado de pipoca
a cara de boboca

eu me queria agora
seguro até a aurora

(não vejo horta nenhuma)

até as crianças do mundo nos revisitarem
(até os tratadores imundos nos revistarem)

parvo, apenado e feliz

(vivo acaso por um triz)

quarta-feira, 16 de abril de 2014

CÍRCULO RACISTA

o fragmento
de pigmento
que segmenta

Um pigmento
nos fragmenta
num segmento.

Um segmento
nos pigmenta
num fragmento.

Um fragmento
nos segmenta
num pigmento.

Um pigmento...

terça-feira, 15 de abril de 2014

DESOSSADO

O toque do meu despertar
(standard jazz, pra variar)

desvela-me logo a sonhar
tão cedo com outro acordar

mais tarde (talvez junto ao mar)

e então sim, reconectar

outro enfoque enfim, pra variar

(tango nuevo, pro celular)