sexta-feira, 29 de junho de 2007

DEZESSEIS DIAS MAIS

Deste lado do mar
Predomina, obsequioso
Um silêncio - amoroso
Que saberia esperar.

Um silêncio, educado
Compulsivo a respeito:
- De asas ao relento
esquecido do vento.

Mal cabe meu, cioso
Tal anjo formoso
Brioso de tudo:

- Mudo, sentado
(por caber esperar)
deste lado do mar.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

"Dias eleitos"

uma saudade ainda alegre, com a ajuda de Roland Barthes

"FESTA. O sujeito amoroso vive todos os encontros com o ser amado como uma festa.

1. Festa é aquilo que esperamos. O que espero da presença prometida é uma soma inaudita de prazeres, um festim; jubilo como a criança que ri ao ver aquela cuja simples presença anuncia e significa uma plenitude de satisfações: vou ter diante de mim, para mim, a 'fonte de todos os bens'.

'Vivo dias tão bem aventurados como aqueles que Deus reserva a seus eleitos; e venha o que vier, não poderei dizer que as alegrias, as mais puras alegrias da vida, não as terei eu experimentado.' [Werther]

2. 'Naquela noite - tremo ao dizê-lo! - apertava-a em meus braços, estreitamente cerrada contra meu peito, cobria de beijos sem fim seus lábios que murmuravam palavras de amor, e meus olhos se afogavam na embriaguez dos dela! Deus! seria eu digno de punição por ainda agora experimentar uma celeste felicidade ao me lembrar daquelas ardentes alegrias, revivê-las no mais profundo de meu ser!' [Werther]

A Festa, para o Amante, o Lunar, é uma jubilação, não uma explosão: gozo o jantar, a conversa, o carinho, a promessa clara do prazer: 'uma arte de viver por sobre o abismo'.

(E acaso nada significa, para você, ser a festa de alguém?)"

Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 197-198.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

INEXPRIMÍVEL GOYAZ V

Isto é, de fato
O que fazes comigo:

- As pazes no paraíso
deste quarto ninho

(a despeito de cucas
pererês e mulas
passados sem cabeça)

terça-feira, 26 de junho de 2007

INEXPRIMÍVEL GOYAZ IV

Meu amor, qualquer besteira
Bananeira em flor

Com que perfumo teus ouvidos
De carinhos

Bumerangue vem

E me abre - verbo inverso
Em caminhos...

segunda-feira, 25 de junho de 2007

EXCÊNTRICA LIRA

Teus verdes campos elíseos
Mentais, são quase apolíneos
Por soprarem ventos alísios
Beijando benignos cílios;


Meus abismos, são precipícios
Interrompidos beirando doídos
O ridículo caído de paixão
Dionisíaco boqueirão; todavia

Toda vez que em ti habita
A tempestuosa ira de entornar
Meu rio ao mar, já à deriva

Um barco interior de calmaria
(vontade alísia do beijar elíseo)

Nos avisa de atracar, de amar...

sábado, 23 de junho de 2007

DO DICIONÁRIO XIX

Aniversário: efeméride
Estranhamente familiar
Sem tempo nem lugar.

ANIVERSÁRIO

Meu amor, teus anos
Não parecem assim tanto
Tempo que passou quanto
Momentos que se pensou

E desses pensamentos
(quando dão a contento)
Vem sempre a impressão
(pelo sim e pelo não)

Que teu coração talvez
(talvez mais de uma vez)
Por eles correu incógnito:

- Pois óbvio o que se tece
se o contrário apetece

(o desapercebido
entretanto vivido)

quarta-feira, 20 de junho de 2007

INEXPRIMÍVEL GOYAZ III

Somos duas
Crianças adultas
Repassando estórias:

- Trocas de pedrinhas
em vidraças coloridas

(farpas, entrelinhas
que se quebram sozinhas)

terça-feira, 19 de junho de 2007

INEXPRIMÍVEL GOYAZ II

Por que tudo que dizes
Assim, de chofre

Açoite

Ao vento, à sorte

Perfura, assim
Meu norte

(itinerário de um destino só)?...

segunda-feira, 18 de junho de 2007

INEXPRIMÍVEL GOYAZ I

Não sei
(mesmo, não sei)

O que da sombra fresca
A tua doce presença

(alfazema)

Esquenta
Em mim.

domingo, 17 de junho de 2007

FREQÜENTE

Por que sinto
E ressinto

[aqui, contigo, ali
dormindo, acordado
pensativo (por acaso)
vivo]

A mesma coisa boa
Repetida à toa

Quando tua coxa
Roça meu sonho eterno de menino?...

sábado, 16 de junho de 2007

A FADA DAS LOUÇAS

apareceu por aqui. Ali
enquanto eu sonhava
(com flocos de goiabada)

as panelas do meu amor inteiro
dançaram da pia ao escorredor
num ato perfeito

(de caseiro esplendor)

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Inexprimível amor

sobre outra impossibilidade, novamente Roland Barthes

"ESCREVER. Engodos, debates e impasses provocados pelo desejo de 'exprimir' o sentimento amoroso numa 'criação' (particularmente de escrita).

1. Dois mitos poderosos nos fizeram acreditar que o amor podia, devia se sublimar em criação estética: o mito socrático (amar serve para 'engendrar uma multiplicidade de belos e magníficos discursos') e o mito romântico (produzirei uma obra imortal escrevendo minha paixão).
Entretanto, Werther, que antes desenhava abundantemente e bem, não pode fazer o retrato de Carlota (mal pode esboçar-lhe a silhueta que é precisamente o que, dela, o capturou). 'Perdi... a força sagrada, vivificante, com a qual criava mundos ao meu redor.'

2. 'La pleine lune d'automne,
Tout le long de la nuit
J'ai fait les cent pas autour de l'étang.'

[À lua cheia de outono, / Ao longo de toda a noite / Perambulei ao redor da represa.]

Nenhuma indireta mais eficaz, para dizer a tristeza, do que este 'ao longo de toda a noite'. E se eu, também, tentasse?

'Ce matin d'été, beau temps sur le golfe,
Je suis sorti
Cueillir une glycine.'

[Nesta manhã de verão, bom tempo no golfo, / Saí / Para colher uma glicínia.]

ou:

'Ce matin d'été, beau temps sur le golfe,
Je suis resté longtemps à ma table,
Sans rien faire.'

[Nesta manhã de verão, bom tempo no golfo, / Fiquei durante muito tempo à mesa, / Sem fazer nada.]

ou ainda:

'Ce matin, beau temps sur le golfe,
Je suis resté immobile
A penser à l'absent.'

[Nesta manhã, bom tempo no golfo, / Fiquei imóvel / Pensando no ausente.]

De um lado, é não dizer nada, de outro, é dizer demais: impossível ajustar. Minhas ânsias de expressão oscilam entre o denso haikai, resumindo uma enorme situação, e um grande carregamento de banalidades. Sou ao mesmo tempo grande demais e fraco demais para a escrita: estou ao lado dela, que é sempre rigorosa, violenta, indiferente ao eu infantil que a solicita. O amor tem decerto um pacto com minha linguagem (que o mantém), mas não pode alojar-se em minha escrita.

3. Não posso me escrever. Quem seria este eu que se escreveria? À medida que entrasse na escrita, a escrita o esvaziaria, o tornaria vão; produzir-se-ia uma degradação progressiva, na qual a imagem do outro seria, também ela, pouco a pouco envolvida (escrever sobre alguma coisa é corromper esta coisa), abominação cuja conclusão não poderia deixar de ser: para quê? O que bloqueia a escrita amorosa, é a ilusão de expressividade: escritor, ou considerando-me tal, continuo a me enganar sobre os efeitos da linguagem: ignoro que a palavra 'sofrimento' não exprime nenhum sofrimento e que, por conseguinte, empregá-la, não apenas significa nada comunicar, mas ainda, e bem depressa, irritar (sem falar no ridículo). Alguém deveria me ensinar que não se pode escrever sem fazer o luto da própria 'sinceridade' (sempre o mito de Orfeu: não se virar). O que a escrita exige, e que nenhum amante lhe pode conceder sem dilaceramento, é que ele sacrifique um pouco de seu Imaginário, e que assegure assim, através de sua língua, a assunção de um pouco de real. Tudo o que eu poderia produzir, no melhor dos casos, seria uma escrita do Imaginário; e, para isso, eu teria que renunciar ao Imaginário da escrita - me deixar laborar por minha língua, sofrer as injustiças (as injúrias) que ela não deixará de infligir à dupla Imagem do amante e de seu outro.

A linguagem do Imaginário não seria nada mais do que a utopia da linguagem; linguagem perfeitamente original, paradisíaca, linguagem de Adão, linguagem 'natural, isenta de deformação ou de ilusão, espelho tímido de nossos sentidos, linguagem sensual (die sensualische Sprache)': 'Na linguagem sensual, todos os espíritos conversam entre si, não têm necessidade de nenhuma outra linguagem, pois é a linguagem da natureza.'

4. Querer escrever o amor é afrontar o atoleiro da linguagem: esta região desesperada em que a linguagem é ao mesmo tempo muito e muito pouco, excessiva (pela expansão ilimitada do eu, pela submersão emotiva) e pobre (pelos códigos mediante os quais o amor a rebaixa e reduz). Diante da morte de seu filho-criança, para escrever (nem que fossem farrapos de escrita), Mallarmé se submete à divisão parental:

Mère, pleure
Moi, je pense

[Mãe, chora / Eu, eu penso]

Mas a relação amorosa fez de mim um sujeito atópico, indiviso: sou meu próprio filho: sou ao mesmo tempo pai e mãe (de mim mesmo, do outro): como poderia dividir o trabalho?

5. Saber que não escrevemos para o outro, saber que essas coisas que vou escrever jamais me farão amado de quem amo, saber que a escrita não compensa nada, não sublima nada, que ela está precisamente ali onde você não está - é o começo da escrita."

Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 157-161.

Sobre o mal

O mal opera nos interstícios da atenção.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

NÃO ESCREVO

Porque vivo
(indefeso)
O avesso
Do avesso do avesso

Toda vez que arremedo
A vida literária que desejo
(e desconheço)

sexta-feira, 1 de junho de 2007

O CHÃO SAGRADO

acerca de um sonho caro, e ameaçado

São oitocentos metros quadrados
riscados em cerrado de sonhos coalhado
dos outros; o retângulo aeroporto
do já alto vôo que encetamos abraçados.

Qual castelo? Imaginamos, enlevados
o canto íntimo de um ao outro, renovado
aço místico finíssimo redobrado ao infinito:
- espada samurai de cortes sem coágulos.

Que espaço? Da tertúlia generosa dos portões
abertos ao eterno encontro; dos cuidados
mutuamente cultivados, extensíveis

flores aos convidados; e do silêncio
enfim mais caro - amorosamente tecido
rítmico na alcova dos carinhos...

22/05/05