quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

A justa medida

"Entre um abismo de céu sobre a cabeça e um abismo de céu maldisfarçado sob os pés, somos capazes de nos sentir tão absolutamente tranqüilos na terra como num quarto fechado. Sabemos que a vida se perde igualmente nas desumanas vastidões do espaço e na desumana estreiteza dos átomos, mas, no meio disso, tratamos uma camada de formações como as coisas do mundo, sem nos deixarmos minimamente incomodar pelo fato de que não passam de uma preferência por impressões que captamos de uma certa distância média. Essa atitude está muito aquém de nosso entendimento, mas exatamente isso prova a força com que nossa emoção interfere. E com efeito, os mais importantes dispositivos intelectuais da humanidade servem à manutenção de um estado de espírito estável, e todas as emoções, todas as paixões do mundo, nada são diante do esforço gigantesco mas totalmente inconsciente despendido pela humanidade para manter sua soberba serenidade. Aparentemente, nem vale a pena falar disso, tão impecável é seu funcionamento. Mas, olhando melhor, é um estado de consciência altamente artificial, que permite ao homem andar ereto entre o giro dos astros, e enfiar dignamente a mão entre o segundo e terceiro botões do casaco, em meio a esse desconhecimento praticamente infinito do mundo."

Robert Musil, O homem sem qualidades. Tradução de Lya Luft e Carlos Abbenseth. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, pp. 561-562.

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