domingo, 31 de agosto de 2014

VANDECIRA

amanhã, dois anos

Pedi-me, a se defini-la
da Mércia, a que Vandecira;

urgi-me, pra separá-la
de Mércia, a jabuticaba

que já jabuticabeira
quase espinheira fingia
docemente apalavrada

de dar coice que pareça
quando entende que eu mereça
posteriormente a pomada

e urticária das besteiras
a respeito dos vespeiros
(francamente!) do parceiro:

- de banana, bananeira
da pipoca, pipoqueira
do cinema, companheira

até a liça sonolenta
de um fonema noutro poema

(de uma fome, cozinheira
da segunda, confeiteira
da terceira sobremesa)

...

Após tantas tentativas
pelas quantas Vandeciras

perdi-me, a mal defini-la
daquela, a que estenderia

Mércia que de Mércia saiba

(mas talvez a pena valha
apenas sintetizá-la:)

[radical na convicção
moderada da sua expressão]

{qual erótica poesia
de nossa pornografia}

sábado, 30 de agosto de 2014

MÁ EDUCAÇÃO

grato a Almodóvar

No sábado na escola
a obrigação da hora

pra cada um que chega
da sexta na cerveja

(na sétima, que seja)

é má lição agora
comprida das demoras

[cumprida, comemoras]

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

REVISITA 10: MANIFESTAÇÃO DE FÉ

Enquanto estás a olhar de longe
parecendo definir desilusão
mão invisível, aponto a ponte
a límpida saída, anunciação:

- não me assusta de antemão a tua ausência!

Teus pensamentos, irreconhecíveis
voltados contra quem os revelou
eu compreendo, em vários dos níveis
na certeza do que os desmotivou:

- não me assusta a imprecisão da tua ausência...

No interior, acolho uma luz terna
que um dia clareará nossa vivência

à parte de ti, também erma...

- e da mesma parte, embora extrema
não me assusta a escuridão da inconsciência!

Na vasta imensidão dos oceanos
algo deixou-nos, fechou passagem;

e enquanto cada ato a sós pesamos

outro caminho, de outro destino, abre-se viagem!...

23/07/1981

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

QUANDO REVISITO

pretérito necrotérios

Minha poesia passada

(a que mel com fel rimava
uma e outra veia cava)

causa-me certo embaraço:

- como presente, o passado
se acotovela barato...

Minha poesia era enxada
de lápis, papel, mais nada;

poesia agora enxadada
grátis do papel, por nada:

- mas quanta novela fiava
dores de que hoje desfaço

ontem sabores de inchaços
poéticos - de putrefatos!...

[se nela eu exagerava
o que existia de fato

(o que de fato pensava
que se eximia dos fados)

este meu olho enxergava
(se extemporâneo o palato)

contemporânea a palavra]

terça-feira, 26 de agosto de 2014

O que acontece

"O trabalho enobrece o homem"
(máxima ideológica)

Quando muito o trabalho, já pouca outra coisa.

M. B.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

REVISITA 9: ECLIPSE LUNAR

Criaturas do turno, preparai-vos:

- negra, cobrirá vosso prateado
terra, sob o peso dos lacaios

uivando seu espaço encadeado;

- então navegarão, espíritos
todos velhos, piratas aflitos

indagando-se, e ao tempo frio
quais tesouros do mundo sombrio...

(disporão, no rumo das estrelas
descaminhos de pedras na poeira
de um falso movimento, parelhas
agulhas - e um arco-íris na veia!...)

Rios fundidos com margens virão
tão mares da total escuridão

assim como irão - contudo, se mais

areia desaguarem, carga, cais...

16/07/1981

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

terça-feira, 19 de agosto de 2014

PELA VIDA QUE SIGA

A entrada em calmaria
num movimento brando

desta vida esquisita
dos cinquenta mais quantos

pede uma ave-maria
(padre-nosso podia)

que já vou deslizando
(lisa a sensaboria)

nesse estar nem estando
nada andando ou boiando...

A entrada em sesmaria
de um desespero branco

nesta altura infinita
da fundura dos planos

pede outra ave-maria
(outra reza postiça)

já que sem solavancos

depois de anos de trancos
(dos destinos sombreando)

como eu repararia
qual a estrada em seguida?... 

sábado, 16 de agosto de 2014

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

REVISITA 8: BEIJOS CÁLIDOS DE SAUDADES

O frescor das manhãs tem meu desejo
de tua calma, sem revolta, aqui dentro
moderada, me aquecendo teus beijos
cálidos, na medida do bom senso...

Junto de ti mora um anjo
mandado por mim, um arcanjo
cuidando, da aurora ao crepúsculo
do que te deixa depois ver do escuro...

Meus passos percorrem teus passos
(por isso não perco, querida)
teus rastros de vista, meus traços
riscados de vida infinita...

Para cada saudade, ingênua palavra
solta, do silêncio, no papel que trava

expressando um requerer pulsante

musculoso vagalume errante...

***

O róseo entardecer tem meu desejo
de tua alma, sabedora, aqui dentro
da saudade, matando sem teus beijos
cálidos, incontidos de bom senso...

14/07/1981

terça-feira, 12 de agosto de 2014

MEU OLHO POR TESTEMUNHA

... desmaiando

esmaecendo

esvaindo

...

já se pondo

moribundo

e tão lindo

...

(meu sol indo

desde às cinco)

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

DE POESIA QUANDO ENCURTA

Quando uma poesia curta
anoitece prematura

prevalece pré-noturna
enquanto arde por agora

(porquanto arte sem demora
antes tarde do que nunca);

quando essa poesia curta
antes parte do que nunca

transparece meia aorta
ante aquele que lhe aporta

sem que amadureça a forma
no espaço de meia hora...

[quando essa poesia surta
convalesce natimorta]

domingo, 10 de agosto de 2014

HUMOR DOMINGUEIRO II

Outra tarde muda
que se faz de surda:

- assim absurda
cega-me rotunda

(ceva-me infecunda
pra outra segunda)

domingo, 3 de agosto de 2014

HUMOR DOMINGUEIRO

A sua tarde muda
domingo não muda:

- ou se faz a muda

pra chave facunda
(pra boa segunda)

ou então se afunda...

sábado, 2 de agosto de 2014

QUADRA DA INVERSA OBRIGAÇÃO

compensação

... enquanto for mau afagar
um quanto de vida boa
seu contanto é desnaufragar
o tanto que a vida doa...

REVISITA 7: MÁXIMO MÍNIMO POSSÍVEL

Se bom silêncio for seu remédio
não me demore, pode ir pra casa;
sobre seu tédio, cobertor médio
fará sua mente sonhar pesada;

se for maduro um tempo futuro
sua direção, apresse certeira;
não me apodreça em cima do muro
tão bom menino, de eira sem beira;

se névoa seca for pela manhã
dissipar-te antes do meio-dia
retorne enfim minha esperança vã
melhor desse humor, como eu queria...

10/07/1981