quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Viagem

O pensamento voa por caminhos distantes, à minha revelia, nas minhas horas à toa. Ele me conduz, muda e serena, a lugares desconhecidos. Do outro lado, ouço você, que me chama em silêncio. Sem pressa nem urgência, me aproximo para sentir o calor do seu corpo e o toque dos seus dedos.

Vejo-me sempre encenando roteiros que a minha fantasia escreveu. Não existem regras, contra-regras, começo nem fim. Não há público, não há vaias, ninguém aplaude ou pede bis. Mas eu estou lá. Você também. É o bastante.

Se o toque do telefone vem adiar o desfecho, recobro-me do susto e retomo as rédeas da vida real. Se fico triste? Não. Junto os pedaços do meu sonho dilacerado, colo com a umidade que ele mesmo me provoca e levo até você. Agora de verdade. Algo me diz que você assistiu a tudo e me espera.

Ju

DO DICIONÁRIO IV

Espera: sincera
Disposição de trair
O tempo.

domingo, 26 de novembro de 2006

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

Tentativas

Tentei ficar distante, longe de você, para entender nosso caso. Pensei encontrar na sua ausência o sentido de querer tanto estar ao seu lado. Afastei-me, embora sempre colada nos seus passos, nos seus dias sem mim, nos dias em que buscou outros caminhos só para se esquecer de nós.

Tentei. Juro que tentei. Dormi horas de sono a mais nas minhas noites frias para não me perceber sozinha, mas as manhãs chegavam para denunciar meu abandono. Fiz dessas mesmas manhãs tentativas de nascer de novo a cada dia, só que você estava nos meus pensamentos a cada vez que o sol aparecia lá fora.

Tentei amá-lo um pouco menos; não consegui. Lutei para ser feliz longe da sua cama; não pude. Quis me esquecer do seu cheiro, mas ele ficou no meu corpo, assim como seu suor, como as marcas dos seus dedos, como o seu prazer. Hoje jogo a toalha. Perdi em todas as tentativas. Vencida, aqui estou eu, de novo. Não quero tentar mais nada.

Ju

MESMO FILME

- Fingida decerto
a desatenção que encanta
meu lábio mordido
em desalinho

pois dali o drama
do destino em aberto
não mais consigo

(levar a sério)

terça-feira, 21 de novembro de 2006

segunda-feira, 20 de novembro de 2006

DIALÉTICA DA UMIDADE

Cerveja num dia chuvoso
De vento frio no rosto
Possibilita, tão-somente
A aproximação da bruma
Na mesa em frente:

- E a percepção indiferente
de cunha apartando a gente
deste cinza-cigarro
pigarreado chuva.

domingo, 19 de novembro de 2006

COMEÇO DO FIM DE QUALQUER PRETENSÃO POÉTICA

(o porquê de bem cuidar do físico que mal registrar o anímico)

[não tenho mais vontade de escrever num silêncio amolecido de quem mal exercitava os sentidos e acabava encerrado num labirinto-com-labirintite e dores nos pés, nas costas, nos olhos desfocados borrando tudo (borrei o teu rosto da memória, meu bem!) - daí, que pensamentos, que sentimentos!...]

Adventício és, nublado horizonte
Claramente espírito nesta límpida apreensão
Ao alcance da mão trêmula:
- Flâmula ilusão, olímpica onipotência!

(embora senil onisciência
que não tardará tanto quanto pensa)

E passando asfalto, embaixo, o Eixão
Dos passos bissextos de atleta acavalado
Correndo urgente do destino geriátrico:
- De onde o medo, em qual enredo?

Os músculos, esqueço-os atrofiados
Na imaginação; se travam, recalcados
É da cristal disposição desta euforia
Anestesiada das vergonhas:
- Das peçonhas da idade...

(otimismo naturalmente dopado
por todas endorfinas do universo
disponíveis nas veias da cidade)

Se desentupo artérias, prometo férias
A tudo em mim que rui ruidosamente
Da gravidade em frenética atividade:
- Dores seculares cheias de vontades
na enfermaria encalacrada da razão.

(mas que não deterão esta quieta promessa
da decadência adiada em lenta queda
de flores sempre frescas sobre a tumba!)

[ah, que pensamentos, sentimentos
me acometem assim físico, o caldo bioquímico
desse humano sacrifício dominical!...]

sexta-feira, 17 de novembro de 2006

SOBRE A UTILIDADE DE TUDO ISSO

Se me lembro
De preencher o tempo
Com palavras:
- Concateno-as (enganadas)
na desordem do pensamento

(...)

E quando esqueço
Delas arrumadas desse jeito
Percebo enfim:
- Nada preciso de mim
se desconheço.

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Um ano

Passado um ano, é hora de fazer o levantamento. Começo o balanço e descubro que nada mudou. Seus olhos ainda dizem tudo no meio do nada. Seu toque ainda queima, arde e provoca. Você continua desnorteando meus caminhos e eu ainda sigo seus rastros, em busca das emoções que me uniram a você.

Ontem mesmo passei em frente à Adega. Aquela que nos serviu de palco quando nossa história procurava um cenário. Nela estreamos como protagonistas do melhor amor do mundo. Nela quero voltar para brindar com você o nosso primeiro ano.

Beba do vinho com a mesma sede. Crave-me os olhos com a mesma fome. Diga baixinho as coisas que só você sabe dizer e deixe que tudo continue como está, porque há um ano, ao seu lado, tornei-me muito melhor do que eu era...

Ju

domingo, 12 de novembro de 2006

Das artes que adivinham

(nota para o Café da Manhã, promissor jornal estudantil)

Astrologia. Tarô. I-Ching. Jogo de búzios, runas, numerologia. Borra de café turco. Tentativas de apreender o quase inapreensível - o que significa tratar-se de puro desejo, antever a fim de antecipar-se, corrigir antes de errar. Controlar o de outra maneira inteiramente humano.

Artes divinatórias nada têm a ver com ciência; nelas não se aplicam os processos típicos de validação, e a questão da confiabilidade é de outra natureza. O que a divinação encerra diz respeito ao território velado, semi-oculto do pressentimento; o que ela enseja (se devidamente compreendida e utilizada) é o acesso da consciência desarmada ao abismo interior - às várias ante-salas do que por dentro nos leva a tudo mais que existe. Não há nada nas cartas do Tarô que você, de alguma forma, já não saiba.

Aqui, cabe uma heresia: a rigor, não há distinção entre "boa" e "má" astrologia; horóscopos de jornal podem ser tão 'válidos' quanto os melhores trabalhos de Liz Greene (uma das minhas favoritas). Segue o porquê: se acreditarmos que o universo é uma totalidade estruturada operando segundo uma lógica a princípio identificável - isto é, que sempre há sentido nos fluxos e movimentos de suas partes constitutivas, percebidas como interrelacionadas direta e indiretamente em todos os níveis imagináveis e inimagináveis -, então a questão de se ler 'adequadamente' a realidade se reduz a um exercício de sensibilidade. Dado o caráter polissêmico de qualquer representação - seja fidedigna ou enganosa, até mentirosa -, o seu sentido - seja primeiro, intencional, fortuito, circunstancial ou derradeiro - dependerá do sujeito que percebe o que lhe apetece de si, dos outros, do tempo e do espaço.

Assim, se tudo tem sentido, isso necessariamente inclui quaisquer leituras para o bom leitor - no nosso caso, do presente que se adivinha prenhe de possibilidades...