QUADRA PRESENTE

[de fui

a vou

aqui

estou]

DE POETAR ENCALACRADO

ao ego do alterego

Queria querer

um pouco escrever

deserto por ver

decerto chover;

versar sobre o ser

que veio a poder

estar dobro a crer

que vai sem viver

(quem sabe se der

ao também dever)

[quem sabe sequer

ao também descrer]

QUINTILHA FRIA

[velado

o tempo

velei-me

a tempo

do vento?...]

QUADRA FRIA

[nublado

o tempo

nublei-me

do vento]

QUADRA DA GARAGEM V

do último rascunho na garagem em nov/dez 22

[o que restou

verso a fazer

da voragem

do meu dever?...]

DA GARAGEM VIII

na garagem, nov/dez 22

A garagem

em dezembro

esvazia

em seus membros

a miragem

de estadia

que essa imagem

lhes daria

ano adentro.

AMOROSA

na garagem, nov/dez 22

[minha musa

é medusa

de confusa

siracusa]

[andaluza

dura drusa

ferro-gusa

sem escusa]

[minha musa

caso inclusa

já me cruza

nem confusa]

[tão infusa

caso inclusa

que recusa

pôr a blusa]

...

(minha musa

é medusa

se confusa

minha lusa)

DUPLA QUADRA DE FOTO ANTIGA

na garagem, nov/dez 22

Teso

riso

(tipo

siso)

vejo

leso

(pejo

sido)

CASTELÃ

(na garagem, nov/dez 22)

À cor bela

amarela

que flabelas

de olhadelas

à donzela

magricela

de costelas

à janela:

- luz de vela

paralela

em cautelas

de procelas

em tutelas

de capelas

sob adelas

dando trela

de gazela

às cadelas...

DUPLA SEXTILHA NA GARAGEM

na garagem, nov/dez 22

Sem café

deu tomé:

- sou maré

de cecé

massapé

de boné...

(sem café

com leite

nem que a fé

confeite

canapés

de enfeite...)

NA GARAGEM XXIV

na garagem, nov/dez 22

Esqueci

meu café com leite

em casa.

(deslembrei

meu café com leite

em brasa)

[omiti

que café com leite

se envasa]

{olvidei

que laré que ajeite

me vaza}

ESQUEMÁTICA

operações básicas

(na garagem, nov/dez 22)

1. Não acredito em

felicidade por subtração:

- para que eu fique bem

alguém não pode ficar bem não.

2. Mas acredito em

infelicidade por adição:

- tal somatória contém

passados presentes porém

presentes passados em vão. 

(3. Eu acredito também

na multiplicação dos bens

pela sua divisão

entre os muitos que nos darão)

SEXTILHA TEMPORÃ

na garagem, nov/dez 22

[esta Copa

catarense

ventapopa

catacrese

de mimese

parisiense]

INTESTINAL

na garagem, nov/dez 22

O dia

de assento

mais limpo

se cria

de alento

distinto:

- podia

no Olimpo

do instinto

dar via

ao vento

que sinto...

ANTE A TELA

algo zen

(na garagem, nov/dez 22)

Há um céu

sobre o mar

há um chão

sob o ar

ambos bons

aos corcéis

a pintar:

- por que então

apressar

acirrar

irritar

o tropel

dos pincéis

a cintar?...

SEXTILHA PERENE

na garagem, nov/dez 22

[aquilo

socapa

que se metia

no fundo de mim

venceu

sempre]

QUADRA DE FICAR EM CASA

na garagem, nov/dez 22

[o planeta água

(mais planeta lama)

no peito deságua

vontade de cama]

CLIMA SEXUAL

na garagem, nov/dez 22

[úmidos

os pregos

as tiras

os ossos

admita

que pense

que admiro

que os sinta

túmidos]

À GARAGEM II

na garagem, nov/dez 22

[tudo

viça

aqui

toda

liça;

a que

riça

clima

iça:

poça

poço

fossa

fosso

ali

cima

lima

rudo

rima]

AO FIM DO SEMESTRE

docência

(na garagem, nov/dez 22)

Corrijo

provas

retiro

sotas

comento

novas

critico

vogas

(transijo

notas

sugiro

rotas)

[cimento

cotas]

{lamento

covas}

QUADRA AO HORIZONTE

aposentadoria

(na garagem, nov/dez 22)

[meu desejo de existir

mais o ensejo de sumir

um dia me farão ir

sem ter de daqui sair]

PELADA PRAIANA

na garagem, nov/dez 22

Céu

sol

mar

mel

sal

gel

léu

all

bar

(lar

so

far);

cool

tal

play

mas

all

day

mal

meu

var

(ball

so

far):

- mais

fouls

teus

gols

qual

Leo...

SEXTILHA MINERAL

na garagem, nov/dez 22

[pilares

do teto

milhares

no piso:

concreto

inciso]

SEXTILHA ANIMAL

na garagem, nov/dez 22

[entre latas

sobre pneus

vão primatas

entes proteus

de gravata

(mas nunca eu!...)]

SEXTILHA VEGETAL

na garagem, nov/dez 22

[a planta

que cresce

afora

infanta

acresce

adentro]

QUADRA AO SORDA

da malta

(na garagem, nov/dez 22)

[a borda

à gorda

dá corda

à horda]

SEXTILHA SOLIDÁRIA

na garagem, nov/dez 22

[andorinha

avezinha

tão asinha

se avizinha

tão sozinha

que me aninha]

ATADA

a Benjamin Button

(na garagem, nov/dez 22)

A vida

é certa

da morte

(decerto

é presa

da sorte)

ativa

tão perto

do norte.

QUADRA PRÓXIMA DAS FÉRIAS

na garagem, nov/dez 22

[fim do semestre

fim da garagem

sim ao campestre

(gim na bagagem)]

DUPLA QUADRA SUPLICANTE DA ESTAÇÃO

na garagem, nov/dez 22

Que água

chova

grossa

bágua

mansa

possa

rasa

poça!...

SOBRE ISIS NO ONE

na garagem, nov/dez 22

[minha gata

acrobata

de gravata

é pacata:

em cascata

desce a pata

na barata

sem matá-la]

SETILHA DO SUCESSO

começo do processo

(na garagem, nov/dez 22)

[o apreço

(confesso)

apresso

a preço

do excesso:

- o acesso

que peço]

ETÍLICO NORDESTE

na garagem, nov/dez 22

O mar

dirás

se mar

tá lá;

mas far

o amar

trará

sofás

ao bar.

DA HISTERIA COLETIVA

na garagem, nov/dez 22

Vultos

rostos

cultos

gostos

partes

postos

todos

dão em

surtos:

- soem

curtas

viagens

(custos

margens

que avéns)

SEXTILHA TRANSICIONAL

na garagem, nov/dez 22

[o tempo espesso

do clima espesso

à frente expresso;

o espaço espesso

acima opaco:

- abaixo, o preço...]

INTERREGNO CAPITAL

na garagem, nov/dez 22

Este ano já

dois se acabou;

ano não há

pois terminou

ano de pá:

- bois enterrou!

E assim ali

oco sabá

outro quiçá

que a seguir vá

vindo pra cá

não chega aqui:

- ano acolá

pouco taqui

muito será?...

SETILHA PROSAICA

na garagem, nov/dez 22

Vida terrena

vinda pequena

eu lido plena

de arte serena:

- parte que acena

quase da cena

(meio dá pena)

SIMULTÂNEA

na garagem, nov/dez 22

As sombras

dançando

das luzes

lançando

dão lombras

de cruzes

roçando

(de ciúmes

coçando)

[de bílis

troçando]

{busílis

fuçando}

nos olhos

rançando

o dia

alçado

à via

calçando

a vida

riçada

viçando...

RECIFE, 24/12/22

cedo

Cinza

cinza-azul

azul

verde-brisa:

- o mar

no Pina

do vento

matina.

Sobre este interregno

Senhoras e senhores,

1. As últimas semanas de 2022 romperam rotinas e expectativas em níveis sem precedentes, gerando, no âmbito tanto deste professor quanto do seu alterego, ânimos e comportamentos equivalentes. Fomos da realidade do neofascismo à promessa de democracia. Das eleições brasileiras à Copa do Mundo de futebol. Felizmente, as vitórias de Luiz Inácio Lula da Silva e de Lionel Andrés Messi Cuccittini, respectivamente, trouxeram o sentimento de que, afinal de contas, nem tudo está perdido. O jogo continua.

2. Esse período interrompeu o trabalho neste blog, embora não tanto a produção poética de Mauro Belmiro - até meados de dezembro, dezenas de rascunhos tiveram origem na garagem do prédio da biblioteca do Centro Universitário de Brasília, onde leciona o prof. Sérgio Euclides. No entanto, a terceira viagem deles ao Recife (entre 23/12 e 04/01) rendeu apenas um poema. Este e os rascunhos mencionados serão objeto de esforço crescente neste espaço nos próximos dias.

Que 2023 nos redima o tanto que puder!

Abraços

do professor e do seu alterego.