terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Um desassossego de Pessoa

"Tenho mais pena dos que sonham o provavel, o legitimo e o proximo, do que dos que devaneiam sobre o longinquo e o estranho. Os que sonham grandemente, ou são doidos e acreditam no que sonham e são felizes, ou são devaneadores simples, para quem o devaneio é uma música da alma, que os embala sem lhes dizer nada. Mas o que sonha o possivel tem a possibilidade real da verdadeira desillusão. Não me pode pesar muito o ter deixado de ser imperador romano, mas pode doer-me o nunca ter sequer fallado á costureira que, cerca das nove horas, volta sempre a esquina da direita. O sonho que nos promette o impossivel já nisso nos priva d'elle, mas o sonho que nos promette o possivel intromette-se com a propria vida e delega nella a sua solução. Um vive exclusivo e independente; o outro submisso das contingencias do que acontece."

Fernando Pessoa, "O livro do desassossego". In Obras de Fernando Pessoa, vol. X (prosa). Lisboa: Promoclube, p. 38.

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