domingo, 12 de novembro de 2006

Das artes que adivinham

(nota para o Café da Manhã, promissor jornal estudantil)

Astrologia. Tarô. I-Ching. Jogo de búzios, runas, numerologia. Borra de café turco. Tentativas de apreender o quase inapreensível - o que significa tratar-se de puro desejo, antever a fim de antecipar-se, corrigir antes de errar. Controlar o de outra maneira inteiramente humano.

Artes divinatórias nada têm a ver com ciência; nelas não se aplicam os processos típicos de validação, e a questão da confiabilidade é de outra natureza. O que a divinação encerra diz respeito ao território velado, semi-oculto do pressentimento; o que ela enseja (se devidamente compreendida e utilizada) é o acesso da consciência desarmada ao abismo interior - às várias ante-salas do que por dentro nos leva a tudo mais que existe. Não há nada nas cartas do Tarô que você, de alguma forma, já não saiba.

Aqui, cabe uma heresia: a rigor, não há distinção entre "boa" e "má" astrologia; horóscopos de jornal podem ser tão 'válidos' quanto os melhores trabalhos de Liz Greene (uma das minhas favoritas). Segue o porquê: se acreditarmos que o universo é uma totalidade estruturada operando segundo uma lógica a princípio identificável - isto é, que sempre há sentido nos fluxos e movimentos de suas partes constitutivas, percebidas como interrelacionadas direta e indiretamente em todos os níveis imagináveis e inimagináveis -, então a questão de se ler 'adequadamente' a realidade se reduz a um exercício de sensibilidade. Dado o caráter polissêmico de qualquer representação - seja fidedigna ou enganosa, até mentirosa -, o seu sentido - seja primeiro, intencional, fortuito, circunstancial ou derradeiro - dependerá do sujeito que percebe o que lhe apetece de si, dos outros, do tempo e do espaço.

Assim, se tudo tem sentido, isso necessariamente inclui quaisquer leituras para o bom leitor - no nosso caso, do presente que se adivinha prenhe de possibilidades...

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