sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O CASAL

último poema na antepenúltima morada

No topo de uma torre - dessas de celular
que a tecnologia espeta - uns horrores - na paisagem
de toda urbana vizinhança

entardece um par de gaviões carcarás - de passagem
vestidos - magníficos - daquela luz oblíqua
que a todos esperança.

Parecem pacientes - ou serei eu, pormenorizante
observando-os horizontes de um sonho? As asas abrigam altivas
um silêncio alpino - sem o vítreo ruído do frio

porque trópico o sinto. Pressinto-os casal distinto
em sua lógica curva de reta elegância - a despeito da rotina
de pombos e ratos que nossa desordem multiplica

[diga-se, rapina distinta
da sanha imobiliária que nos vitima:
a cidade, a sociedade - diga-se, vizinhas
de suspeita fidalguia].

Ao fim neles, vislumbro - comovido - a economia
dos vôos medidos - sem o desperdício
típico de toda mesquinharia

porque fundo o ressinto. Mal poder isto ou aquilo
por esclerose progressiva - dos projetos de vida
os olhares dissocia - de vontades
em função das atrofias que o tempo assina

(a contragosto, contando as gotas - de tinta)

e ensina.

30/07/2011