segunda-feira, 27 de abril de 2015

REVISITA 52: THE DAY AFTER

Hoje é o dia da saudade
de ontem.

Dia de lembrar o que a pele ainda guarda
do teu perfume e carícias.

Hoje não; nada de cuidados
(de beijos, afagos ou palavrinhas doces).

Só a apertada saudade do teu ser delicado
de ontem.

26/04/1996

AQUÉM DO EGÍPCIO

O sol, impassível
restou impossível

divindade crível

face a sua impotência ante o drama humano.

Sol impossível
embora ubíquo:

- embora caro

embora belo

de um amarelo

divino incrível!...

ESTADO DE CERCO

A vida sitia.
O mundo sitia.

- mas nada sentia
porque antes sentia

que tudo podia.

Agora, titia
o tempo sitia

- e o mundo dá vida
à sorte devida...

domingo, 26 de abril de 2015

REVISITA 51: DA LEITURA

Lês, se não tens como fugir à letra
Uma vez que tornaste armadilha:
- Não sabes escapar à minha indulgência de anos
que preenche as tuas horas vagas.

Tempo de leitura, de prisão com asas.

Lês porque és indulgente
Também.
Pedinte do que queres extrair de si
Na letra da minha indulgência de anos.

Tempo de espelhos e reflexos.

Enfim, lês acerca do que temos de mesmo.
Lês porque preciso saber
Preencher.

15/04/1996

QUADRA DO CORREDOR A TAUTOLOGIZAR

o que correr quando pensar

... ah, é corrida
tão concorrida
que tão corrida
é concorrida!...

REVISITA 50: CONVITE AO POUSO

o início de outro ciclo

Se chegares, bem-vinda! Que chegues num bom olhar
Nem muito atento, nem generoso por demais!
Condescendente, talvez morno
Que às vezes umedeça, de sincera pena
Da incompetência inconformada que busca, busca...

Se chegares, que chegues paciente:
- As arestas das linhas à frente
recusaram o polimento dos anos atrás.
Daí o verso repetido, o vocábulo circunscrito
Ao sopro desmedido que lhes deu sentido.

Se chegares, que chegues realmente
Pois preciso do teu chegar.
Teus olhos frescos - quem sabe?
Teu desconhecimento - talvez!
Prometem outra luz à mesmice da leitura

Destas páginas puídas de tantas revisitas...

11/04/1996

sábado, 25 de abril de 2015

QUADRA DEFENSIVA

Aquela curva

que à mente turva
que à mente curva

a mente turva.

CRÍTICA DO ESTADO DO PLÁSTICO NA ARTE

A efetividade

a fecundidade

a profundidade

da visualidade

de toda paisagem

de toda miragem

de qualquer imagem

sua animalidade

sua autenticidade

sua (a)normalidade:

- racionalidades

qual opacidades...

DESPERDICEI-O

Acordei cedo.

Acordei cedo

verde e sem medo.

Depois despertei

longe de bento

monte de vento

num pavimento

tarde do tempo

- pois desperdicei

o antes que veio

(quando despertei

desperdicei-o).

...

[acordei cedo

tarde no tempo;

depois despertei

do que antes veio]

quinta-feira, 23 de abril de 2015

PLATÔNICA

Amo abstrato
teu substrato.

Amo abstrato
decíduo e gaio:

- porque abstraio
nosso contrato

teu substrato
precípuo e esto

pode vir resto
de si prostrado

resíduo ao trato

contíguo ao quarto...

quarta-feira, 22 de abril de 2015

SINOPSE

de la petite mort

Prolapsa
sinapse

colapsa
monopse

em lapsos

de ilapsos

relapsos...

domingo, 19 de abril de 2015

BANDIDO

... esse descompasso

a pé, passo a passo
(da fé porque passo)

entre o meu tempo e o teu espaço

só nos faz cansados
só nos traz inchados

tanto os teus rins quanto o meu baço
do tanto de fins e de abraços

[enquanto o meu fim for teus braços]

sexta-feira, 17 de abril de 2015

DA MADUREZA

A natureza
a sutileza

a correnteza

do que é a beleza

na forma fêmea
de uma alma gêmea

pede clareza
pede firmeza

pede franqueza
(consigo mesma).

quinta-feira, 16 de abril de 2015

AOS MEUS ALUMNI CELULARIS

dica em dia de prova

Evitem a pressa
a noção de pressa
tentações da pressa:

- respirem sem pressa
meditem sem pressa
levitem a pressa...

Resistam à pressa
à ação com pressa:

- reação à pressa
da visão depressa
(depressiva, essa).

Assistam a pressa
seu andar depressa

sem andar depressa
se fazer de presas:

- indispensem compressas
se ao baterem a testa

debateram à beça!...

DADIVOSA

... tanta graça na presteza
tão feminina a leveza

com que a lua quando nova
com que a lua quando preta

subtrai-se de clareza
subtrai-me nesta cova

e vitamina a incerteza
do que faço sobre e acerca...

segunda-feira, 13 de abril de 2015

GOSTO

de Cecília Meireles

Não gosto de poesia discursiva.

Gosto da jovem Cecília
- da Cecília simbolista.

Discursiva a poesia, tem quem a prefira:

- aquela dissertação
que o mundo cão explica.

Se depender de mim, a poesia discursiva

(a que prosa, prosaica fica
mesmo se obra fina, crítica)

vai muito bem, desobrigada.

...

[gosto da jovem Cecília
porque sua melancolia

(de moça noturna em vigília
que a mocidade desperdiça)

se pudesse abraçá-la, o faria]

quinta-feira, 9 de abril de 2015

quarta-feira, 8 de abril de 2015

DEZOITO

caco pretérito V

Boneca
esperta!

Aquela
janela
futura
aberta
te espera!

Fraterna
te busca
sortuda
taluda
sapeca!

Desperta
interna
tua luta

maluca
quimera
por ela!...

27/08/09, 08/04/15

terça-feira, 7 de abril de 2015

QUADRA PROPEDÊUTICA

caco pretérito IV

... perfuma à toa
assim - a toda:

- moça tão boa
da popa à proa...

26/03/09, 07/04/15

TRIPLA QUADRA REENCONTRADA

cacos pretéritos

(torpedearei o meu amor
de loas, quantas em louvor
da vida que terei, do ardor
com que amo tanto o meu amor)

...

[do meu amor, os pés
encerram cafunés
que descubro à noite
no mais doce açoite]

...

{no meu amor, os peitos
me pedem, tão perfeitos
saraivadas de beijos
que mordo-os (os beiços)}

18/03/09, 07/04/15

segunda-feira, 6 de abril de 2015

SEXTILHA DA TUA VELHICE CHEGANDO

És um celerado
desacelerando

bonzinho esperando

(sozinho estercando)

[vizinho espetando]

{vinho especulando}

sábado, 4 de abril de 2015

Soa, precisamente, a minha pessoa

por Pessoa

"Que é viajar, e para que serve viajar? Qualquer poente é o poente; não é mister ir vel-o a Constantinopla. A sensação de libertação, que nasce das viagens? Posso tel-a sahindo de Lisboa até Bemfica, e tel-a mais intensamente do que, quem vá de Lisboa á China, porque se a libertação não está em mim, não está, para mim, em parte alguma. 'Qualquer estrada' disse Carlyle, 'até esta estrada de Entepfuhl, te leva até ao fim do mundo'. Mas a estrada de Entepfuhl, se fôr seguida toda, e até ao fim, volta a Entepfuhl; de modo que o Entepfuhl, onde já estavamos, é aquelle mesmo fim do mundo que iamos a buscar.
Condillac começa o seu livro celebre, 'Por mais alto que subamos e mais baixo de desçamos, nunca sahimos das nossas sensações'. Nunca desembarcamos de nós. Nunca chegamos a outrem, senão outrando-nos pela imaginação sensível de nós mesmos. As verdadeiras paisagens são as que nós mesmos creamos, porque assim, sendo deuses d'ellas, as vemos como ellas verdadeiramente são, que é como foram creadas. Não é nenhuma das septe partidas do mundo aquella que me interessa e posso verdadeiramente vêr; a oitava partida é que percorro e é minha.
Quem cruzou todos os mares cruzou sómente a monotonia de si mesmo. Já cruzei mais mares do que todos. Já vi mais montanhas que as que ha na terra. Passei já por cidades mais que existentes, e os grandes rios de nenhuns mundos fluiram, absolutos, sob os meus olhos contemplativos. Se viajasse, encontraria a copia debil do que já vira sem viajar."

Fernando Pessoa, "O livro do desassossego". In Obras de Fernando Pessoa, vol. X (prosa). Lisboa: Promoclube, pp. 217-218.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

RECADO DE FLOR

caco pretérito III

Olá... Meu nome é Florbela
- de Flor Florisbela!
Pra florir - e assim agradá-la
preciso de água - à beça!

E de adubo, da semana
à quinzena - pra bem cuidada
ô mana - enfim adubá-la
também (tua pausa cotidiana!)

E de sol, amica mia
meia-sombra! - só parte do dia
- de vida envasada à janela

pra ser sempre tua Florbela
- a Flor Florisbela

não só todavia!...

23/06/09, 02/04/15

INEXPRIMÍVEL QUERIDA II

caco pretérito II

Querida
chega de rima
de sereia e fantasia:

(o que finges desquerer
da delícia que antecipas)

- tratarei de te atrair
(a nadadeira fendida)
para o amplo, desconexo
(de parte marinha da vida)

industrioso belo sexo
(que descama, guelra, espinha
dança, acama, peleja, saliva
diante da vítrea vista)

que em terra nos abriga!...

23/06/07, 02/04/15

INEXPRIMÍVEL QUERIDA

caco pretérito

Querida
por que me miras
miragem afrodisíaca

- se areia
ainda ousadia
sei que não sou?

- se sereia
vinda maresia
sei que não és?

(mulher de outros papéis...)

23/06/07, 02/04/15

quarta-feira, 1 de abril de 2015

REVISITA 49: BRANCA

o fim de um ciclo

A lua de ontem prateou-nos
Etérea, embaçada, reencontrada
Poética
Lume dos teus olhos na água mais profunda.

Quando o teu olhar iluminado descansou
Pousou além de mim, sobre o lago escuro
Percorrido intermitentemente
Trapos de horizonte tecidos em paz.

Mas não só teus lumes gêmeos
Colheram pétalas do momento:
Um sorriso cálido, mãos ligeiras, teu traço sinuoso
Deixaram-me marcas.

E os segredos que teus lábios contiveram
O corpo revelou, pleno de palavras:
Cantou todo o teu ser
Minha alegria de saber mais de ti.

23/02/1989