QUADRA LEXICOGRÁFICA

a Débora Ribeiro

Não haveria nada

de lavra

sem seu amor por cada

palavra.

DUPLA QUADRA NA GARAGEM X

[a luz

dentro

azul

fora

reluz

centro

taful

cora]

DA GARAGEM XIV

[entre o vento

e o cimento

sob o teto

tão concreto

as pilastras

adastradas

dão alento

repintadas

desde a entrada]

POIS QUE SEJA

[embaçando

transparente

embarcando

vagamente

relevando

o pendente

vou levando

sem que tente

emborcando

vento rente

esforçando

nada nente

reforçando

o presente]

NA GARAGEM XXXVI

entre provas

Um carro.

Um piso.

Um caro

repiso.

Um pano.

Um riso:

- o cano

tão liso.

Um ano

preciso

engano

bizarro:

- qual plano

de barro

tão claro

repriso?...

PORQUE CALAR

Quando o tempo

fecha o espaço

num silêncio

tão escasso

por que falar

se vão dizer

pra não ouvir

tanto o estridor

quanto o múrmur?...

SEXTILHA PARAMNÉSICA

cedinho

A hora

da aurora

embora

de agora

de outrora

(por ora)

DUPLA QUADRA BRAVIA

esfria?

O frio

no estio

desvia

macio.

(o frio

no estio

vadia

vazio)

DUPLA QUADRA DEVAGAR

navegando o trânsito

Fragata

corveta

pirata

careta

pacata

dá seta

na chata

da reta...

À VIDA CORRIDA NUM SEDÃ

primeiro aniversário sobre o corte

[pois hoje

é dia

de esquecer

o amanhã

de manhã

à tarde

e à noite

senoite

num divã]

DUPLA QUADRA GREGA

a Ulisses

O céu

egeu

é meu

chapéu

se eu

ilhéu

estou

ao léu.

QUADRA POTENCIAL

desde a garagem

[nessas flores

amarelas

todas cores

cabem belas]

QUADRA ESPACIAL

já na garagem

[a paragem

no momento

é vantagem

neste assento]

QUADRA TEMPORAL

rumo à garagem

[no momento

a passagem

movimenta

a paisagem]

DUPLA QUADRA NATURAL

vista da garagem

O sol

no mural

é sol

castiçal:

- farol

de cristal

em prol

cultural.

SEXTILHA ALHEIA

Eu esvazio

de mim

o que esvazia

de fins

(quando esvaziam

afins)

QUADRA TARDE

No sol

que deita

a luz

se ajeita.

QUADRA CEDO

O sol

aleita

a luz

que afeita.

SEXTILHA À ÍRIS

Sol ali

chuva lá:

- eu aqui

no sofá

colori

arco já.

DUPLA QUADRA SUPERVACÂNEA

Nubívago

do meu naco

desse vácuo

faço questão.

(orbívago

desses cacos

supervácuos

não faço não)

BARRAGEM

A nuvem

deságua

a água

que tem

mas bágua

na frágua

sem trégua

é o que vem:

- alguém

aquém

cem léguas

além

contento

do assento

na régua

a retém...

QUADRA MIÚDA

Chuvisca.

Arisco

sua tisca

lambisco.

DUPLA QUADRA ESVAZIADA

A escola

deserta

desertou

de saber

decerto

o porquê

(do saber

para quê)

CORPORATIVA

educativa

Quando a dita

tal privada

iniciativa

é privada

de autocrítica

entupida

sua privada

é vendida

mais barata

que sua lida.

SALA DOS PROFESSORES

durante as aulas

A sala

descansa

entre nós.

A sala

descansa

entre nós:

- descansa

onde nós

docentes

desdamos

mãos dos nós

discentes.

...

(descansa

de vós

dirigentes

qual ala

do após

diligente

no pó que

da gente

perdurar)

QUADRA PSEUDOTERAPÊUTICA

Anamnésia:

- pela enésima

vez vigésima

paramnésia.

DUPLA QUADRA BIPOLAR

hoje cedo

O sol

brilha.

My soul

trilha

de cool

pilha

a boom

grilha.

FIM DE CICLO

do professor gasto?

Esse tempo

nesse vento

geminado

verminou.

Esse vento

desse tempo

verminado

terminou.

Quanto tempo

esse vento

terminado

que sobrou

verminado

soprará

já passou.

DUPLA QUADRA VIRIDÁRIA

a Vandecira eva

Tal verde

valverde

qual ver-te

belverde

(e arder-se)

é bela

costela

de ter-se.

SEXTILHA AMOROSA

a Vandecira

A luz

azul

no verde

reluz

taful

ao ver-te.

QUADRA SEM LUGAR

[meu olhar

mira a fronde

desse estar

mas aonde?...]

OS BICHOS DAQUI

aos ouvidos de um urbanóide

Miam

pios

piam

mios

liam

fios

fiam

lios:

- assobios

que assoviam

indistintos

ao que sinto...

EM CASA II

descritiva

Meu pedaço

de regaço

viridário

paraíso

arbitrário

improviso

corolário

de um narciso:

- pois espaço

desse abraço

solitário

que repiso...

DUPLA QUADRA AO LONGO DAS HORAS

Tem chovido

bem chovido.

(tem chovido

bem chuvisco)

[tem chovido

nem chuvisco]

{nem chovendo

tem chovido}

SEXTILHA VENCIDA

[a vida

morta

rendida

é morte

viva

vendida]

DUPLA QUADRA EXISTENCIAL

na garagem

[amarelam

essas flores

à medida

dessas dores

de inseto

dos fatores

(avermelham

seus odores)]

SEXTILHA ACHANDO O CLIMA

santa semana

[fechando

chovendo

michando

choquento

(rachando

chaguento)]

DUPLA QUADRA PÓS-DOCENTE

otimista

Meu futuro

extramundo

intramuro

submundo

(perituro

num segundo)

eu venturo

vagabundo...

QUADRA AO PROFESSOR GASTO II

[o futuro

deste mundo

pouco aturo

moribundo]

SEXTILHA AO PROFESSOR GASTO II

[caridade

a vontade

de amizade

vem mais tarde

(mas metade

soledade)]

SEXTILHA AO PROFESSOR GASTO

[agasto

sem asto

uns castos

nefastos

de pasto

mais vasto]

QUADRA ZEN

[por onde vai

esse nanai

que me abstrai

nesse bonsai?...]

BITUCA

[gris

ardo

pardo

cinzeiro

de cheiro

xis]

TÉPIDA GARAGEM

A luz

dourada

deita

pelada

sobre

o frio

piso

da entrada.

(antes

fresco

quase

morto

morno

fico

de olhá-la)

ATÉ A GARAGEM

Na paisagem

horizontal

contra a aragem

estacional

há miragens

de passagens

pela margem

setentrional

dessa viagem

ao tudo igual:

- à caverna

convencional.

SOBRE O DESPERDÍCIO DE DNA QUE NOS CONDENA

sapiens sapiens

[penso frequentemente

na enorme quantidade de pessoas

boas, talentosas, geniais que mal

nascem e morrem rapidamente

nas comunidades periféricas

do mundo, sem a oportunidade

de viverem à altura

das suas melhores possibilidades

- bibliotecas nunca aparecidas de Alexandrias]

[penso frequentemente

na enorme quantidade de estudantes

brilhantes, singulares, especiais

que tive ao longo de décadas

de docência esperançosa, depois

sobrevivendo sob a moedura

permanente de vidas mediocrizantes

a despeito das suas qualidades

- bibliotecas desaparecidas de Alexandrias]

DUPLA QUADRA FRISANTE

[um clima

de vinho

que prime

o alinho

sozinho

anima

estimas

de ninho]

DUPLA QUADRA CORRENTE

docente

Meu tempo

ali

retempo

atrás

destampo

aqui

trastempo

aliás.

QUADRA AO PROFESSOR GASTO

descanso do sábado

[agasto

padrasto

incastos

no pasto]

DUPLA QUADRA AMANHECENDO

hoje bem cedo

[azulado

transparente

emprestado

do nascente

celestino

é o divino

resultado

evidente]

QUADRA A ACORDAR MAL

hoje bem cedo

[dissolvo

em sono

meu sonho

matinal]

NA GARAGEM XXXV

Um carro

parado

no meio

do espaço

parece

pedaço:

- de asseio

cansado

padece

catarros

de escarros

em rede

(dos pássaros)

SANITÁRIA PREVENTIVA

contra arbovírus

As plantas

da casa

de santas

da vasa

(vedantas

caladas

infantas

sem asas

em chantas

na basa)

são mantas

em brasa

[gargantas

cortadas]

DUPLA QUADRA VENÉREA

[as luzes

das urbes

em noites

de lues

ardendo

estetas

estrelas

confundem]

DUPLA QUADRA AO DIA LINDO NA GARAGEM

Lindo

dia

vindo

ia

rindo

(findo o

via

indo)

QUADRA DA DENGUE II

(dis)funcionamento mental

[vou me concentrando

porém em dissipar

esse contrabando

de ideias pra alugar]

DENGUE DENGUE!!!

Dengue.

Zika.

Chikungunya:

- três bestas de apocalipses

- três mulas com cabeças

- três lembranças da nossa incúria...

[aborrecimentos fortuitos

de curtos-circuitos

longamente gratuitos]

QUINTILHA DA DENGUE

[tão lasso

meu passo

devasso

que escasso o

trespasso]

QUADRA DA DENGUE

[goiaba

mangaba

na baba

que caiba]

DENGUE DENGUE!!

(sobre a presença

dessa doença

como mantença

de uma sentença)

[sobre a valença

desde nascença

dessa licença

pra tal sofrença]

{o que convença

vindo da crença

na indiferença

de sua detença}

DENGUE DENGUE!

últimas semanas

Dengue.

Zika?

Chikungunya?...

Perrengues.

A lida:

- minha e tua.

Frentes.

Dicas.

Arapuás:

- o que quer que seja

que nos prenda ao sofá

trataremos com maracujá...

SEXTILHA PERENE II

[as árvores

de arvoradas

passaradas

dão mármore

a memórias

repassadas]

DE SAÍDA

já no corte longo

Abriu-se

meu tempo

desde abril

destempo

feminil

de bento;

 

encobriu

seu vento

juvenil

de ida

um ardil

da vida:

- pois fugiu

sentida

a sua direção...

QUADRA CEGA

hoje cedo

[esta luz

chapada

me conduz

a nada]

DUPLA QUADRA AO CARPE DIEM

quam minimum credula postero

(Horácio, sec. I a.C.)

O futuro

é de fato

obscuro

e abstrato

prematuro

desbarato

(perituro

aparato)

ALMA A CLAREAR

Vem o sol

nem taful

e do soul

cai o mal

bem no anzol

desse azul

vermelhal

(de arrebol

por sinal)

EXPERIENTE

[quando os anos

para trás

são mais anos

que à frente

(supostamente)

menos assaz

o engano

prover audaz

a mente]

SEM RESGATE

Dos gambás

são saruês

adoráveis

timbus

vulneráveis

possuns

daquela beleza incomum;

cá em casa

requeridos

vêm há muito

queridos

mas de graça

e ao redor

a sordidez

é maior:

- mortal graças à estupidez

revigorante entre os sapiens

rationalis rationalis...

FARISAICA

Nacionalista?

Cosmopolita?

Antissemita?

Antissionista?

Quem civiliza?

Quem terroriza?...

Qual escrita

taxativa

em negrita

revindita

soa dita

mais bonita?...

...

[enquanto isso

segue vivo o

genocídio

palestino]

SONHO DOCENTE ARCAICO

caralho

[estou certo de que um dia

retornarei às origens disso tudo

em oficinas de príncipes e reis

com Platões, Aristóteles, Sênecas,

Rousseaus e Immanuéis

séculos e séculos à frente...

e consequentemente preceptor

de delinquentes com confessor

eu serei, por Deus

e com a ajuda do diabo

eu serei!...]

QUADRA DOCENTE INOCENTE

really?

Ensalado

esfolado

entalado

estofado

eu prezado

substantivo

sou cruzado

corporativo

adjetivo

por coação:

- incorporativo

da situação...

DUPLA QUADRA A ESCOLHER

A beleza

da chuvada

de chateza

não tem nada.

(a chateza

da chuvada

de beleza

não tem nada)

DUPLA QUADRA NUBLADÍSSIMA

[o silêncio

matutino

mais cinzento

cristalino

é contino

ferimento

pardacento

tão a pino]

MAGOANDO

Um cisco

de água

chuvisca

da bágua

arisco

na risca

da anágua:

- emerso

da chora

seu verso

belisca

um tisco

diverso

agora

perverso...

FUMAÇANDO

clima da manhã de hoje

Espesso

o gesso

do céu

espesso

o avesso

ao léu

espesso

o acesso

ilhéu

(expressos

no excesso

de véus)

QUADRA DA GARAGEM VIII

próxima ao fim

[a velha demagogia

da nova pedagogia:

prometer seu paraíso

preceder seu prejuízo]

A ESTA ALTURA

questões

Ver a vida

colorida

sob a norma

pardacenta

argumenta

que conforma

à sua lida?

Seja a forma

seja a firma

sedimenta

ser a mesma

mas tingida?

(mais fingida?...)

DUPLA QUADRA VISTA DA GARAGEM

muda na chuva

[a goiabeira

cresceu

da chuvaceira

frondou-se;

a ser fruteira

ao léu

da bebedeira

quedou-se]

NA GARAGEM XXXIV

again

Tudo igual

no covil.

(menos eu

infantil

desigual

por senil

no apogeu

do perfil

pau-brasil)

VÉSPERA DE GARAGEM

áspera a engrenagem

Amanhã

algo cedo

voltarei ao carro

à rua

ao aro

à ponte

à lua

defronte

ao barro

à fonte:

- ao paro

da gruta.

De manhã

algo ledo

estarei em sala

urgindo

me vendo

formando

correndo

falando

dizendo

falhando:

- na vala

urdindo...

...

(amanhã

de manhã

no divã

do sedã

pela grei

que terei

versarei

que cheguei)

DUPLA QUADRA BELA

O sol

esteta

do céu

capela

cai bem

estrela

no chão

planeta.

AVC

Ruídos

de parede

saídos

de repente

repercutem

mau flúmen

da mente.

(caído

eu alcanço

puído

seu balanço

de rede)

QUADRA SEM CARINHO

Ir vizinho

vir sozinho:

- descaminho

pobrezinho...

DUPLA QUADRA COLETORA

sapiens sapiens

Choveu

molhou.

Correu

secou:

- brotou

cresceu

achou

colheu.

DUPLA QUADRA ASSENTE

[o claro

momento

cinzento

de cima

amaro

reparo

cimento

do clima]

SETILHA AO QUE EXISTE

A beleza incomparável

de leveza insuportável

na largueza inabordável

da viveza inesgotável:

- aspereza inseparável

profundeza indemonstrável

estranheza inevitável.

QUADRA OUTONAL

à noitinha

[a escuridão

ilumina

o maior vão

que anuncia]

CEREBRINA

[o que circula

entre as duas

orelhas ignora

o caminho

do pescoço

para o resto

de mim]

SEXTILHA DA ESTAÇÃO

[no momento

há mais verde

lustriverde

que outras cores

incolores

no momento]

DA ESTAÇÃO III

Deste céu plúvio

pronto a desabar

vem um dilúvio

algo de se ver

como um vesúvio

reflexo explodir

em mil deflúvios

seguindo ao redor

dos seus eflúvios

emanando algur...

AQUI NO CASTELO

Tem quero-queros

quais tero-teros

bem teréu-teréus

pais terém-teréns

de tetéus, xexéus

também de quem-quens

gritando porém

abibes-do-sul:

- zelotes no céu

quixotes senão

telhando com véu

filhotes no chão.

VERDADEIRA

Terrores

noturnos

(temores

diuturnos)

das cores

fatores

que turvo

sonurnos

as dores

taburno...

QUADRA VERDADEIRA

cedo

Quando amanhece

o que anoitece

(que me entardece)

em mim concede.

QUADRA ESPESSA III

hoje

[um céu

sem céu

dum chão

sem chão]

ETÁRIA

Quando o corpo

é um problema?

(o seu dorso

saquarema

no seu torso

sapopema):

- só se morbo

saporema?...

...

[nesse escorço

meu dilema]

QUADRA À PAZ DOS CEMITÉRIOS

Passou o carro fumacê

contra a dengue.

(não sobrou inseto a mercê

que o contente)

SINTETIZANDO

o propósito do nosso triste noticiário

[o que hoje pratica

a estratégia de quem

quer conservar:

desordenar

representações

a fim de torná-las

politicamente

estéreis

(e assim manter

tudo como está)]

QUÂNTICA

no mesmo espaço ao mesmo tempo

Este sol que brilha

mal brilha e não brilha.

A noite que finda

madruga indistinta

porque ao meio-dia.

Este céu que azula

cor clara e escura

carmina e esverdeia

da mesma maneira.

Os entes que existem

juntos inexistem

morrendo de vivos

pesando e pensando

que isso é a quilo...

...

[a Terra que aterra

é Terra que eleva

a terra que aferra

à terra que leva]

O velho professor

poema da extraordinária Wislawa Szymborska

"Perguntei-lhe sobre aquele tempo

quando éramos tão jovens,

ingênuos, impetuosos, tolos, despreparados.

Um pouco disso restou, menos a juventude

- respondeu.

Perguntei-lhe se ainda sabe com certeza

o que é bom e ruim para a humanidade.

É a mais mortal de todas as ilusões possíveis

- respondeu.

Perguntei-lhe sobre o futuro,

se ainda o vê luminoso.

Li demasiados livros de história

- respondeu.

Perguntei-lhe sobre a foto,

aquela da moldura, na escrivaninha.

Existiram, se foram. O irmão, o primo, a cunhada,

a mulher, a filha no colo da mulher,

o gato nos braços da filha,

a cerejeira em flor, e sobre a cerejeira

o passarinho não identificado voando.

- respondeu.

Perguntei-lhe se lhe acontece de às vezes ser feliz.

Eu trabalho

- respondeu.

Perguntei-lhe sobre amigos, se ainda os tem.

Alguns dos meus ex-assistentes,

que também já têm seus ex-assistentes,

a senhora Ludmila, que manda lá em casa,

alguém muito próximo, mas no estrangeiro,

duas senhoras da biblioteca, ambas sorridentes,

o pequeno Grzes´ que mora em frente e Marco Aurélio

- respondeu.

Perguntei-lhe sobre o seu estado de saúde e de espírito.

Me proibiram café, vodca, cigarro,

carregar lembranças e coisas pesadas.

Tenho que fingir que não escuto

- respondeu.

Perguntei sobre o jardim e o banco no jardim.

Quando a noite está clara, observo o céu.

Fico maravilhado de ver

quantos pontos de vista há ali

- respondeu."

Wislawa Szymborska, "Um velho professor". In Szymborska, Um amor feliz. Seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycien. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, pp. 246-249.

À VISTA

revista

A duas

semanas

de mútuas

hosanas

confesso

saudades

do avesso

do padre

na grade

da idade:

- daquela garagem

nas minhas miragens.

TÃO IMINENTE

Suspensa

pendente

dependurada

por dependente

da hora corrente

repensa

(a chuva)

se chuvarada

ou mansamente...

QUADRA SOBRE O CORTE DA IDADE

[o que dói

no que mói

ou que rói:

dar de herói]

SOBRE O CORTE DA IDADE

o preço da vontade

Meu corpo dói.

Tanto em repouso

quanto treinando.

Meu corpo mói.

Antes do pouso

depois de voando.

Meu corpo rói.

Por dentro no osso

por fora expiando.

Meu corpo cói

dum outro herói

meio dodói

pede um cowboy:

- um trago grosso

anestesiando...

SEXTILHA PERTINENTE

reparo

[os livros

impostos

dão crivos

apostos:

desgostos

de acostos]

NOTA PERTINENTE

Meus livros

dispostos

meus crivos

a postos:

- ativos

nativos

da mente

sativa

pendente

consigo

contente

segui-los...

EU?

[quando a noite vem

não se trata nem

de solidão nem

de volição sem

ou em vão também

de outra coisa bem:

trata-se de quem

(se de fato alguém)

poderia além

dessa vida aquém]

DO BALANÇO GERAL

dinâmica

Quanto ao peso

das memórias

experiências

conhecimentos

pelo tempo

face ao porvir

de amnésias

imperícias

ignorâncias

sinto a pluma

na balança

me sucumbir.

PERGUNTA A UM PÁSSARO

De mares

montanhas

litorais

planícies

planaltos

and cities:

- o que mais

tu viste

por alto

que existe

façanha

e alpiste?...

ANTES DA VOLTA

à caverna letiva

[minhas rimas

de querimas

desgastaram

suas limas

agastando

as pinimas

sobre quando

dão vindimas;

vergastaram

minha estima

pelas primas

pantomimas

ao gastarem

repetidas

da garagem

outras ditas]

EM QUARENTENA

[do que me acena

veja se encaixa:

dentro da faixa

correndo a arena

fora da caixa

sigo na baixa

que me apequena

(nenhuma paixa

que valha a pena)]

SEXTILHA AO ESPÍRITO PÚBLICO

a Samuel Pinheiro Guimarães

O que move o ser

a viver

do querer

o poder

do dever?

(espero rever)

QUADRA AFINAL

Que poesia

que quereria

(se deveria)

eu poderia?

SETILHA QUE ALIMENTO

[o fundamento

do pensamento

é o ferimento

do sentimento

em detrimento

do sacramento

sem argumento]

NUM BAR

nas férias

1. imóvel

   o móvel

   querido.

2. obóveo

    o óveo

    pedido.

3. britóleo

    o óleo

    devido.

    ...

    (cristáleo

     o áleo

     podido)

DUPLA QUADRA À CHUVA

dos seus bens

adolo

[das nuvens

ao solo

vezes vens

ao rolo;

vezes tens

de colo

uns itens

de golo]

ENVELHECENDO

[sou parte

orgânica

descoordenando-se

do todo

sistêmico

descoordenando-se

em partes

imódicas

descoordenando-me

o todo

anímico]

NOUTRO JANEIRO

A respirar

tão devagar

pra não pirar

prefiro estar

à beira-mar

doutro lugar

(a despistar

esse alugar

do meu vagar)

À VIDA

[a coisa

consiste

em cousa

que existe

sem poisa

que pousa

nem loisa

de lousa:

insiste

resiste

persiste

tão chiste

enriste

quão triste

em riste]

DESEJO FELINO

abrasileirando

[... e se pardo

mestiço

de nevoento

feitiço

e me assento

do índio

num bardo

crioulo

portento

dourado

leopardo

caboclo?...]

QUADRA HIPERSENSÍVEL

[quais águas

de fráguas

mais báguas

desaguas]

AURORA CHUVOSA

[de cedo

o preto

indo anterior

a cedo

o cinza

vindo ulterior

há água

pro rodo

que a rodo for]

SEXTILHA CINZA SOBRE A CHUVA

O céu

cresce

sujo:

- seu véu

desce

cujo.

QUADRA SALINEIRA

arcaica

Vamos indo

(amos vindo)

damos rindo:

- ramos dindo!...

HOJE AGORA

[o peso

do corpo

na mente:

obeso

num morto

dormente

adeso

ao morbo

que sente]

QUADRA A PERDER

[por vezes

reveses

revezo

por vezo]

CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA

Ô joão-de-barro!

Como se escarro

tiraste um sarro:

- cagaste um barro

sobre o meu carro.

Ô bicho charro!

Alguém galfarro

dar-te-á um esparro

do qual desgarro:

- de mim picarro

avesso ao arro

nenhum esbarro...

DUPLA QUADRA A UM MANACÁ

De ver-se

a cora

celeste

que toca

a copa

desverde

que flora

reveste.

QUADRA DIETÉTICA II

O que pesa

sobre a mesa

sobrepesa

sobremesa.

SEXTILHA PARA LIDAR

[da realidade

em bloco

a realidade

que loco

na realidade

eu floco]

ALTAS HORAS

memórias

Minha musa

já confusa

entrecruza:

- tira a blusa.

(meio drusa

andaluza

qual medusa

ferro-gusa)

[sem escusa

me recusa

siracusa

com merluza]

{eu fiúsa

que se infusa

sem fiúza

fecho eclusa}

QUADRA À MESA

frutos do meu terreno

[olhando a redondeza

é minha a estranheza

da mamãe natureza

em tais delicadezas]

SEXTILHA JUVENIL

recado

[quando fores

tantas cores

nos amores

tuas dores

virão mores

por tu pores]

SEXTILHA CLIMÁTICA

[fúmida

contraluz

úmida

introduz

túmida

coisa chus]

SEXTILHA À PROMOÇÃO DOCENTE

vantagem a assentar

[a cadeira

cátedra

dá cadeira

cócedra

à cadeira

êxedra]

SEXTILHA DE PASTILHA

Venta

a hora

menta

agora

(lenta

afora)

DUPLA QUADRA DESTES DIAS

aquarelada

Brancos

verdes

marrons

azuis:

- pincéis

de cor

dos tons

que fluis.

QUADRA A SOPRAR

A brisa

quem deixa

alisa

quem queixa.

DUPLA QUADRA BUCÓLICA

Brilha

o dia.

(milha

as crias)

[trilha

as lias]

{ilha

fobias}

INTEMPORAL

A hora

voa.

(outrora

noa

agora

zoa)

[afora

soa

demora

boa]

{ora

à toa

embora

roa}

POEMA DIFÍCIL

Nuvens e cecéns

haréns e armazéns

rimam com Rubens:

1. rimam com "não tens!"

(um dos teus poréns

a evocar desdéns);

2. rimam com "tu vens?"

[e também com "trens"

se não há reténs];

3. rimam com "meus bens..."

{face aos teus teréns

graças a vaivéns}

INEXORÁVEL

O que temos

perderemos

que tivemos.

(o que vemos

quereremos

que vivemos)

[o que cremos

que leremos

deveremos]

...

{o que lemos

que creremos

é o de menos}

SEXTILHA DESSOANTE

[se o tempo

que preparo

enfara

o espaço

que reparo

encara]

QUADRA IMPERMANENTE

[a tarde caindo

do dia caiando

à noite fugindo

podia ficando]

DUPLA QUADRA POLÍTICA

a perceber

Às vezes

de reses

há fezes

nas tezes

(às vezes

de teses

há meses

reveses)

PRAIA PASSADA

memória

Foi o sol

veio o breu

pelo meu

guarda-sol

arrebol

quando deu

e desceu

num estol.

Mas e o seu

frescobol?

Futebol

no apogeu

não morreu

beisebol:

- dum escol

maniqueu

mais correu

semancol...

DUPLA QUADRA A DEMÊNCIA QUE ASSENTE

à compra de dificuldades

(da venda de facilidades)

[de urgente

solvência

a urgência

solvente

da ausente

carência:

gerência

presciente]

NO QUINTAL

[sol e chuva

luz e água

alternando

suas fráguas

dão às puvas

mais saúvas

e às plantas

mais de banda

esperanças]

SETILHA POR POUCO DEMOCRÁTICA

8 de janeiro

O fascismo

sempre vivo

contra o abismo

pede isto:

- novíssimo

compromisso

contra isso.

SOBRE O CORTE SOBRE A RUA

a volta de ontem à pista

Há corridas

caminhadas

e andadas

em corridas:

- e entre elas

combinadas

mais cautelas

prometidas...

...

[PS: o homem primitivo

beija o sol

anytime]

SEXTILHA SOB A CHUVA

Há águas

e águas

das fráguas

de anáguas

(mais báguas

que águas)

SEXTILHA SOB A LUA

Há cinzas

e cinzas

se espinças

ranzinzas

(destrinças

com pinças)

SEXTILHA SOB O SOL

Há verdes

e verdes

ao verdes

valverdes

(belverdes

desverdes)

QUINTILHA TÃO CHUVOSA PELA VIDA

de vespas, formigas, aranhas e mosquitos

O cinza

ranzinza

ainda

me pinça

de ainsa!...

DUPLA QUADRA TÃO CHUVOSA

udo lodo

Tudo é inchado

todo encharcado.

(ludo fechado

modo encanado)

[mudo e amochado

nodo entalado]

{rudo e atochado

rodo empalado}

DUPLA QUADRA NO VASO

Uma flor

a expor

certa cor

certo odor

e do humor

predispor

(por favor!)

decompor...

CHOVE TANTO

abissais

[acima:]

Uns pardais

dos gerais

(dos virtuais

bem reais)

sobre um cais

desses tais

terminais.

[abaixo:]

Ademais

marsupiais

essenciais

dos jamais

presenciais:

- que são mais

que demais!...

CROMÁTICA

As cores

das flores

(as flores

das cores)

dão verdes

amores

(às vezes

das dores):

- ao ver-lhes

tão tafuis

dourados

sob azuis

pendentes

são febris

(ao lado

colibris)

QUESTÃO DE PÉ

fincada

Hoje

agora

estou aqui

("eu sou daqui"):

- no conhecido

senso devido

de ser sensível.

Depois

amanhã

estarei ali

talvez acolá

quiçá a sumir

em qualquer lugar:

- desconhecido.

(do senso havido

reconhecível?...)