sábado, 31 de dezembro de 2011

DA ROTAÇÃO

Arrastam-se, idosas
essas últimas horas

do período translacional supracitado.

Tranqüilas, tais senhoras
encerram-lhe as portas

cumprindo ademais o prístino combinado.

Mas do lado de fora, há certa agonia
(porquanto buliçosa)

entre a necessidade mais imperativa
da retrospectiva

e a festiva vontade (tamanha a preguiça)
de agora ir embora...

[quem sabe a gelada champanha lubrifique
contabilidade qualquer que se inicie?]

VICI?

Aos trinta e um de dezembro
de dois mil e onze, vejo

que o futuro que ensejo

não fundará no desejo
(aquele do qual me lembro)

maiores realizações.

[menos mal, argumento-me
ao vencê-lo - por um ponto

(convencido como Pirro
o tal - não fui mau general)]

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

À SAÚDE

Se pudesse, tocaria um alaúde
até média idade - ou antes da meia
entrada de cinema - quando amiúde
cantarolaria pela estrada inteira;

se soubesse, postergaria virtudes
desde que melhor tocasse o alaúde
- penso na economia das gertrudes
a sofrer mães por meninos com saúde;

mas quem, todavia, extravagaria
o percurso - se nem seu curso elegante
cogita esta era maldita ao romance?

[uma dica:]

No Google há Cervantes - cervejarias
amiúde inchando panças - todo dia
noites brindando à saúde - do ataúde...

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

QUEM DIRIGE NO DECLIVE?

O espelho, do seu jeito
me revela um receio

(se rumor passageiro
após o amor veremos):

- que a passagem do tempo
se dê por ele mesmo

apenas nos seus termos
a mim heliocêntricos.

(se senhor dos reflexos
porque cegos queremos)

***

[meu inflexo peter pan
ao fim tão quebradiço
que não esqueça disso:
quão postiço é amanhã!...]

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

CAPITÃO CISCO

Sisko, in English

Assanhado
mal-passado
- ajambrado;

intrépido - sem estrépito
porque algodoado;

vivaz
quieto e loquaz
(mordaz?)

ligeiro, certeiro
capaz
- um pouco demais;

afetuoso
tenebroso
das-louças-macaco;

errante/errado
e nada ferrado;

serelepe
mequetrefe
maquete de elástico;

vítreo
opaco

meio seqüelado;

sumido
achado

amigo - do anonimato

(futuro rei do telhado)

trançado
cesto de vidas
sortidas;

um raio
gaiato
novo no pedaço...

- e gato!

domingo, 25 de dezembro de 2011

BÁSICA

Presa
à atenção mais atentiva

(esta
cuja impressão se dá em argila)

fica tua presença, invertida
numa ausência que corporifica:

- a perfeição divina
do desenho preciso, de poucas linhas
que te imagina - e sintetizam

exatamente como me sinto
belo, incrível - inverossímil

reflexo do brilho que causas...

(à vítima incauta
de um nocaute florido)

sábado, 24 de dezembro de 2011

DIA BOM

Um bom dia, daqueles
de doces despedidas:

- boa noite, me destes
enquanto enternecias...

(quando claros castanhos
fixaram teus encantos
nos cantos da retina;

e palavras cortantes
pousavam nos semblantes
o beijo da esgrima;

e o pistache gelado
do teu imaginário
no meu se derretia)

[tão bom dia, que deles
jamais prometerias]

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

DAS DESAMARRAÇÕES

Face às mesmas ações
cujas repetições
configuram padrões

que fazes nos serões
de mais reproduções
desses mundos anões?...

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

SEGUNDO ISTVÁN

A velha senhora, de cócoras
- a vista próxima do gólgota

rui (sem barbosa que a sustente)
agora menos lentamente;

ruidosamente, cracks
estralam rachaduras
tornadas estruturas;

promoções de varreduras
nas vendas de guarda-chuvas

Jacks não resolverão:

- o economista clássico inglês
(neojurássico), não desta vez...

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

VENDO A BEIRA DO BURACO NEGRO

Distraído, o tempo prometido
do período - mesmo que corrido

parece ter ido antes disso:

- gravidade íntima, ínfima
num dado momento da partida

ata a nutrida expectativa
de tudo celebrar em seguida

à estaca funda do nada ainda...

(como se ungido fosse o destino
por um desconhecido distinto)

domingo, 18 de dezembro de 2011

PACHEQUISMO BIPOLAR

ao ufanismo futebolístico

O anverso: vamos todos recordar
a história a demonstrar:

- temos sido, além-mar
Campeões! Campeões! Lá

e ali - como aqui, no lar
de Muricy e Neymar!...

- e bla-bla-blá - e além-bar
(a imprensa a oba-obar)
bla-bla-blá, bla-bla-bla-blá

tra-la-lá, laririrá
tico-tico no fubá!...

***

[um, dois, três, quatro (ah não
meu deus, de quatro é oitão!...)]

***

O reverso: da ave mercenária
e seus comparsas, nada

queiramos, nada, nada
esperemos, pois nada

que fizerem, de nada
a nação humilhada

[de pelés e (zé) manés]
hoje nos redimirá.

(de lógicas binárias
ciclotimias, nada
nada nosso escapará)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

CINZA

Langorosa
a chuva ali fora.

Pesada, e sólida
(porosa, embora)

engrossa e afina, rítmica
(a arritmia da alma)
numa batucada melancólica.

Lágrima. Urina divina.
Líquida - meteorologia.

(em resposta
aqui dentro incha
toda atividade nervosa)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

ELUDIDOS

Quando me dizes mais
sabeis que empoeirais

a lisa superfície metálica
d'uma rara, perfeita linha d'água

de certos mananciais mentais:
- descuras conotações demais.

Quando menos, ao menos ignorais
que não sei o quanto - dado que mundos

entrelaçam-se inteiros no escuro
vácuo absoluto deste momento

minúsculo - obscuro porquanto
desconhecido de fato, de tudo...

Dois caminhos para a exatidão

Calvino bifurcado

"... minha escrita sempre se defrontou com duas estradas divergentes que correspondem a dois tipos diversos de conhecimento: uma que se move no espaço mental de uma racionalidade desincorporada, em que se podem traçar linhas que conjugam pontos, projeções, formas abstratas, vetores de forças; outra que se move num espaço repleto de objetos e busca criar um equivalente verbal daquele espaço enchendo a página com palavras, num esforço de adequação minuciosa do escrito com o não-escrito, da totalidade do dizível com o não-dizível. São duas pulsões distintas no sentido da exatidão que jamais alcançam a satisfação absoluta: em primeiro lugar, porque as línguas naturais dizem sempre algo mais em relação às linguagens formalizadas, comportam sempre uma quantidade de rumor que perturba a essencialidade da informação; em segundo, porque ao se dar conta da densidade e da continuidade do mundo que nos rodeia, a linguagem se revela lacunosa, fragmentária, diz sempre algo menos com respeito à totalidade do experimentável."

Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio. Tradução de Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 88.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

DEFINÍVEL

Entre o inconcebivelmente maior
e o incomensuravelmente menor



um número-balancete
de cabeças de alfinete.

Se tal desconhecemos
(ou mal o espetamos)



o saberemos contando desde o princípio
- como somando saímos do precipício.

Infinito indefinido

Calvino, cercando uma solução de Leopardi

"Para um hedonista infeliz, como era Leopardi, o desconhecido é sempre mais atraente que o conhecido; só a esperança e a imaginação podem servir de consolo às dores e desilusões da experiência. O homem então projeta seu desejo no infinito, e encontra prazer apenas quando pode imaginá-lo sem fim. Mas como o espírito humano é incapaz de conceber o infinito, e até mesmo se retrai espantado diante da simples idéia, não lhe resta senão contentar-se com o indefinido, com as sensações que, mesclando-se umas às outras, criam a impressão de ilimitado, ilusória mas sem dúvida agradável."

Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio. Tradução de Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 78.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

PRECISO

Quanto terá
rabiscado?

Quanto será
garimpado?

Quanto labor este rio
vocabular ressentido

de vários desvios em vão
- a mercúrio proibido

há de querer permiti-lo

(no exato vulcão que cogita
recurso da lavra à pepita)

à palavra - sua escrita?...

Um conceito e sua ilustração

Calvino, acerca do que procuramos, e dos tempos respectivos de Vulcano e Mercúrio numa estória chinesa

"O êxito do escritor, tanto em prosa quanto em verso, está na felicidade da expressão verbal, que em alguns casos pode realizar-se por meio de uma fulguração repentina, mas que em regra geral implica uma paciente procura do mot juste, da frase em que todos os elementos são insubstituíveis, do encontro de sons e conceitos que sejam os mais eficazes e densos de significado. Estou convencido de que escrever prosa em nada difere do escrever poesia; em ambos os casos, trata-se da busca de uma expressão necessária, única, densa, concisa, memorável."

"Entre as múltiplas virtudes de Chuang-Tsê estava a habilidade para desenhar. O rei pediu-lhe que desenhasse um caranguejo. Chuang-Tsê disse que para fazê-lo precisaria de cinco anos e uma casa com doze empregados. Passados cinco anos, não havia sequer começado o desenho. 'Preciso de outros cinco anos', disse Chuang-Tsê. O rei concordou. Ao completar-se o décimo ano, Chuang-Tsê pegou o pincel e num instante, com um único gesto, desenhou um caranguejo, o mais perfeito caranguejo que jamais se viu."

Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio. Tradução de Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, pp. 61 e 67, respectivamente.

domingo, 11 de dezembro de 2011

LADAINHA EM BOA LÍNGUA

a Paulo quando Samuel

Inculta e bela
porta ou janela

àquela mesma
- dona Tereza

não desimporta
qualquer querela;

que a portuguesa
que enrolamos
(senhora nossa
de planos tantos)

digamos tenha
mais seus encantos:

- delicadeza,
se maiúscula;

se minúscula,
musculatura;

pontos, vírgulas
entre fístulas;

diretamente
mesmo a desordem
(porque escrita,
incomunica);

e seus artigos
todos amigos
(pra definirmos
o definível
e bem tratarmos
os correlatos);

quanto a estilos
(desde os antigos)
que sejam claros
se objetivos;

e inteligíveis
os de sujeitos
algo sensíveis...

[como você, meu querido
nessas questões, meio ardido]

Rapidez

sobre o seu papel futuro no pensamento e na literatura, por Calvino

"... numa época em que outros media triunfam, dotados de uma velocidade espantosa e de um raio de ação extremamente extenso, arriscando reduzir toda comunicação a uma crosta uniforme e homogênea, a função da literatura é a comunicação entre o que é diverso pelo fato de ser diverso, não embotando mas antes exaltando a diferença, segundo a vocação própria da linguagem escrita.
O século da motorização impôs a velocidade como um valor mensurável, cujos recordes balizam a história do progresso da máquina e do homem. Mas a velocidade mental não pode ser medida e não permite comparações ou disputas, nem pode dispor os resultados obtidos numa perspectiva histórica. A velocidade mental vale por si mesma, pelo prazer que proporciona àqueles que são sensíveis a esse prazer, e não pela utilidade prática que se possa extrair dela. Um raciocínio rápido não é necessariamente superior a um raciocínio ponderado, ao contrário; mas comunica algo de especial que está precisamente nessa ligeireza."

Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio. Tradução de Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 58.

ADERINDO SEM CULPA

Se penso
em tê-lo

como não
querê-lo?

Como não
dizê-lo?

Como negá-lo
(no parto)

a parte
que me cabe?

(apesar do peso
do cavalar desprezo;

da consciência
da violência)

Trazê-lo - a peito:

- o senso comum
como bom senso.

sábado, 10 de dezembro de 2011

OCULTA

Me pergunto
se oculto
no discurso
tua sombra;

pois me contas
pelas tantas
várias outras
artimanhas

de ti acolá...

E aqui fico (vá lá!)
pensativo (acerca)
do (cercar o) emotivo

o motivo (escondido
do assim estar)

- como se não fosse comigo
(não fosse tão substantivo)...

[ao fim sujeito a ismos
de todo nenhum lugar

significativos
istmos a afundar]

AURORA

O primeiro
facho estreito
que mergulha
na penumbra

escorreito
de perfeito

faz direito
na segunda:

- quando a lua
a respeito

(a despeito
de ser tua)

põe-se em fuga
pela rua

(parapeitos
lhe perfura).

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

REMENDANDO

Quando cerzido
conto sombrio
sóbrio num canto.

Quando acontece
ébrio esclareço
- só o começo.

Raro, contudo
acontecê-lo
(quase um degredo):

- quando se tece
malha que preste

o que se falha
(e passa a sê-lo)

borda um segredo
(boa urdidura)

entre a costura
e o novelo...

AGORA III

Quinze minutos
para acontecer;

cinco mais cinco
mais cinco, se der;

dar, poderia
- dependeria?...

Senão, o resto
deste paredão

(toda a construção)
em vão seria:

- o que fará
emparedaria.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

EPICURISTA

No vácuo rítmico
do vazio

entre adensamentos
(do vento do tempo)
cíclicos

descanso um descaso
solícito.

Da relação entre sujeito, ciência e poesia quanto a que realidade

Calvino, sobre Lucrécio

"Será lícito extrapolar do discurso científico uma imagem do mundo que corresponda aos meus desejos? Se a operação que estou tentando me atrai, é porque sinto que ela poderia reatar-se a um fio muito antigo na história da poesia.
De rerum natura, de Lucrécio, é a primeira grande obra poética em que o conhecimento do mundo se transforma em dissolução da compacidade do mundo, na percepção do que é infinitamente minúsculo, móvel e leve. Lucrécio quer escrever o poema da matéria, mas nos adverte, desde logo, que a verdadeira realidade dessa matéria se compõe de corpúsculos invisíveis. É o poeta da concreção física, entendida em sua substância permanente e imutável, mas a primeira coisa que nos diz é que o vácuo é tão concreto quanto os corpos sólidos. A principal preocupação de Lucrécio, pode-se dizer, é evitar que o peso da matéria nos esmague. No momento de estabelecer as rigorosas leis mecânicas que determinam todos os acontecimentos, ele sente a necessidade de permitir que os átomos se desviem imprevisivelmente da linha reta, de modo a garantir tanto a liberdade da matéria quanto a dos seres humanos. A poesia do invisível, a poesia das infinitas potencialidades imprevisíveis, assim como a poesia do nada, nascem de um poeta que não nutre qualquer dúvida quanto ao caráter físico do mundo."

Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio. Tradução de Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, pp. 20-21.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

BRACHIARIA

Agudas

agulhas

escuras
(a depender de qual luz as cura)

espalham-se, bandoleiras

por todo espaço que as proteja.

São alísias

dançarinas

elusivas
(na desfeita coreografia);

plantam-se, radiais

radiantes que tais

oriundi perhaps - de ancestrais carnavais!...

***

[a despeito deste olhar estreito
(de reizinho de pedacinho elísio)
que orgulhosamente amanheço
me estofo sim - disso mesmo]

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

FUTURO A PASSAR

aos interessados de sempre

A rapidez da mudança sucessiva da andança
disto que se diz rotina

- de viradas repentinas
mal-lembradas como antigas

(das discretas às secretas
das soberbas, rídículas)

desequilibra, todavia: uma vez demais rolados
tais dados, capacitados

a possibilitarem como fatos alternativas

desgastam-se, aparados
das outras perspectivas:

- amparados toda vida
por noções preconcebidas
de transformações queridas
por aqueles que não se vão...

[fauna cuja imobilista
amoralidade desdiz;
que qual rica flora habita
tal saída; e esvaída
à vez retorna, lívida
(límpida máscara, a tez)
da sordidez intestina]

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

DEZEMBRO II

Enfim, férias que prolongar-se-ão:

- nelas, a preguiça cresce pernas
estica sombras, alonga as feras

mas minha vontade, na verdade

- caniça de reeducações alimentares
prostituída por cafeínas regulares

reporá logo o troço todo no modo padrão...