quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Da relação entre poesia, jornalismo e idiotia na contemporaneidade

Meseritscher, jornalista, saudado como 'o Homero de nossos tempos'

"Sem entrar na sutil distinção entre idiotas e cretinos, deve-se recordar que um idiota de certa gradação já não consegue formar o conceito de 'pais', enquanto a idéia de 'pai e mãe' é bastante corriqueira para ele. Esse simples e conetivo 'e' era o elo com que Meseritscher ligava os fenômenos da sociedade. Deve-se lembrar também que idiotas, na simples concretude de seu pensamento, possuem algo que segundo a experiência de todos os observadores fala misteriosamente à alma; e que poetas também falam especialmente à alma, até de maneira bastante parecida, pois devem se destacar por uma mentalidade o mais possível palpável. Portanto, se Friedel Feuermaul tratava Meseritscher como poeta, poderia do mesmo modo - quer dizer, pelas mesmas sensações que tinha obscuramente, o que nele significava: com súbita iluminação - tratá-lo como a um idiota, e de maneira significativa para a humanidade. Pois o que há em comum aí é um estado de espírito que não é sustentado por amplos conceitos, nem purificado por distinções e abstrações, um estado de espírito da mais baixa estruturação, manifesto na limitação àquela mais simples das conjunções, o 'e' que vai ligando tudo desamparadamente, que substitui, no fraco de espírito, relações mais complexas; e pode-se afirmar que também o mundo, sem falar em todo o espírito nele contido, se encontra num estado de imbecilidade semelhante ao aqui descrito, e não se pode evitar isso, se quisermos entender como um todo os fatos nele ocorridos."

Robert Musil, O homem sem qualidades. Tradução de Lya Luft e Carlos Abbenseth. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, pp. 1069-1070.

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