domingo, 11 de março de 2012

O verso e a prosa, segundo o poeta

diferenças

"Se eu chegasse ao pé do leitor e lhe dissesse: 'Esse seu automóvel não é um veículo, porque não é puxado por cavalos', é provável que o leitor não aceitasse como bom, ou pelo menos como dito a sério, o meu argumento. Quando alguém chega ao pé de mim e me diz: 'Este poema não é poema porque está feito em linhas que não têm medida regular, que não têm rima, que se não podem medir nem ler como versos', essa pessoa [faz] uma afirmação em nada diferente daquela minha afirmação hipotética sobre o automóvel do leitor.

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O verso difere da prosa não só materialmente, mas mentalmente. Se não diferisse, não haveria nem uma coisa nem outra, ou haveria só uma que fosse uma espécie de mistura de ambas. O estado mental que produz verso é diferente do estado mental que produz prosa. A diferença exterior entre a prosa e o verso é o ritmo; a diferença interior entre a prosa e o verso será a entre um estado mental que naturalmente se projecta em simples palavras, e um estado mental que naturalmente se projecta em ritmo feito com palavras.

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Há ritmo na prosa, e há ritmo no verso. No verso, porém, o ritmo é essencial; na prosa não é, é acessório - uma vantagem, mas não uma necessidade. No fundo não há verso nem prosa..."

Fernando Pessoa, "Poesia e ritmo". In Obras de Fernando Pessoa, vol. III (poesia). Lisboa: Promoclube, pp. 105-106.

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