quarta-feira, 30 de setembro de 2015

DA (IN)DETERMINÂNCIA

diante do paredão climático

As ondulações da brisa artificial do ventilador
nas persianas vitais desta sala enfadada de calor

concentram decerto atenção
ou bem a dispersam também

(espécies de meditação).

Oscilações de cortinas ao vento parecem supor
que a acidentalidade da imagem acima possa impor

(em decorrência suficiente do consequente torpor)

o tipo certo de atenção

da série de mais opções
que aquela miragem sustém

[solitárias na multidão
solidárias com a questão].

...

{cabe-me então recuperar
um corpo são do aquecedor - a ventilar outro lugar}

terça-feira, 29 de setembro de 2015

REVISITA 96: A CHAVE

22º poema de À procura de Nefertari

Nunca eu soube de que lado era
a secreta entrada das câmaras
de mim, íntimas desconhecidas:

- por onde vieste, qual brisa agreste
assombrar de cima abaixo, frescor
verde-róseo varrendo sepulturas...

Dos corredores nunca percorridos
defuntos interiores nos abismos
embora pressentisse, eu não soube:

- até que dispondo o teu corpo
de tua alma depois em escritura
peregrino, me alçasse todo
num matutino longo vôo...

O que cofre involuntário frio
tinha aquele sólido sido
à superfície, vívido vidro

pulsante rachou vertical do exterior:

- no espiral vento, a utópica face
em rubor encantador, íngreme
do amor, fez-se ápice - a chave
inadvertida da felicidade...

30/04/2005

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

SOLICITAÇÃO

por monções até o fim (das estações)

Até que venha
o que me aquiete

cortando a veia

que não se aquiete
a natureza

do que acontece

na terça-feira
na quarta-feira

no quinto teste
da sexta prece

(ver se acontece)

enquanto esteja
na correnteza

um eu que preste...

VESPERTINAS

quatro quadras


1.

A tarde, branca e singela

(à tarde, quando amarela)

é pálida, das janelas

e cálida, nas donzelas...


2.

A tarde, quando encapela

por dentro de uma olhadela

se tarde, faz com que velas

ao centro enfunem estrelas...


3.

A tarde, quando dá trela

destarte, a tempo acautela:

- caso amiúde procelas

de alaúde, ela as parcela...


4.

A tarde, quando encastela

à parte, enquanto flagela

(se sólida a cidadela)

é mórbida, desta cela...

domingo, 27 de setembro de 2015

(SE NÃO JÁ MORTO, QUASE)

Um domingo enfunado
pelo verbo estancado

[por um tempo cansado
de ventos enfurnados]

é o que avento no espaço
deste texto que ameaço

e não desembaraço

{desde cedo esse teor
independente do autor}

sábado, 26 de setembro de 2015

DA FAXINA

hoje cedo

É sábado
dos bárbaros:

- da limpeza
sem nobreza

da aspereza
dos ácaros!...

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

REVISITA 95: ENTREDIZERES

20º poema de À procura de Nefertari
 
A tua voz, já um pouco triste
de sua atroz melancolia
 
repisa áspera dez gastas
pedras lisas. Púrpura, a via
 
locomovendo linhas várias
ancestrais vinhas de palavras.
 
Fiel depositário, um ouvido
se lançou rede em captura
 
das secas frutas que derrubas
junto a outras, belas de menos
 
mas nelas todas solitário.
 
(delas todas solidário
 
prometerei, sintáticos 
mil favores semânticos
 
por ora pragmático)
 
[esclareço que replicarei, sem demérito
(seja a verdade, quimeras, ou mero confeito)
 
negócios de objetos com futuros perfeitos
num júbilo antecipado de amor a crédito]
 
26/04/2005

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

EPICURISTA VII

Curvo-me ao tempo

(do contratempo)

com pensamento

num sentimento:

- estar atento.

POR PARTES

é da idade

Esta tarde
a cidade

caminhei pela metade.

A metade
desta tarde

caminhei pela cidade.

A cidade
na metade

caminhei por estar tarde.

...

[nesta tarde
na cidade

caminhei pela metade]

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

DO FIM DA COMPOSTURA

na cena jurídica (duas observações)

1. Ao menos à distância
(à margem, na verdade)

percebo a exuberância
(exótica, destarte)

daquela ignorância
togada da vaidade

cevada na constância
de sua impunidade:

- viceja na abundância
da vitaliciedade;

- atua em consonância
qual a moralidade;

- placebo em substância
tal a necessidade...

2. Par à repugnância
que mais exorbitâncias

ensejem à vontade
(entre um e outro mascate)

percebo uma alternância
(senão uma novidade)

naquela ignorância
tão dada a disparates

cuja deselegância

olente de fragrâncias
paleovernaculares

chegou aos populares:

- na ausência das flagrâncias
urgência de avatares!...

terça-feira, 22 de setembro de 2015

REVISITA 94: O CENTRO

19º poema de À procura de Nefertari

Do centro
egocêntrico
nada percebo

(só branco
o claro pião
girando imóvel).

O ar, a fala
tangíveis
entalam. Asfixiam.

O pensamento
paralítico
arrasta o silêncio.

O olho
vidra estático
como se não fosse

a tua foto
virtual
retrato perfeito

(do momento
crucial
sem movimento).

24/04/2005 

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

EPICURISTA VI

não há realidade a temer

... se me quedo sem escrever
por outra razão que prever

a inutilidade de haver

[esta, aliás - que paixão por trás!]

a mediocridade do ser
que sou impõe-se depender

da disposição do poder
que posso de contradizer

tal imprevisão - e escrever!...

domingo, 20 de setembro de 2015

ZORRO, SOCORRO!... II

hoje cedo

Vou caminhar
daqui a pouco

pra não pensar
(pra compensar)

que não corro

não percorro

nem recorro:

- ao divagar
só decorro

[ao me entregar
tão devagar]

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

REVISITA 93: NO CAMINHO DE NEFERTARI

18º poema de À procura de Nefertari

Sempre a um passo, rastro, toque de algo
vivo extático o sonho, a rósea iminência
do desabrochar perfeito; do instante dourado
das portas abertas do palácio; do cristalino
estado das coisas plenamente reconhecidas:

- triunfo iluminista nas profundezas do abismo.

Sempre estou metro atrás de medir o calado
a devida compreensão da quilha embaixo;
dos grilhões no fundo, guardo a vaga impressão
de hóspede eludindo a mente, uma rasa noção
do que vaza por dentro:

- talvez torturado da verticalidade
dos impulsos vulcânicos de felicidade.

No momento contínuo das sedas em movimento
desdobradas indefinidamente desde sempre
percorro cuidadoso o teu sacro espaço:

- mas não macular processo, tempo, colheita
(a comunhão na bacia imperfeita das almas deste mundo)
desaponta possível o nosso único futuro...

[pulsa contrito o cardíaco sentimento
de amor zeloso aos corvos afastando]

23/04/2005

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

DA SUBVERSÃO DA SONECA

por que abismo nela?

No meio do dia brilhante
tal escuridão ofuscante

rebrilha no dia potente
opaca escureza presente

em sonhos - certeza o bastante

enquanto sesteio inocente

do quanto o meu sono apreenda
do tanto que não compreendo

- cada qual pesadelo adiante...

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

PEREBA

recorte

O passe

que passe

dá sorte

(má sorte).

O drible

que tente

(nos livre
 que finte!)

- é a morte.

Já o chute

(consorte
do corte)

pro norte:

- seu forte

no esporte!...

terça-feira, 15 de setembro de 2015

PERSPECTIVA DE CLASSE

do golpe abaixo da cinta

A eloquência dos de cima

- qual verdade cristalina
de uma ciência repentina
que repetem paulatina

cai violenta nos de baixo

como facada ou balaço

(preocupada todavia
face a tal desembaraço)

[educada no regaço
de que não há mais saída]

{ocupada morro acima
com o que esconde debaixo}

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

EPICURISTA V

Se disponho de café
como dispõe um mané

passo bem sob o boné
como bem fosse um josé...

Se disponho de puré
ou do que come a ralé

(acompanhando o café)

já evito a ação das polés
ou o vaivém das marés

habilitando sopés

sem depressão ou revés
numa montanha ao invés

- porém flanando através
desta galé sem convés...

EPICURISTA IV

Ampara a vida calma
(pretérita a medida)

um sono vindo d'alma
embora ao meio-dia:

- num sonho que enuncia
que no futuro havia

o que o presente empalma...

domingo, 13 de setembro de 2015

REVISITA 92: ANTES DE CAIR

17º poema de À procura de Nefertari

Sobressaltos não combinam com saltos altos
com coqueiros, eucaliptos, postes, edifícios
torres e montanhas; pontes e precipícios
inferiores abismos interiores:

- com alturas não medidas por desejos desmedidos.

Mesmo assim poço arrogante, invólucro de carne e osso
microscópico desafiante, sou da arte-imensidão do todo;
crente do amor, passo atrás do finalmente encontro
adiante crônico de felicidade infinita:

- corda e caçamba, parede, tombo e água fria.

Sobressaltos descarrilam trens de expectativas
implodem fantasias, denunciam guerrilhas
em luta nos campos minados das almas feridas...

A desamar a contradição que te habita
expansiva, cósmica valquíria
supernova explosiva

prefiro eterno desarmar o espírito
a desatar nós; fugir do teu fogo amigo
num amor de amigo convertido:

[por isso]

- antes de cair, devo ir.

22/04/2005

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

FÁTICA

Uma fina dor de cabeça
(da ausência de café na mesa)

afina a minha benquerença
por esta amena sobremesa

que me lembra a tua presença
depois de saída à francesa

(antes de chegada a despesa):

- nossa conversa ao pé da orelha
sobre assunto que deu na telha...

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

EPICURISTA III

fragmento

... sobre a dor e a morte
crê dispor de sorte!

- uma aporta o norte
do prazer que corte;

- outra é outro aporte
sem prover que importe...

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

REVISITA 91: MANHÃ SONHADA

16º poema de À procura de Nefertari

A linha sinuosa do teu corpo ao lado
(cobra insinuante a quebrar o compasso
lenta descontinuando o instante lasso)
varre a minha mente de pretéritos cacos
e ocas previsões; envelopa-me parvo
ao preciso e ao sagrado, a sedas abraçado
num sossego conquistado duramente fátuo...

Respiras o silêncio, subindo em staccato
a leve pluma morna e agridoce do teu hálito;
sonhadora interrompida, dorminhoca entre atos
(quase toda espreguiçada, quase nada acordada)
reviras, quase tanto distraída, à procura do acaso
da minha boca - do beijo bojudo que findo roubas
num grande e gracioso e perfeito movimento...

E num segundo gordo, toda a hora se ilumina
quando índio nu acendo, apache a fogueira
teus sentidos nos tecidos finamente consentidos
de lícitos cuidados, e ilícitos - a ordem contrafeita;
e depois esfumaço púrpuro e rubro, amarelo e branco
quando ao mundo anuncio, descansada da refrega
a paz derretida das hordas satisfeitas...

[logo finda a alegria, pois desperta a rotina
da vida incontornável dividida ao meio-dia]

21/04/2005

terça-feira, 8 de setembro de 2015

EPICURISTA II

Que prazer, que cansaço

contemplo

no que disponho diante

do espaço

mas indisponho adiante

no tempo?

Que dizer que embaraça?

Que fazer que estiraça?

Que porvir os abraça

do seu negror radiante?...

...

[com tempo

o espaço

contemplo

confiante]

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

SETE DO NOVE

No dia da pátria
das minervas suas

há septimátrias
na areia das raias

por mais tropicália
à beira das ruas...

No dia da pátria
há minervas nuas

na ombreira das alas
dobradas nas puas

douradas nas praias
sombreadas às duas...

Na data da pátria
eu lembro que a pátria

é a ideia de pátria:

- bandeira dos xátrias
grilheta dos párias

é uma visão casta
que maya, não basta

(aos brâmanes, nada)

domingo, 6 de setembro de 2015

NO ZÊNITE DA SECA

sinais

O tempo do limite
expor sua dinamite.

É pálido o grafite.

Lento qualquer trâmite.

Há falta de apetite.

Nossa a neurodermite
vossa a pneumonite

(parecem proctites
aquelas vaginites).

Rareiam teus palpites.

Da ausência de convites
padecem socialites.

Entre a plebe e as elites
vivos dão mortos quites...

sábado, 5 de setembro de 2015

REVISITA 90: FRAGMENTO VULNERÁVEL

15º poema de À procura de Nefertari

De ouvir-te leve, alegre voz distante
independente de qualquer instância (parece!)
e de um favor disposto a qualquer instante

correu-me grega as veias tal tristeza espessa
a saber impotente o exigente sentimento.

Lava grossa debulhou-me em lágrimas
fútil magma, cristalino afogamento:

- o que tem o amor a ofertar mais generoso
se a sofrer tão doloroso, qual cão purulento
à míngua pelas ruas e vielas deste mundo?...

[pressinto vão saber, o nervo exposto
em riste, mudo acusando a intempérie]

18/04/2005

OTÁVIO

Meu amigo querido

partiste teu destino

num número infinito

de possibilidades

que as probabilidades

igualam no sentido

da gratidão que sinto

por teres existido.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

REVISITA 89: DAS CELAS DE JANELAS

14º poema de À procura de Nefertari

Ali, outro domingo luminoso desidratando
a hora, e quase convidativo: um deserto silencioso
de sentidos. Aqui, um zoológico de pensamentos híbridos
errando deveras a jaula em que erras agora.

[toda vez que abro o dia azul na clara tela
das idéias, o teu par oblíquo, fitando-me janela
(moldura melancólica de um ébano poético)
quietamente ao búfalo arrasta, magnético
da minha mais funda, encerrada cela]

Servi café amargo a todos os bichos
aos pássaros endoidecidos; penados
seguirão pressurosos, solidariamente
a tua alma errante pelo ciberespaço

(embora acreditem, presunçosos e pios
que erras acerca da liberdade em questão
cyber-cerca, na verdade - a tua alada prisão)

17/04/2005

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A ESTA ALTURA DA EPOPEIA

Ressecada a ressacada
das ideias contra a tela

(recomputadorizada
por mais letras sobre as teclas)

em mais outra temporada
de estações estacionadas

talvez caiba na cadeia
das palavras descoradas

das finadas de poética
melopeias afinadas:

- analfa ou alfabéticas
orais ou hipotéticas

a esta altura da epopeia
cantilenas encurtadas!...

REVISITA 88: SONETO MORTO DE AMOR

13º poema de À procura de Nefertari

Densa, e escura, e pesada - absinto
drogada pasmaceira à tarde, a sexta
saudade devora fígados, a paciência
lenta comigo nesse momento-abismo

(e um desejo de amor imenso
paraíso se tudo fosse farto
deita a correr meu tempo
agoniza sem morrer de fato)

A gravidade pesa o meu cansaço
em toneladas; a esperança de banhar
o espírito em confiança, esvai-se regular

pois tudo esbarra monstruosa ausência:

- além dos sentidos, a tua fina lembrança
fria lâmina, despedaça-me a garganta...

15/04/2005

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

ELETROCARDIOGRAMA

Minha vida caminha
apesar de sozinha.

Minha vida encaminha
sopesar que avizinha

em ondas esquisitas

[medidas de batidas
de choques, de subidas
descidas de vencidas
(berloques de feridas)]

aquela reta linha
que a máquina vindica

enfim das cavas lidas
das sondas exauridas

rente à tela - à tardinha...

terça-feira, 1 de setembro de 2015

CENSO DOMÉSTICO

senso animal

Amiga
formiga

me diga
se a lida

- na cozinha da Vandecira

é a vida
querida...

NATUREZA DO POENTE

antes que avermelhe

A beleza
pipoca
amarela

na panela
da hora
da reza.

PROJETO DE VIDA

Sob o teto
céu a pino

amarelo
sobre um piso

arquiteto
interciso

o que é belo
dividido

(paralelo
e adstrito)

entre um teto
antevisto

e o novelo
onde piso.