terça-feira, 29 de maio de 2007

VINTE DE MAIO

O perfeito raro, avesso
De todo temporário pesadelo
(verborrágica ventania)
Ao contrário, mal descrevo
(sussurra a brisa):

- Trata-se de nada, nada mesmo
além de muito, muito beijo
(num enlace benfazejo)
com fundo de piaf e aznavour
em dueto por um detour

contudo sereno; nada mesmo além
de estar-se nisso muito bem
a dois, há muitos; porque conosco
estão cada mil de nós
anos juntos

(tantos, vezes mudos
refazendo mundos)

Romance/Drama

o elusivo em Sheherazade, por Roland Barthes

"DRAMA. O sujeito amoroso não pode escrever ele mesmo seu romance de amor. Apenas uma forma muito arcaica poderia recolher o acontecimento que ele declama sem poder contar.

1. Nas cartas que envia ao amigo, Werther conta ao mesmo tempo os acontecimentos de sua vida e os efeitos de sua paixão; mas é a literatura que comanda essa mistura. Pois, se eu, pessoalmente, escrevo um diário, pode-se desconfiar que esse diário relate acontecimentos no sentido próprio do termo. Os acontecimentos da vida amorosa são tão fúteis que só acedem à escrita através de um imenso esforço: desanimamos de escrever o que, ao ser escrito, denuncia sua própria vacuidade: 'Encontrei X... em companhia de Y...', 'Hoje, X... não me telefonou', 'X... estava de mau humor', etc.: quem aí reconheceria uma história? O acontecimento, ínfimo, existe apenas através de seu ressoar, enorme: Diário de minhas ressonâncias (de minhas mágoas, minhas alegrias, minhas interpretações, minhas razões, minhas veleidades): quem entenderia alguma coisa? Apenas o Outro poderia escrever meu romance.

2. Como Narrativa (Romance, Paixão), o amor é uma história que se cumpre, no sentido sagrado: é um programa, que deve ser cumprido. Para mim, ao contrário, essa história já aconteceu; pois o único acontecimento é o rapto de que fui objeto, e cujas conseqüências repito (infrutiferamente). O enamoramento é um drama, se concordarmos em devolver a essa palavra o sentido arcaico que Nietzsche lhe dá: 'O drama antigo tinha em vista grandes cenas declamatórias, o que excluía a ação (esta acontecia antes ou depois da cena).' O rapto amoroso (puro momento hipnótico) acontece antes do discurso e atrás do proscênio da consciência: o 'acontecimento' amoroso é de ordem hierática: é minha própria lenda local, minha pequena história sagrada que declamo para mim mesmo, e essa declamação de um fato consumado (congelado, embalsamado, apartado de todo fazer) é o discurso amoroso."

Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 133-134.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

DE VOLTA

Estou no centro.
Caminhei até aqui
Por dentro, de ti
Alternância do momento.

Não vi - inda não vejo
A contento um roteiro - da estrada
(eu exposto em movimento)
Teu mapa, poderoso sinaleiro

Do sinto-mesmo-o-centro:
- Mas não importa menos
se sinto-o agora, que o tenho

vento da aurora; se em ti
estive outrora, e a demora
valeu a tempo...

sexta-feira, 18 de maio de 2007

PINE TREE

Não ir a qualquer lugar
(nem devagar)
Estabelece-se norma
Deste penar

Que pena!, pena leve
(de frango, de pato, de lebre)
Breve seja!, que do santo
O barro se foi

Pena máxima: dói
Um pouco saber de novo
Que disposto ser amoroso

Resto de modo
Remoto, removido
De qualquer outro...

domingo, 13 de maio de 2007

"Que fazer?"

no diálogo suspenso com Sheherazade, um fragmento de Roland Barthes

"CONDUTA. Figura deliberativa: o sujeito amoroso se coloca, com angústia, problemas, na maior parte das vezes fúteis, de conduta: diante de tal alternativa, que fazer? Como agir?

1. Devo continuar? Wilhelm, amigo de Werther, é o homem da Moral, ciência certa das condutas. Esta moral é de fato uma lógica: ou isto ou aquilo; se escolho (se marco) isto, então, de novo, isto ou aquilo: e assim por diante, até que, dessa cascata de alternativas, surja enfim um ato puro - puro de todo arrependimento, de todo tremor. Amas Carlota: ou tens alguma esperança, e então ages; ou não tens nenhuma, e então renuncias. Tal é o discurso do sujeito 'sadio': ou, ou. Mas o sujeito amoroso responde (é o que faz Werther): tento me esgueirar entre os dois membros da alternativa: quer dizer: não tenho nenhuma esperança, mas mesmo assim... Ou ainda: escolho obstinadamente não escolher; escolho a deriva: continuo.

2. Minhas angústias de conduta são fúteis, cada vez mais fúteis, ao infinito. Se o outro, incidentalmente ou negligentemente, me dá o número do telefone de um lugar onde posso encontrá-lo a tais horas, desespero imediatamente: devo ou não devo telefonar? (De nada serviria alguém me dizer que posso telefonar para ele - sentido objetivo, razoável, da mensagem -, pois é precisamente com esta permissão que não sei o que fazer.)

É fútil o que aparentemente não tem, não terá conseqüência. Mas, para mim, sujeito amoroso, tudo o que é novo, tudo o que desarranja, é recebido, não sob a forma de um fato, mas sob a forma de um signo que é preciso interpretar. Do ponto de vista amoroso, o fato torna-se conseqüente porque se transforma imediatamente em signo: é o signo, não o fato, que é conseqüente (por seu ressoar). Se o outro me deu esse novo número de telefone, de que isso era signo? Seria um convite para usá-lo imediatamente, por prazer, ou apenas se fosse o caso, por necessidade? Minha resposta será ela própria um signo, que o outro interpretará fatalmente, desencadeando assim, entre ele e eu, uma tumultuosa contradança de imagens. Tudo significa: com esta proposição, prendo-me, enleio-me no cálculo, impeço-me de gozar.

Às vezes, à força de deliberar sobre 'nada' (no dizer do mundo), esgoto-me; tento então, num sobressalto, voltar, tal como um afogado que bate com o calcanhar no solo marinho, a uma decisão espontânea (a espontaneidade: grande sonho, paraíso, poder, gozo): pois bem, telefone para ele, já que você está com vontade! Mas o recurso é vão: o tempo amoroso não permite alinhar o impulso e o ato, fazê-los coincidir: não sou o homem dos pequenos 'acting-out'; minha loucura é temperada, não é visível; é imediatamente que tenho medo das conseqüências, de qualquer conseqüência: é meu medo - minha deliberação - que é 'espontâneo'.

3. O carma é o encadeamento (desastroso) das ações (de suas causas e de seus efeitos). O budista quer se retirar do carma; quer suspender o jogo da causalidade; quer ausentar os signos, ignorar a questão prática: que fazer? Eu, eu não cesso de me colocá-la e suspiro por esta suspensão do carma que é o nirvana. Do mesmo modo, as situações que, por sorte, não me impõem nenhuma responsabilidade de conduta, por mais dolorosas que sejam, são recebidas com uma espécie de paz; sofro, mas pelo menos nada tenho que decidir; a máquina amorosa (imaginário) move-se aqui por si só, sem mim; como um operário da era eletrônica, ou como o estúpido do fundo da classe, basta-me estar ali: o carma (a máquina, a aula) rumoreja diante de mim, mas sem mim. Na própria infelicidade, posso, por um brevíssimo momento, arrumar para mim um pequeno recanto de preguiça."

Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 75-78.

sábado, 12 de maio de 2007

CACHORRINHO

Face (colada) ao aço
Mudo do teu muro opaco
(liso ar-condicionado
hirto e gasto)

Descanso e medito
(mal, que o frio é real)
Sobre asas e barbatanas
Sobre penas e escamas

Dos caminhos que não sigo
Por tomá-los quebradiços:

- Aquém, circunscrito
a um além mortiço

(da precisa impotência
da impaciência, ilustrativo)

domingo, 6 de maio de 2007

NUMA TARDE CAINDO DE DOMINGO

Cansaço.
Silêncio.
Um suspiro entediado
(consigo mesmo)

Traga o ar seco
O quarto
O tempo
Da vitória do Flamengo.

(e por dentro
do colapso do pensamento
o sentimento que ressente

momento tão recente
perde-o seguidamente - vácuo no vão
dum átimo indiferente)

terça-feira, 1 de maio de 2007

DO DICIONÁRIO XVII

Distância: desmedida
Ânsia de te antever
Dobrar a esquina.

DO AMOR LOUCO DE JUÍZO

Onde estiveste
Agora, há pouco?

A tua mente, que parece
Que fugia ao corpo?

Quis segui-las - a ti menos
Que tua suspensão reflexiva
De momento - porque sentimentos
Adensam, rotineiros, perspectivas

De novo descabidas; e eu primeiro
Queria subida, por inteiro

A colina pensativa da tua fantasia
Tranqüila - para ali, de cima

(numa conversa que não termina
a madrugada atravessada linda)

Ver nada que cansa
Que desgasta
Que acaba ainda...